REsp 1.953.607-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 14/09/2022 (Tema 1120).
EXECUÇÃO PENAL
Remição de pena. Art. 126, §4º, da Lei 7.210/1984 (LEP). Trabalho e estudo. Suspensão durante a pandemia de Covid-19. Princípio da individualização da pena. Proibição de remição ficta. Situação excepcionalíssima. Derrotabilidade da norma jurídica. Preservação dos direitos. Princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da fraternidade. Diferenciação necessária (distinguishing). Tema n. 1120/STJ.
Nada obstante a interpretação restritiva que deve ser conferida ao art. 126, §4º, da LEP, os princípios da individualização da pena, da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da fraternidade, ao lado da teoria da derrotabilidade da norma e da situação excepcionalíssima da pandemia de Covid-19, impõem o cômputo do período de restrições sanitárias como de efetivo estudo ou trabalho em favor dos presos que já estavam trabalhando ou estudando e se viram impossibilitados de continuar seus afazeres unicamente em razão do estado pandêmico.
A controvérsia consiste em definir a possibilidade ou não de concessão de remição ficta, com extensão do alcance da norma prevista no art. 126, §4º, da Lei de Execução Penal, aos apenados impossibilitados de trabalhar ou estudar em razão da pandemia ocasionada pelo novo coronavírus.
O STJ entende que a ausência de previsão legal específica impossibilita a concessão de remição da pena pelo simples fato de o Estado não propiciar meios necessários para o labor ou a educação de todos os custodiados. Entende-se, portanto, que a omissão estatal não pode implicar remição ficta da pena, haja vista a ratio do referido benefício, que é encurtar o tempo de pena mediante a efetiva dedicação do preso a atividades lícitas e favoráveis à sua reinserção social e ao seu progresso educativo.
Contudo, em que pese tal entendimento, ele não se aplica à hipótese excepcionalíssima da pandemia de Covid-19 por várias razões (distinguishing). A jurisprudência mencionada foi construída para um estado normal das coisas, não para uma pandemia.
O art. 3º da Lei 7.210/1984 estabelece que, "ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei". Em outros termos, ressalvadas as restrições decorrentes da sentença penal e os efeitos da condenação, o condenado mantém todos os direitos que lhe assistiam antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.
Por sua vez, a doutrina estabelece que a "Derrotabilidade é o ato pelo qual uma norma jurídica deixa de ser aplicada, mesmo presentes todas as condições de sua aplicabilidade, de modo a prevalecer a justiça material no caso concreto".
Nessa linha, negar aos presos que já trabalhavam ou estudavam antes da pandemia de Covid-19 o direito de continuar a remitir sua pena se revela medida injusta, pois: (a) desconsidera o seu pertencimento à sociedade em geral, que padeceu, mas também se viu compensada com algumas medidas jurídicas favoráveis, o que afrontaria o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF/1988), da isonomia (art. 5º, caput, da CF/1988) e da fraternidade (art. 1º, II e III, 3º, I e III, da CF/1988); (b) exige que o legislador tivesse previsto a pandemia como forma de continuar a remição, o que é desnecessário ante o instituto da derrotabilidade da lei.
Note-se, assim, que não se está a conferir uma espécie de remição ficta pura e simplesmente ante a impossibilidade material de trabalhar ou estudar. O benefício não deve ser direcionado a todo e qualquer preso que não pôde trabalhar ou estudar durante a pandemia, mas tão somente àqueles que, já estavam trabalhando ou estudando e, em razão da Covid, viram-se impossibilitados de continuar com suas atividades.
CC 188.950-TO, Rel. Min. Assusete Magalhães, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 14/09/2022.
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL TRABALHISTA, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar reclamação trabalhista ajuizada por servidor admitido sem concurso público e sob o regime celetista antes da CF/1988, mesmo que haja cumulação de pedidos referente ao período trabalhado sob o regime de contratação temporária.
Na origem, trata-se de reclamação trabalhista ajuizada, em 20/10/2020, contra o município, na qual a parte autora narrou que fora admitida em 23/01/1986, sob o regime da CLT, sem concurso público. Foi dispensada, sem justa causa, em 31/03/2020, e recontratada no dia seguinte, em 01/04/2020, para a mesma função, com alteração de regime jurídico, na modalidade de prestação temporária de trabalho. Informou que continuou a exercer o mesmo trabalho, a partir de 01/04/2020, mas com grande redução salarial, e que, "apesar da dispensa sem justa causa, o Município réu não realizou as devidas anotações de baixa na CTPS do reclamante, assim como também não realizou nenhum pagamento de verbas rescisórias, tampouco recolheu o FGTS do autor". Requereu o pagamento de verbas rescisórias trabalhistas, até 31/03/2020, sob regime da CLT, por entender configurada a rescisão indireta do contrato de trabalho, bem como o pagamento de diferenças salariais, a partir de abril de 2020, com a declaração de nulidade do contrato de prestação temporária de serviço, por prazo determinado e o pagamento de indenização por dano moral, em decorrência da redução remuneratória, a partir de 01/04/2020.
Cinge-se a controvérsia a definir a competência para processar e julgar esta demanda.
Sobre o tema, o STF definiu, em sede de repercussão geral, "ser da competência da Justiça do Trabalho processar e julgar demandas visando a obter prestações de natureza trabalhista, ajuizadas contra órgãos da Administração Pública por servidores que ingressaram em seus quadros, sem concurso público, antes do advento da CF/88, sob regime da Consolidação das Leis do Trabalho -CLT. Inaplicabilidade, em casos tais, dos precedentes formados na ADI 3.395-MC (Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 10/11/2006) e no RE 573.202 (Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Dje de 5/12/2008, Tema 43)".
Consubstanciando essa orientação, a Súmula n. 97/STJ estabelece que "compete à Justiça do Trabalho processar e julgar reclamação de servidor público relativamente a vantagens trabalhistas anteriores à instituição do regime jurídico único".
Acresça-se que, no caso, a competência da Justiça do Trabalho - na qual ajuizada a reclamação - não se descaracteriza pelo fato de a parte reclamante ter adicionado, aos pedidos relativos ao vínculo trabalhista - pagamento de aviso prévio, FGTS, liberação das guias do seguro-desemprego, multa do art. 477, § 8º, da CLT, indenização de férias, 13º salário, adicional de insalubridade e indenização por danos morais -, requerimento de pagamento de diferenças salariais dos meses de abril a outubro de 2020, quando já estava sob o regime de contratação temporária, bem como a declaração de nulidade de contrato de prestação temporária de serviço, a partir de 01/04/2020.
No caso de pedidos cumulados, incide a Súmula n. 97 desta Corte Superior conjugada com a orientação firmada na Súmula n. 170, também deste Superior Tribunal de Justiça, que dispõe que compete ao juízo onde primeiro for intentada a ação envolvendo acumulação de pedidos, trabalhista e estatutário, decidi-la nos limites da sua jurisdição, sem prejuízo do ajuizamento de nova causa, com o pedido remanescente, no juízo próprio.
Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 22/06/2022, DJe 30/06/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Os acionistas minoritários não têm legitimidade extraordinária para promover procedimentos arbitrais destinados à responsabilização civil dos controladores, com base no art. 246 da Lei n. 6.404/1976, (ação social ut singili) enquanto não caracterizada a inércia da companhia, o que se verifica quando, convocada assembleia geral para deliberar sobre a responsabilidade destes, há deliberação autorizativa e não são promovidas as medidas cabíveis dentro dos três meses subsequentes ou quando há deliberação negativa.
A ação de reparação de danos causados ao patrimônio social por atos dos administradores, assim como dos controladores, deverá ser proposta, em princípio, pela companhia diretamente lesada, que é, naturalmente, a titular do direito material em questão. A chamada ação social de responsabilidade civil dos administradores e/ou dos controladores, deve ser promovida, prioritariamente, pela própria companhia lesada (ação social ut universi). Em caso de inércia da companhia (a ser bem especificada em cada caso), a lei confere, subsidiariamente, aos acionistas, na forma ali discriminada, legitimidade extraordinária para promover a ação social em comento (ação social de responsabilidade ut singuli).
A deliberação da companhia para promover ação social de responsabilidade do administrador e/ou do controlador dá-se, indiscutivelmente, por meio da realização de assembleia geral. A caracterização da inércia da companhia depende, pois, da deliberação autorizativa e, passados os três meses subsequentes, a titular do direito não ter promovido a medida judicial/artibral cabível; ou, mesmo da deliberação negativa, termos a partir dos quais é possível cogitar na abertura da via da ação social ut singuli.
É certo que a Lei 6.404/1976 confere aos acionistas minoritários, na forma ali discriminada, entre outras garantias destinadas justamente a fiscalizar a gestão de negócios e o controle exercido, o direito de promover a convocação da assembleia geral, sobretudo para os casos que guardam manifesta gravidade. Caso os controladores venham a interferir na própria deliberação assembelar, a lei põe à disposição dos acionistas minoritários, na forma da lei, a possibilidade de ajuizar ação social (subsidiariamente).
Em sendo a deliberação autorizativa, caso a companhia não promova a ação social de responsabilidade de administradores e/ou de controladores nos três meses subsequentes, qualquer acionista poderá promover a ação social ut singili (§ 3º do art. 159).
Se a assembleia deliberar por não promover a ação social, seja de responsabilidade de administrador, seja de responsabilidade de controlador, acionistas que representem pelo menos 5% (cinco por cento) do capital social poderão promover a ação social ut singili, com fulcro no § 4º do art. 159 e no art. 246 da LSA.
Tem-se, todavia, que, nessa última hipótese, no caso de a assembleia deliberar por não promover ação social, em se tratando de responsabilidade do controlador, seria dado também a qualquer acionista, com base no § 1º, a, do art. 246, promover a ação social ut singili, desde que preste caução pelas custas e honorários de advogado devidos no caso de vir a ação ser julgada improcedente.
Em todo e qualquer caso, portanto, a ação social de responsabilidade de administrador e/ou de controlador promovida por acionista minoritário (ut singili) em legitimação extraordinária, por ser subsidiária, depende, necessariamente, da inércia da companhia, titular do direito lesado, que possui legitimidade ordinária e prioritária no ajuizamento de ação social.
Não se pode conceber que a companhia, titular do direito lesado, fique tolhida de prosseguir com ação social de responsabilidade dos administradores e dos controladores, promovida tempestivamente e em conformidade com autorização assemblear (nos moldes prescritos na lei de regência, mediante atuação determinante de acionista detentor de mais de 5% do capital social) simplesmente porque determinados acionistas minoritários, em antecipação a tal deliberação e, por isso, sem legitimidade para tanto, precipitaram-se em promover a ação social de responsabilidade de controladores, possivelmente objetivando receber o prêmio de cinco por cento, calculado sobre o valor da indenização, a pretexto de defender os interesses da companhia, em legitimidade extraordinária.
Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 22/06/2022, DJe 30/06/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Compete ao Superior Tribunal de Justiça conhecer e julgar o conflito de competência estabelecido entre Tribunais Arbitrais vinculados à mesma Câmara de Arbitragem, quando a solução para o impasse criado não é objeto de disciplina no regulamento desta.
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, a partir do leading case - CC 111.230/DF - passou a reconhecer que o Tribunal arbitral se insere, indiscutivelmente, na expressão "quaisquer tribunais", constante no art. 105, I, d, da Constituição Federal.
Segundo a compreensão adotada pela Segunda Seção, a redação constitucional não pressupõe que o conflito de competência perante o STJ dê-se apenas entre órgãos judicantes pertencentes necessariamente ao Poder Judiciário, podendo ser integrado também por Tribunal arbitral.
Desse modo, compete ao Superior Tribunal de Justiça conhecer e julgar originariamente os conflitos de competência entre quaisquer tribunais [leia-se, Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, Tribunais Regionais Federais e Tribunais arbitrais], ressalvado o disposto no art. 102, I, 'o' [conflito entre Tribunais Superiores a ser julgado pelo STF], bem como entre tribunal [os mesmos antes referidos] e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos.
Afasta-se, assim, qualquer possibilidade de um conflito de competência estabelecido entre Tribunais arbitrais ser dirimido por um juiz de primeira instância, independentemente da necessidade ou não de interpretação da cláusula compromissória.
O mesmo se diga em relação aos Tribunais de segunda Instância. Pela norma constitucional acima referida, os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Tribunais Regionais Federais, residualmente, têm competência para dirimir conflito de competência entre juízos a eles diretamente vinculados. Diversamente, os Tribunais arbitrais, em situação de conflito competência, ainda que se encontrem situados na mesma unidade da Federação ou na mesma Região, não são vinculados a nenhum Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, ainda que se utilize mais uma vez do dito paralelismo entre as jurisdições arbitral e estatal.
Poder-se-ia supor que, estando os Tribunais arbitrais suscitados vinculados à mesma Câmara de Arbitragem, a competência para dirimir o conflito de competência seria da própria câmara. Todavia, no procedimento arbitral, quem ostenta o poder jurisdicional é o tribunal arbitral devidamente constituído, segundo a indicação das partes na formação do painel arbitral; a Câmara de arbitragem apenas administra o procedimento arbitral, sem, portanto, deter nenhum poder jurisdicional para dirimir eventual impasse criado entre os Tribunais arbitrais a ela vinculado que profiram decisões inconciliáveis entre si.
Idealmente, a solução para o conflito de competência entre Tribunais arbitrais vinculados à mesma Câmara de arbitragem haveria de ser disciplinado e solucionado pelo Regulamento da Câmara de Arbitragem do Mercado, o qual, ao ser eleito pelas partes para dirimir seu conflito de interesses, atenderia, naturalmente, ao princípio da autonomia de vontades, norteador de toda e qualquer arbitragem.
Todavia, sendo absolutamente omisso o Regulamento da Câmara de Arbitragem em disciplinar a solução para o impasse criado entre Tribunais arbitrais, compete ao Superior Tribunal de Justiça, em atenção à função constitucional que lhe é atribuída no art. 105, I, d, da Carta Magna, conhecer e julgar o conflito de competência estabelecido.
Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF da 1ª Região), Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, Terceira Seção, por maioria, julgado em 14/09/2022.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
É cabível o ajuizamento de revisão criminal em face de decisão unipessoal de relator que dá provimento a recurso especial para restabelecer sentença condenatória.
No Superior Tribunal de Justiça há julgados que não enfrentam o mérito revisional de decisão singular do relator por ausência de previsão regimental específica. Esse entendimento parte de uma leitura restritiva da norma prevista no art. 239 do RISTJ, assim redigido: "À Corte Especial caberá a revisão de decisões criminais que tiver proferido, e à Seção, das decisões suas e das Turmas". A indicada leitura dos termos "Seção" e "Turmas" restringe o cabimento às revisionais ajuizadas contra decisões de órgãos colegiados, considerando que seriam os únicos competentes para o seu conhecimento.
Em síntese, pode-se afirmar que, se um órgão do Tribunal decide reiteradamente, da mesma maneira, uma questão de fato ou de direito, seus integrantes ficam autorizados a decidir, de forma isolada e prévia, os demais processos sobre o mesmo tema, que inevitavelmente teriam a mesma decisão. Essa reiteração de entendimentos consolidados fortalece a estabilidade e a segurança jurídica. Por esse motivo, as cortes superiores consideram que o julgamento singular não contraria o princípio da colegialidade (STF, AgRg no HC 214.006/SP, relatora Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, DJe de 13/05/2022; e STJ, AgInt na AR 6.475/SC, relator Ministro Felix Fischer, Corte Especial, DJe de 18/12/2020).
No que diz respeito às revisões criminais, uma exaustiva pesquisa jurisprudencial demonstra não haver, em verdade, consenso sobre o cabimento de revisão criminal de decisão unipessoal de relator. Muitos julgados a inadmitem, adotando uma posição restritiva; outros tacitamente a admitem, adentrando o tema revisional sem nenhum tipo de consideração acerca do cabimento; outros poucos, por fim, expressamente admitem o cabimento de revisões criminais de decisões monocráticas.
Feitas essas considerações preliminares, o posicionamento mais adequado a ser adotado na Terceira Seção é aquele que admite revisionais de decisões monocráticas de relator; que prima por conferir maior garantia aos réus em processo penal, assegurando-lhes o exercício de um direito que a lei não restringe.
Pontua-se que o entendimento contrário provoca efeitos altamente indesejáveis, a saber: 1 - confere maior solidez e imutabilidade à decisão unipessoal de relator, em indireto desprestígio às decisões do colegiado; 2 - cria uma categoria de decisões condenatórias não suscetíveis de revisão criminal, em descompasso com garantias constitucionais; e 3 - obriga as partes ao automático e indiscriminado manejo do agravo regimental, circunstância que apenas colabora para a sobrecarga recursal desta Corte.
Considera-se, portanto, que a decisão singular substitui o julgamento colegiado, sendo-lhe ontologicamente equiparada. Representa mera antecipação de julgamento, que não fere o princípio da colegialidade ou do juiz natural.
AREsp 956.526-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 13/09/2022.
DIREITO ADMINISTRATIVO
O parâmetro remuneratório sobre o qual deve incidir a VNPI para o cálculo da remuneração dos Procuradores da Fazenda Nacional é o existente em março/2002.
É pacífico no âmbito do STJ que, a partir de 26/6/2002, data da publicação da MP 43/2002, a composição da remuneração dos Procuradores da Fazenda Nacional passou a ser a seguinte: a) vencimento básico; b) pro labore, calculado no percentual de 30% (trinta por cento) sobre o referido vencimento básico; c) Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada - VPNI, caso ocorra redução na totalidade da remuneração dos servidores públicos.
A MP 43/2002 (convertida na Lei n. 10.549/2002), embora tenha sido publicada em julho/2002, determinou, no art. 3º, que a nova estrutura de pagamento nela prevista retroagiria ao mês de março/2002, sem excluir, desse período "intermediário", as vantagens que até então foram percebidas pelos Procuradores da Fazenda Nacional, o que acabou ocasionando uma situação virtualmente híbrida, porque entre o regime remuneratório anterior (até março/2002) e o regime novo (a partir de julho/2002) os agentes públicos fizeram jus aos valores correspondentes às vantagens de ambos os regimes.
Hipótese em que a discussão é sobre qual o parâmetro remuneratório em relação ao qual deve incidir a VNPI acima citada: se aquele existente em março/2002, ou se o que existiu entre março/2002 e junho/2002, sendo certo que deve prevalecer a primeira opção, em função de interpretação teleológica e histórica da lei.
A MP 43/2002 (convertida na Lei n. 10.549/2002) foi criada para esmorecer o estado de incongruência, então existente, entre os cargos das carreiras jurídicas da União, no que diz respeito às remunerações daqueles profissionais, sendo certo que, a se concluir pela necessidade de manutenção do regime "intermediário", em vez de dar tratamento isonômico com as demais carreiras da AGU, estar-se-ia conferindo aos Procuradores da Fazenda Nacional tratamento muito mais benéfico, no sentido oposto à finalidade legal.
Se era para preponderar, em caráter definitivo, um regime remuneratório intermediário, que somava vantagens da antiga estrutura remuneratória, com os novos benefícios, não faria o menor sentido determinar a exclusão de rubricas ou mesmo determinar a aplicação retroativa de parte da lei, pois bastaria criar novas vantagens e somá-las às já existentes.
Hipótese em que, na prática, não houve realmente a existência de três regimes, um antigo, um intermediário e um novo, pois o regime "híbrido" ou "intermediário" figurou apenas como uma ficção legal, que teve impactos financeiros favoráveis em relação aos Procuradores da Fazenda Nacional, somente em caráter retroativo, mas que não chegou a efetivamente vigorar ao longo dos meses de março a junho/2002, o que reforça a conclusão de que a irredutibilidade de vencimentos deve tomar como parâmetro o regime que efetivamente existia antes da alteração, qual seja: a composição remuneratória prevista em março/2002.
Caso o parâmetro remuneratório para fins de pagamento da VPNI fosse aquele fictícia e atecnicamente criado pela MP 43/2002 (convertida na Lei n. 10.549/2002), possibilitar-se-ia que os Procuradores da Fazenda Nacional violassem mensal e prolongadamente o art. 37, XI, da CF, o qual estabelece o teto remuneratório do serviço público e que, naquela época, previa importância inferior à que resultou do regime "intermediário".
REsp 2.008.627-RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 13/09/2022.
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
A hasta pública para alienação de vaga de garagem em condomínio se restringe aos demais condôminos, salvo autorização expressa na convenção condominial.
Sobre o direito à guarda de veículos em garagens, a Lei n. 4.591/1964, em seu art. 2º, prevê que, nas edificações ou conjuntos de edificações, este "será tratado como objeto de propriedade exclusiva, com ressalva das restrições que ao mesmo sejam impostas por instrumentos contratuais adequados, e será vinculada à unidade habitacional a que corresponder, no caso de não lhe ser atribuída fração ideal específica de terreno". Dispõe ainda que este direito "poderá ser transferido a outro condômino, independentemente da alienação da unidade a que corresponder, vedada sua transferência a pessoas estranhas ao condomínio".
Ou seja, nos termos do referido dispositivo legal, as vagas de garagem seriam tratadas "como objeto de propriedade exclusiva", vinculadas "à unidade habitacional a que corresponder", podendo ser transferidas "a outro condômino", sendo, contudo, "vedada sua transferência a pessoas estranhas ao condomínio".
Além disso, a posterior Lei n. 12.607/2012 deu nova redação ao art. 1.331, § 1º, do Código Civil, que passou a prever que, em edificações, "as partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio".
Assim, levando em conta os objetivos do referido diploma, no sentido de dar maior segurança aos condomínios, entende-se que a vedação de alienação dos abrigos para veículos a pessoas estranhas ao condomínio, estipulada no art. 1.331, § 1º, do Código Civil, deva prevalecer também nas alienações judiciais. Em tais casos, a hasta pública deverá ocorrer no universo limitado dos demais condôminos.
REsp 2.004.335-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/08/2022, DJe 18/08/2022.
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
A sociedade de advocacia é parte legítima para cobrar honorários contratuais na hipótese de expressa cessão de crédito operada por advogado ingressante.
A controvérsia consiste em saber se sociedade de advocacia é parte legítima para executar contrato de honorários advocatícios de titularidade de sócio que ingressou posteriormente na sociedade.
A cessão, em princípio, independe de forma. A disposição constante do art. 288 do Código Civil diz da exigência de instrumento público ou instrumento particular apenas para a produção de eficácia "em relação a terceiros". A doutrina estabelece que com relação ao cedente e ao cessionário (credor originário e novo credor), a cessão tem forma livre, podendo ser verbal. Em regra, portanto, esta não exige forma rígida.
Por sua vez, o art. 778 do Código de Processo Civil é muito claro ao permitir a execução forçada, ou nela prosseguir, em sucessão ao exequente originário: "III - o cessionário, quando o direito resultante do título executivo lhe for transferido por ato entre vivos."
Ademais, também se refuta a falta de notificação da cessão ao devedor, porque isso não compromete a validade da cessão, mas, no máximo, serviria para dispensar o devedor não notificado de ter de pagar novamente ao credor-cessionário.
Nesse entendimento, a jurisprudência desta Corte Superior já afirmou que: "se a falta de comunicação da cessão do crédito não afasta a exigibilidade da dívida, basta a citação do devedor na ação de cobrança ajuizada pelo credor-cessionário para atender ao comando do art. 290 do Código Civil, que é a de 'dar ciência' ao devedor do negócio, por meio de 'escrito público ou particular. A partir da citação, o devedor toma ciência inequívoca da cessão de crédito e, por conseguinte, a quem deve pagar. Assim, a citação revela-se suficiente para cumprir a exigência de cientificar o devedor da transferência do crédito'". (EAREsp 1125139/PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 06/10/2021, DJe 17/12/2021).
No caso, o contrato foi firmado exclusivamente com a sócia-majoritária - atuante em momento anterior ao seu ingresso na sociedade de advocacia -, e dele o escritório não figurou, de forma expressa, no contrato e nas procurações ou substabelecimentos juntados. Destaca-se, ainda, que se tratava de título extrajudicial, no qual não se poderia admitir que a legitimidade ativa da parte credora decorresse de presunções, especialmente após a análise de documentos que não guardavam relação com o título executado. Por conseguinte, pelo conjunto de elementos e circunstâncias, houve expressa cessão do crédito por parte da advogada em favor da sociedade em que passou a integrar. Logo, tornando-se a nova credora, é patente a legitimidade derivada da sociedade.
Assim, não se observaram impedimentos para que a sociedade procedesse a cobrança, porquanto na prática assumiu a condição de nova credora. A eventual discordância ou oposição do devedor relativamente à cessão tem-se por irrelevante, pois ele não é parte na cessão de crédito.
REsp 1.888.428-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/06/2022, DJe 24/06/2022.
DIREITO EMPRESARIAL
Operadora de plano de saúde. Cooperativa de trabalho médico. Autodissolução. Efeitos da liquidação extrajudicial. Suspensão pelo prazo de 1 (um) ano. Prorrogação por igual período. Aprovação por assembleia-geral. Demandas em fase de execução. Ativos garantidores. Penhora prévia. Irrelevância. Necessidade de sustação do feito.
A sustação de quaisquer ações judiciais ajuizadas contra a entidade cooperativa é decorrência da publicação da ata da Assembleia-Geral que deliberou pela sua liquidação extrajudicial, pelo prazo de 1 (um) ano, prorrogável por igual período, sendo vedadas diversas prorrogações sucessivas, haja vista que a suspensão da ação judicial não pode perdurar por prazo indeterminado.
A questão controvertida é definir se os efeitos da liquidação extrajudicial aprovada pela própria cooperativa (no caso, cooperativa de trabalho médico) são capazes de atingir penhora de valores realizada em cumprimento de sentença em data anterior ao ato assemblear que optou pela autodissolução da sociedade.
De início, cumpre asseverar que as cooperativas são sociedades de pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.
Nas cooperativas de trabalho, como a de médicos, a produção (ou o oferecimento de serviço) é realizada em conjunto pelos associados, sob a proteção da própria cooperativa.
Assim, a cooperativa coloca à disposição do mercado a força de trabalho, cujo produto da venda - após a dedução de despesas - é distribuído, por equidade, aos associados, ou seja, cada um receberá proporcionalmente ao trabalho efetuado (número de consultas, complexidade do tratamento, entre outros parâmetros).
Essas cooperativas têm como finalidade melhorar os salários e as condições de trabalho pessoal de seus associados, dispensando, mediante ajuda mútua, a intervenção de um patrão ou empresário, procurando sempre o justo preço, visto que a entidade não busca o lucro: a sobra apurada em suas operações é distribuída em função do montante operacional de cada associado. Nesse contexto, dadas as peculiaridades do sistema cooperativo, de índole mais social, há regras que lhe são intrínsecas, a exemplo da liquidação extrajudicial voluntária (art. 63, I, da Lei n. 5.764/1971) e dos seus efeitos.
Depreende-se que, na autodissolução da sociedade cooperativa, é decorrência da publicação da ata da Assembleia-Geral que deliberou pela sua liquidação extrajudicial a sustação de quaisquer ações judiciais ajuizadas contra a entidade, pelo prazo de 1 (um) ano, prorrogável por igual período, na existência de motivo relevante, mediante nova decisão assemblear.
O Supremo Tribunal Federal já reconheceu a constitucionalidade de tal dispositivo legal ao asseverar que "A suspensão das ações contra a cooperativa, em liquidação extrajudicial, pelo prazo de um ano, não importa em ofensa ao art. 5º, XXXV, da Constituição" (RE nº 232.098 AgR/PR, Rel. Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 26/8/2005).
Com efeito, a finalidade da norma que estipula a suspensão geral das ações propostas contra a cooperativa em liquidação extrajudicial é a de preservar a integridade do sistema cooperativo, porquanto permite à sociedade em dificuldades certo prazo para que se recupere economicamente, de modo a adimplir suas dívidas. É um período para o ajuste de contas do ente, minimizando eventuais prejuízos decorrentes da sua dissolução.
Ressalta-se que, em se tratando de cooperativa de trabalho médico, que também constitua operadora de plano de saúde, aplicam-se ainda, quanto ao processo de liquidação extrajudicial, o art. 24-D da Lei nº 9.656/1998 e a RN-ANS n. 522/2022 (antiga RN-ANS n. 316/2012), os quais permitem, de forma semelhante, a suspensão das ações e execuções já iniciadas quando da decretação do ato de dissolução.
Ademais, o art. 17, § 2º, da RN-ANS n. 522/2022 (antiga RN-ANS n. 316/2012) vai ao encontro da Lei das Sociedades Cooperativas, visto que permite a decretação da liquidação extrajudicial, "(...) a requerimento dos administradores da operadora, quando autorizados pelos estatutos ou por deliberação em assembleia geral extraordinária, expostos de forma circunstanciada os motivos justificadores da medida".
No caso, houve apenas a primeira prorrogação da suspensão da demanda, em fase de cumprimento de sentença. Por outro lado, o fato de a penhora de ativos ter se efetivado em data anterior à publicação da ata da Assembleia-Geral que deliberou pela autodissolução da cooperativa não é capaz de afastar a irradiação dos efeitos suspensivos oriundos da liquidação extrajudicial, pois decorrem da própria lei, devendo-se aguardar a fluência do prazo para o feito ter regular prosseguimento, com eventual levantamento de valores.
HC 711.194-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 21/06/2022, DJe 27/06/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Não há um tempo pré-estabelecido fixamente para a duração da medida coercitiva atípica, que deve perdurar por tempo suficiente para dobrar a renitência do devedor.
As medidas executivas atípicas, sobretudo as coercitivas, não são penalidades judiciais impostas ao devedor, pois, se assim fossem, implicariam obrigatoriamente em quitação da dívida após o cumprimento da referida pena, o que não ocorre.
Por esse motivo, é correto dizer que essas medidas também não representam uma superação do dogma da patrimonialidade da execução, uma vez que são os bens - e apenas os bens - do devedor que respondem pelas suas dívidas. Não se deve confundir, todavia, patrimonialidade da execução com a possibilidade de imposição de restrições pessoais como método para dobrar a recalcitrância do devedor.
De fato, essas medidas devem ser deferidas e mantidas enquanto conseguirem operar, sobre o devedor, restrições pessoais capazes de incomodar e suficientes para tirá-lo da zona de conforto, especialmente no que se refere aos seus deleites, aos seus banquetes, aos seus prazeres e aos seus luxos, todos bancados pelos credores.
A limitação temporal das medidas coercitivas atípicas, a propósito, é questão inédita nesta Corte, pois os precedentes até aqui examinados se circunscreveram aos pressupostos para deferimento de medidas dessa natureza, mas não às hipóteses de manutenção e de verificação de efetividade após o transcurso de determinado período.
Feitas estas considerações. é correto afirmar que não há uma formula mágica e nem deve haver um tempo pré-estabelecido fixamente para a duração de uma medida coercitiva, que deve perdurar, pois, pelo tempo suficiente para dobrar a renitência do devedor, de modo a efetivamente convencê-lo de que é mais vantajoso adimplir a obrigação do que, por exemplo, não poder realizar viagens internacionais.
No que tange ao bloqueio de passaporte, observa-se o peculiar e injustificado interesse que os devedores que afirmam estar em situação de miserabilidade, de insolvência ou de qualquer modo impossibilitados de adimplir as suas dívidas, possuem especificamente na posse desse documento.
Isso porque ou bem o devedor realmente se encontra em situação de penúria financeira e não reúne condições de satisfazer a dívida (e, nessa hipótese, a suspensão do passaporte será duplamente inócua, como técnica coercitiva e porque o documento apenas ficará sob a posse do devedor no Brasil, diante da impossibilidade de custear viagens internacionais) ou o devedor está realmente ocultando patrimônio e terá revogada a suspensão tão logo quite as suas dívidas.
REsp 1.325.938-SE, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/08/2022, DJe 31/08/2022.
DIREITO CIVIL
A divulgação de notícia ou crítica acerca de atos ou decisões do Poder Público, ou de comportamento de seus agentes, não configuram, a princípio, abuso no exercício da liberdade de imprensa, desde que não se refiram a núcleo essencial de intimidade e de vida privada da pessoa.
Esta Corte Superior estabeleceu, para situações de conflito entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade, entre outros, os seguintes elementos de ponderação: "(I) o compromisso ético com a informação verossímil; (II) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e (III) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi)" (REsp 801.109/DF, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 12/03/2013).
Em princípio, a publicação de matéria jornalística que narra fatos verídicos ou verossímeis não caracteriza hipótese de responsabilidade civil, ainda que apresentando opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se tratar de figura pública que exerça atividade tipicamente estatal, gerindo interesses da coletividade, e que se refira a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada.
A liberdade de expressão, nessas hipóteses, é prevalente, atraindo verdadeira excludente anímica, a afastar o intuito doloso de ofender a honra da pessoa a que se refere a reportagem.
Contudo, a análise acerca da ocorrência de abuso no exercício da liberdade de expressão, a ensejar reparação por dano moral, deve ser feita em cada caso concreto, mormente quando a pessoa envolvida for investida de autoridade pública, pois, em tese, sopesados os valores em conflito, é recomendável que se dê primazia à liberdade de informação e de crítica, como decorrência da vida em um Estado Democrático.
Em observância à situação fática do processo em epígrafe, a reportagem baseou-se em relatos do superintendente da Polícia Civil do Estado, acerca da deflagração de operação que investigava pessoas envolvidas com o jogo do bicho em determinado Estado, citando a atuação da autora no exercício de seu cargo público (magistrada), tendo o Tribunal local consignado expressamente que "a intenção de narrar o ocorrido esteve presente durante toda a redação do texto".
Nesse prisma, tem-se que a matéria jornalística relacionou-se a fatos de interesse da coletividade, os quais dizem respeito diretamente com atos da magistrada enquanto autoridade pública.
Assim, verifica-se que, em que pese o tom ácido da referida reportagem, com o emprego de expressões como "aberração jurídica" e "descalabro", as críticas estão inseridas no âmbito da matéria jornalística de cunho informativo, baseada em levantamentos de fatos de interesse público, sem adentrar a intimidade e a vida privada da recorrida, o que significa que não extrapola claramente o direito de crítica, principalmente porque exercida em relação a caso que ostenta gravidade e ampla repercussão e interesse social.
Desse modo, quando não ficar caracterizado o abuso ofensivo na crítica exercida pela parte no exercício da liberdade de expressão jornalística, deve-se afastar o dever de indenização, por força da "imperiosa cláusula de modicidade" subjacente a que alude a eg. Suprema Corte no julgamento da ADPF 130/DF.
EDcl no REsp 1.851.692-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 24/05/2022, DJe 09/09/2022.
DIREITO FALIMENTAR
O credor que optar por não se habilitar na recuperação judicial sofrerá os seus respectivos efeitos, caso em que o crédito será considerado novado e o credor deverá recebê-lo em conformidade com o previsto no plano, ainda que em execução posterior ao encerramento da recuperação judicial.
O titular do crédito não incluído no plano recuperacional possui a prerrogativa de decidir entre habilitá-lo como retardatário, simplesmente não cobrar o crédito ou promover a execução individual (ou o cumprimento de sentença) após o encerramento da recuperação judicial, com a sujeição do seu crédito aos efeitos do plano aprovado e homologado (mediante a novação).
A lei é imperativa ao dispor que "estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos" (art. 49), e, da mesma forma, que "o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei" (art. 59).
De acordo com a doutrina, entre os princípios da lei de regência está o da participação ativa dos credores. Com a maior participação dos credores, os resultados obtidos nos processos judiciais de falência e de recuperação são muito mais adequados às soluções de mercado, evitando-se, também, a ocorrência de fraudes na execução do plano. Sem mencionar que haverá mais democracia no processo decisório, sobretudo quanto ao destino da empresa em dificuldade.
Para que se alcance uma negociação efetiva dos credores com a devedora, por meio de um acordo global capaz de viabilizar a reestruturação, é preciso conceber um ambiente que paralise a ação dos credores resistentes ao acordo coletivo, os quais almejam prosseguir com a realização individual dos seus créditos desconsiderando os demais (os chamados hold outs), e, por outro lado, que haja uma estrutura de incentivos para que os credores participem, efetivamente, da recuperação judicial. Apesar de ser prerrogativa do credor, a habilitação também é um ônus para ele.
Assim, seria contraditório, por um lado, reconhecer que a norma incentiva a participação do credor na recuperação judicial com a habilitação de seu crédito, ainda que de forma retardatária (apesar das consequências), e, por outro lado, em relação ao credor reticente, que não participa da recuperação e almeja o recebimento "por fora" do seu crédito, não prever o mesmo ordenamento nenhum tipo de repercussão negativa, a não ser aguardar o prazo de encerramento da recuperação judicial (LFRE, art. 61, c/c o art. 63). Premiaria o credor resistente à participação na recuperação judicial e, pior, acarretaria o esvaziamento da própria recuperação.
Com relação as consequências materiais e processuais decorrentes da escolha do credor em não se habilitar.
Se o credor não estiver habilitado, perderá a legitimidade para votar em assembleia, privando-se de seus direitos políticos, e correrá contra ele a prescrição, além do fato de que estará abrindo mão do direito de receber o seu crédito no âmbito da recuperação judicial, durante o período de fiscalização judicial, com a possibilidade de requerer a sua convolação em falência no caso de descumprimento (LREF, art. 61, § 1º, c/c o art. 73, IV).
Por fim, o credor que não tenha sido incluído no plano e que tenha optado por não se habilitar de forma retardatária, sem interesse em participar do conclave pela execução individual, deverá aguardar o encerramento da recuperação judicial (LREF, art. 63), assumindo todas as consequências jurídicas (processuais e materiais) de sua escolha.
AREsp 1.832.357-DF, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. Acd. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 23/08/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Configura violação à coisa julgada o imediato cumprimento de sentença, quando o título judicial transitado em julgado determina a apuração dos danos materiais sofridos pela parte em liquidação de sentença e esta não apresenta documentação apta a comprovar a liquidez da dívida.
Na espécie, o Tribunal de origem acolheu a tese de que a indenização por danos materiais fixados pelo título executivo judicial deve incluir o valor dos tributos não recolhidos e descritos na certidão positiva de débitos expedida pela Secretaria da Fazenda do Distrito Federal.
Sustenta-se que, ao assim decidir, ter-se-ia configurado ofensa à coisa julgada em relação ao parâmetro estabelecido no título judicial, pois os danos materiais deveriam ser apurados em liquidação, onde seriam verificados os prejuízos suportados pela parte adversa, decorrentes do não recolhimento dos tributos exigidos, sem estabelecer que deveria ser pago à própria exequente o valor da dívida pendente perante o fisco.
Observo que os danos materiais em valor equivalente aos efetivos prejuízos suportados pela ora agravada (critério adotado pelo título judicial), poderiam ser representados pelo montante do débito tributário exigido pela Secretaria da Receita do Distrito Federal, desde que a exequente tivesse comprovado a quitação dessa dívida, fato, todavia, sequer alegado e muito menos comprovado no pedido de cumprimento de sentença.
Ademais, outros elementos estariam aptos a demonstrar eventuais prejuízos suportados pela exequente, passíveis de comprovação na fase de liquidação de sentença, abarcados no título exequendo. Figuro alguns possíveis exemplos: quantias por ela pagas a advogado com a finalidade de patrocinar sua defesa no procedimento administrativo fiscal no qual foram identificados os débitos tributários; despesas para defesa em executivos fiscais, ou outras despesas por ela efetivadas ou prejuízos sofridos em decorrência do não recolhimento dos tributos. Essa comprovação, acerca de quais teriam sido os danos materiais causados à autora pelo não recolhimento dos tributos lançados em nome da empresa individual de sua propriedade após a assunção do negócio, foi remetida pelo título judicial exequendo à fase de liquidação de sentença.
Com efeito, se a dívida fiscal não foi paga, sendo credor o fisco, o título judicial exequendo, ao estabelecer que os "valores correspondentes a débitos tributários, lançados após a assinatura do contrato, devem ser suportados pela requerida", naturalmente significa que devem ser pagos pela ré à Fazenda credora. À autora da ação, deve ser pago, a título de indenização, a ser apurada em liquidação de sentença, o valor correspondente aos danos materiais que sofreu decorrente do ato ilícito perpetrado pela requerida após a assinatura do contrato ao não recolher os tributos devidos.
O título exequendo não determinou o pagamento à autora da dívida tributária da qual é credor o fisco, interpretação essa, desprovida de razoabilidade.
A condenação imposta a título de danos materiais foi de indenização dos prejuízos causados à autora decorrentes do não recolhimento dos tributos devidos após a assunção do negócio. Se a autora, confessadamente, não recolheu os tributos, naturalmente o dano material por ela sofrido não pode corresponder ao valor dos tributos.
A despeito da obscuridade e da redação tortuosa do acórdão recorrido, a ofensa ao art. 502 do CPC é manifesta e deve conduzir, de pronto, ao integral provimento do recurso, para a reforma do acórdão recorrido, facultado à autora requer liquidação por artigos na qual demonstre e comprove os efetivos danos materiais (decréscimo em seu patrimônio) em decorrência do não recolhimento dos tributos mencionados no dispositivo do acórdão exequendo.
HC 742.879-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 13/09/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO FALIMENTAR
É cabível a medida coercitiva atípica de apreensão de passaportes, em sede de processo de falência, quando constatados fortes indícios de ocultação de patrimônio.
Cinge-se a controvérsia a determinar a possibilidade de utilizar-se medidas executivas atípicas, apreensão de passaporte, em processo de falência como medida coercitiva destinada a compelir o falido a cumprir com sua obrigação de saldar o passivo concursal.
Dentre os efeitos da sentença declaratória da falência, destaca-se a designação do administrador judicial, a quem a lei impõe o dever de praticar os atos necessários à realização do ativo e ao pagamento dos credores, nos termos do art. 99, IX, c/c art. 22, III, "i", da Lei n. 11.101/2005.
Concomitantemente, desde o momento da decretação da falência, o falido perde o direito de administrar os seus bens e deles dispor, por força do art. 103, caput, da Lei n. 11.101/2005.
Assim, considerando que a falência se caracteriza como um processo de execução coletiva decretado judicialmente, devendo o patrimônio do falido estar comprometido exclusivamente com o pagamento da massa falida, tem-se possível a aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015, de forma subsidiária, observando o disposto no art. 189 da Lei n. 11.101/2005.
Referido artigo do CPC/2015 prevê a possibilidade do juízo utilizar medidas executivas atípicas quando a busca persistente de bens do devedor não descortina patrimônio sujeito à execução, mas o comportamento social do executado evidencia incompatibilidade desse dado com a realidade, tais como: sinais de solvência em ambientes e em redes sociais ou públicos, em oposição à indisponibilidade patrimonial alegada e aparentada no processo.
Existem alguns limites materiais que vêm sendo construídos para orientar a aplicação dos meios atípicos. Um deles é a necessidade de prévio exaurimento dos meios típicos ou subsidiariedade dos meios atípicos. Não obstante isso, a imposição de prévio exaurimento da via típica é exigência que pode ser relativizada em alguns casos. É o que deve ocorrer quando o comportamento processual da parte, em qualquer das fases do processo, descortina a sua propensão à deslealdade ou à desordem.
A boa-fé objetiva é princípio cuja inobservância deve implicar não apenas sanções processuais, como a prevista no caso de conduta atentatória à dignidade da justiça (CPC, art. 774). O descumprimento do princípio, para além da sanção punitiva, deve irradiar efeitos jurídicos para repelir as consequências da atuação maliciosa. Diagnosticando o atuar processualmente desleal, deve o juiz se utilizar de meios capazes de imediatamente fazer cessar ou, ao menos, remediar a nocividade da conduta. Logo, diante de um comportamento infringente à boa-fé objetiva, passa o juiz a desfrutar da possibilidade de utilizar-se de meios executivos atípicos antes mesmo de exaurida a via típica.
Outros limites apresentados à aplicação dos meios atípicos são a observância do contraditório prévio - salvo quando puder frustrar os efeitos da medida - e a exigência de fundamentação adequada, garantias do devido processo legal.
Destarte, demonstradas a conduta processualmente temerária do falido, a consistente fundamentação da decisão e a observância do contraditório prévio, não configura constrangimento ilegal a apreensão e retenção de passaportes.
HC 746.737-DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 06/09/2022, DJe 12/09/2022.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Não tendo havido imputação de crime eleitoral ou a ocorrência de conexão de delito comum com delito eleitoral, não se justifica o encaminhamento do feito à Justiça Eleitoral.
O núcleo da controvérsia consiste na identificação do Juízo competente para o julgamento do crime descrito no art. 312, §1º, c/c art. 327, § 2º, ambos do Código Penal - CP (peculato-furto majorado) imputado ao paciente.
A leitura das decisões proferidas pelas instâncias ordinárias revela que não foram imputados crimes eleitorais ao paciente. A menção, na denúncia, ao propósito eleitoreiro é circunstância adjeta, caracterizadora de mero proveito da conduta típica. Elemento subjetivo do tipo penal do peculato-furto é o dolo, que se aperfeiçoa independente da finalidade específica ou do objetivo remoto da conduta. Dessa forma, em análise tipológica, os interesses político-eleitorais envolvidos no peculato são írritos para fins de definição de competência da Justiça Eleitoral.
A jurisprudência do STJ, na linha da orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal - STF no julgamento do Inquérito 4.435/DF, tem reconhecido a competência da Justiça Eleitoral quando denúncias narram a utilização de dinheiro de origem criminosa em campanha, mediante falsidade ideológica eleitoral, conduta tipificada no art. 350 do Código Eleitoral. Contudo, na singularidade do caso concreto, não há notícias de que o paciente tenha utilizado qualquer numerário oriundo de fontes ilícitas para sua campanha eleitoral, tendo havido, somente, imputação e condenação pela prática de desvio de computadores doados para estudantes carentes, conduta que se amolda ao crime de peculato majorado, mas que não se encontra descrita como crime eleitoral. Além disso, não há notícias de qualquer delito eleitoral possivelmente conexo, em tese praticado pelo paciente, que pudesse justificar o deslocamento da competência para a Justiça Especializada.
Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 16/08/2022, DJe 30/08/2022.
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Ato infracional análogo ao crime de homicídio qualificado, ocultação de cadáver e furto. Extinção de medida socioeducativa pelo juízo das execuções. Decisão cassada em segunda instância sob o fundamento de gravidade abstrata do ato infracional. Impossibilidade. Ausência de unidades de internação para o regime de semiliberdade. Manutenção da internação de Adolescente em regime de execução mais gravoso que o devido. Descabimento.
A gravidade do ato infracional cometido, dissociada de elementos concretos colhidos no curso da execução da medida socioeducativa, não é fundamento suficiente para, por si, justificar a manutenção de adolescente em internação.
De início, assevera-se que "[n]a esfera da Lei n. 8.069/1990, as medidas socioeducativas aplicadas em resposta a ato infracional cometido por adolescente possuem o objetivo de responsabilização quanto às consequências lesivas do ato, a integração social e garantia de seus direitos individuais e sociais, bem como a desaprovação da conduta infracional (art. 1.º, § 2.º, incisos I, II e III, da Lei n. 12.594/2012 - SINASE)" (REsp 1.916.596/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 27/04/2021, DJe 04/05/2021).
No caso, o tribunal de origem restabeleceu a medida de internação com base na gravidade dos atos infracionais - homicídio qualificado, ocultação de cadáver e furto qualificado -, deixando de apontar circunstâncias concretas, ocorridas no curso da execução da medida socioeducativa, que demonstrassem a necessidade de manutenção da medida por tempo maior, conforme preceitua o art. 46, inciso, II, da Lei n. 12.594/2012.
De outro lado, observa-se que o Juízo das Execuções explicita que "na grande Florianópolis não há unidades de internação para o regime de semiliberdade, o que resulta que as medidas em meio fechado aplicadas, são sempre internação. Assim, não vejo como não aplicar tais dispositivos aos adolescentes que se encontram em regime de internação, que já alcançaram os requisitos acordados para concessão de suas saídas temporárias".
Desse modo, a manutenção da internação do adolescente implicaria sua manutenção em regime de execução mais gravoso que o devido, tendo em vista a incapacidade do aparato estatal em oferecer condições para a progressão à semiliberdade e ao gozo das saídas temporárias. De fato, a finalidade principal da aplicação das medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente não é retributiva, mas reeducativa, com vistas à proteção integral do adolescente.
AgRg no REsp 1.945.790-MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 13/09/2022.
DIREITO PENAL
É proporcional a aplicação da fração máxima de 2/3 na hipótese de a conduta criminosa corresponder a 7 ou mais infrações em continuidade delitiva.
A jurisprudência do STJ entende que "a fração a ser aplicada a título de continuidade delitiva deve ser proporcional ao número de infrações cometidas, sendo aplicada a fração máxima de 2/3 no caso de 7 ou mais infrações." (AgRg no AREsp n. 2.067.269/SP, Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe de 5/8/2022).
No caso, a defesa do acusado sustentou pedido de redução da fração decorrente do reconhecimento da continuidade delitiva. Contudo, as condutas criminosas foram praticadas por 15 vezes, demonstrando fundamento suficiente para aplicar o aumento do crime continuado no patamar adotado de 2/3.
Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 13/09/2022.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
A mera referência à legalidade da interceptação telefônica, com exclusiva intenção de justificar a imposição de outra medida cautelar, não significa que tenha havido a sua validação pelo STJ.
Na origem, o Tribunal, ao reformar a sentença que havia extinguido o processo em razão da declaração de nulidade das decisões que prorrogaram a medida de interceptação telefônica, declinou, como único fundamento, a anterior chancela que o Superior Tribunal de Justiça teria conferido aos referidos atos decisórios.
A presente ação penal, cuja investigação se iniciou perante o Tribunal Regional Federal, em determinado momento, foi remetida para esta Corte em razão da existência de investigado com prerrogativa de foro. Nesta ocasião, insta consignar, as decisões impugnadas já haviam sido proferidas em segundo grau.
Ocorre que, ao contrário do que foi decidido, não houve por parte desta Corte a análise da fundamentação das decisões que prorrogaram a medida de interceptação telefônica. Este Tribunal Superior limitou-se a apontar, de passagem, a medida de interceptação telefônica como suporte probatório para a decretação de outra medida cautelar, a de busca e apreensão. Assim, a toda evidência, não houve o exame da fundamentação das decisões e, por conseguinte, de sua legitimidade.
Em suma, a mera referência à legalidade da medida, com exclusiva intenção de justificar a imposição de outra medida cautelar em âmbito de competência originária não significa que tenha havido a sua validação por esta Corte.
Do contrário, haveria indevido cerceamento à defesa dos acusados, que, não obstante tenham suscitado essa questão perante esta Corte, naquele instante, não tiveram seus argumentos examinados, justamente por ter sido o processo encaminhado para a instância de origem.
Portanto, não houve o exame das decisões pelo Superior Tribunal de Justiça, visto que ausente a análise do conteúdo das decisões e sua compatibilidade com o disposto no art. 5º da Lei n. 9.296/1996.
REsp 1.794.907-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 13/09/2022.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
No âmbito da audiência de inquirição de testemunhas, a ausência de contato prévio entre o réu e seu defensor dativo configura cerceamento de defesa.
É evidente o prejuízo do réu que, por falha no estado, tem cerceado o seu direito de comparecer ao depoimento das testemunhas arroladas pelo órgão acusador, ocasião onde foi representado por um advogado dativo com quem nunca tivera contato. Exigir que a defesa indique desde já os detalhes de um prejuízo é exigir a chamada "prova diabólica", tendo em vista que não há como a parte provar como o processo seguiria caso estivesse presente na audiência.
No caso, diante da responsabilidade exclusiva do Estado, a ausência do recorrido na audiência de inquirição de testemunhas, ante a impossibilidade de transporte de presos, não lhe pode ser imputada. Com efeito, não se pode permitir que o Estado seja ineficiente em cumprir com suas obrigações mínimas, como disponibilizar o recorrido para a audiência previamente marcada.
Ademais, a informação de que a ausência de contato prévio entre o recorrido e seu defensor inviabilizou que este tomasse conhecimento da versão do acusado e formulasse a defesa de forma adequada durante a audiência em que ouvidos os policiais, revela que ele não possuía conhecimento dos fatos, não podendo fazer nada numa audiência desta natureza, denotando, mais uma vez, o efetivo prejuízo sofrido pelo recorrido. Logo, tratando-se de nulidade absoluta insanável - podendo ser reconhecida e declarada a qualquer tempo, e estando inequivocamente demonstrado o prejuízo ao réu - é de ser declarada a nulidade do ato processual - no caso, a audiência.
AgRg no AREsp 2.021.072-RR, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 13/09/2022.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
É incabível a alegação de nulidade por ausência de intimação na hipótese em que novo causídico, ainda que sem juntada de mandato, omitiu-se em registrar seu efetivo patrocínio em ata de audiência e, sucessivamente, em novo prazo para alegações finais.
O art. 266 do CPP dispõe que "a constituição de defensor independerá de instrumento de mandato, se o acusado o indicar por ocasião do interrogatório". Isto é, é válida a constituição de defensor apud acta, independentemente da juntada de mandato, desde que haja o efetivo registro na ata de audiência. Outrossim, o STJ possui entendimento de que "a outorga de poderes a um novo patrono, sem reserva quanto aos do antigo advogado, revoga tacitamente o mandato anterior" (HC 441.103/PI, rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 26/02/2019).
Contudo, no caso, o Tribunal de origem afastou a alegação de nulidade em razão do réu ser patrocinado, efetiva e formalmente, por outro defensor - quando do interrogatório de uma das rés - e o presente advogado, a quem se alega terem sido outorgados poderes com exclusividade, não demandou registro expresso da alegada nulidade em ata, conforme disposto no art. 266 do CPP. Ademais, aberto novo prazo para a apresentação de alegações finais para o novo causídico, este optou por deixar transcorrer o prazo sem apresentar a peça, preferindo a interposição de agravo regimental para tentar obstar o prosseguimento do feito.
Logo, não há de se falar em nulidade, porquanto a Corte de origem atuou dentro da realidade fático-processual do momento, realizando a intimação dos efetivos defensores com poderes para tanto, e a atual defesa escolheu estratégia diversa que, a posteriori, não pode ser considerada prejudicada em razão de não ter alcançado os efeitos pretendidos.
HC 742.815-GO, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 23/08/2022, DJe 31/08/2022.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
O ato de dispensar uma sacola na rua ao notar a aproximação da guarnição, somado ao nervosismo demonstrado e à denúncia anônima pretérita de que o acusado estava praticando o crime de tráfico de drogas no local, indica a existência de fundada suspeita de que o recipiente contivesse substâncias entorpecentes e de que o réu estivesse na posse de mais objetos relacionados ao crime.
O art. 244 do Código de Processo Penal dispõe que "a busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar".
Em recente julgamento sobre o tema, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu, interpretando o referido dispositivo legal, alguns critérios para a realização de tal medida. Exige-se, nesse sentido, "a existência de fundada suspeita (justa causa) - baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto - de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência" (RHC 158.580/BA, Rel. Ministro Rogerio Schietti, Sexta Turma, julgado em 19/04/2022, DJe 25/4/2022).
No caso, a busca pessoal realizada no acusado não se baseou apenas em denúncia anônima. Além das informações recebidas pelos policiais a respeito da traficância no local onde estava o paciente, os agentes ressaltaram que ele demonstrou nervosismo e dispensou uma sacola no chão quando avistou a guarnição.
Com efeito, o ato de dispensar uma sacola na rua ao notar a aproximação da guarnição, somado ao nervosismo demonstrado pelo acusado e à denúncia anônima pretérita de que ele estava praticando o crime de tráfico de drogas no local, indica a existência de fundada suspeita de que o recipiente contivesse substâncias entorpecentes e de que o réu estivesse na posse de mais objetos relacionados ao crime.
Cabe frisar, aliás, que a apreensão das drogas não decorreu da revista pessoal do paciente, porquanto a sacola com tais objetos havia sido por ele dispensada em via pública anteriormente, de modo que não estava mais junto ao seu corpo.
Assim, os elementos indicados apontam que a busca pessoal foi precedida de fundada suspeita da posse de corpo de delito, de modo que, ao menos por ora, dentro dos limites de cognição possíveis do habeas corpus, não se constata ilegalidade patente que justifique o excepcional trancamento do processo.