REsp 1.905.573-MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 22/06/2022, DJe 03/08/2022. (Tema 1145)
DIREITO EMPRESARIAL, RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Exercício de atividade de forma empresarial. Prazo mínimo de dois anos do registro. Produtor rural. Pedido de recuperação judicial. Possibilidade. Relativização do tempo de registro. (Tema 1145)
Ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos, é facultado requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido recuperacional, independentemente do tempo de seu registro.
Inicialmente cumpre salientar, que as Turmas de direito privado do Superior Tribunal de Justiça possuem entendimento no sentido de que é possível o deferimento de pedido de recuperação judicial do produtor rural que exerça atividade rural de forma empresarial há mais de dois anos, ainda que esteja registrado na Junta Comercial por tempo inferior àquele biênio.
Com efeito, a recuperação judicial é instrumento jurisdicional de superação da crise econômico-financeira da atividade empresarial. Revela-se como artefato viabilizador do desenvolvimento econômico, social, cultural e ambiental, na medida em que promove a continuidade da atividade econômica da empresa com potencial de realização.
Não há dúvidas de que o valor a ser protegido pelo instituto é o da ordem econômica, não sendo raros os casos em que o interesse do empresário, individualmente considerado, é sacrificado em deferência à salvaguarda da empresa, enquanto unidade econômica de utilidade social.
Nesse caminho, o instituto da recuperação, em substituição à concordata, expande o conceito da empresa por um cenário exógeno, a partir de um novo paradigma: uma nova teoria da preservação da unidade produtiva, em razão da função social metaindividual, em que a eficiência econômica deixa de ser a primordial preocupação.
Concomitantemente, observa-se que o exercício profissional da atividade econômica é associado à habitualidade, à pessoalidade e à sua organização, bem como à forma como ela é praticada. Assim, a atividade empresária é aquela que promove a circulação de bens e serviços, com geração de receitas, passível de valoração econômica no mercado e apta a gerar lucros.
O Código Civil previu, em seu art. 967, a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis e, a partir dessa previsão, a doutrina pôs-se a investigar a natureza daquele ato, se constitutivo da condição de empresário ou se declaratório, uma vez que, na definição exposta no art. 966 o objeto de identificação eleito foi a atividade exercida desacompanhada da formalidade inscricional.
Há doutrinadores que sustentam que o registro apenas declara a condição de empresário individual, tornando-o regular, mas não o transforma em empresário. Esta Corte já afirmou a natureza declaratória atribuída ao registro efetivado pelo empresário na Junta Comercial.
Assim, nos termos da teoria da empresa, a qualidade de empresário rural também se verificará sempre que comprovado o exercício profissional da atividade econômica rural organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, independentemente da efetivação da inscrição na Junta Comercial.
O art. 48 da Lei n. 11.101/2005 anuncia as condições de admissibilidade do requerimento da recuperação judicial. Assim, quanto ao produtor rural, a condição de procedibilidade da recuperação judicial estará satisfeita sempre que realizado o registro na forma da lei e comprovada a exploração da atividade rural de forma empresarial por mais de dois anos.
No que diz respeito à "exploração da atividade rural de forma empresarial por mais de dois anos", entendem ambas as Turmas da Segunda Seção deste Superior Tribunal que, apesar da necessidade do registro antes do pedido de recuperação, não há, por parte da legislação, exigência de que o ato registral ocorra há dois anos da formalização do pedido.
Ademais, conforme elucida a doutrina, um período mínimo de exploração de atividade econômica por parte do requerente da recuperação judicial precisou ser estipulado, porque o legislador considerou não consolidada a importância da empresa que atua há menos de dois anos para economia local, regional ou nacional.
O argumento é coerente. A consolidação de uma empresa não ocorre do dia para a noite. A conquista da clientela, a fixação do ponto comercial e o desenvolvimento de técnica particular são fatores construídos com o tempo de atuação da empresa. O que a lei pretende, em verdade, é assegurar a utilização do instituto a empresas já consolidadas. A contrario sensu, uma vez comprovado, por quaisquer meios, o exercício consolidado da atividade pelo período determinado pela lei, atestada estará a relevância da empresa rural, qualificando-a, assim, ao deferimento do processamento da recuperação.
Destarte, o registro empresarial deve, sim, ser realizado antes da impetração da recuperação judicial (critério formal). Contudo, a comprovação da regularidade da atividade empresarial pelo biênio mínimo (art. 48 da Lei n. 11.101/2005) será aferida pela manutenção e continuidade do exercício profissional (critério material).
Cabe ainda salientar a publicação da Lei n. 14.112/2020, que alterou a Lei n. 11.101/2005, reformulando o sistema de insolvência empresarial brasileiro, com previsão orientada à regulamentação da situação do produtor rural.
Nesse passo, deve ser fixada tese do recurso repetitivo nos seguintes termos: "Ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos é facultado requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido recuperacional, independentemente do tempo de seu registro".
CC 179.846-DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 03/08/2022.
DIREITO ADMINISTRATIVO
Conflito negativo de competência. Primeira e Terceira Turmas do STJ. Concessionária de serviço de TV por assinatura. Normas previstas no Decreto Federal n. 6.523/2008 e na Portaria n. 2.014/2008. Adequada prestação de Serviço de Atendimento ao Consumidor - SAC. Descumprimento. Serviço de telecomunicações. Relação jurídica de direito público. Competência da Primeira Turma da Primeira Seção do STJ.
Compete às Turmas de Direito Público do STJ o julgamento de ação civil pública ajuizada por Órgão estadual que fiscaliza a implementação e a manutenção adequada do serviço gratuito SAC, por telefone, "lei do call center", e o prestador de serviço regulado pelo Poder Público federal - serviço de televisão por assinatura.
Busca-se compelir a prestadora de serviços de televisão por assinatura a dar cumprimento ao Decreto n. 6.523/2008 e à Portaria n. 2.014/2008 a fim de que preste adequadamente o Serviço de Atendimento ao Consumidor - SAC, nos termos destas normas regulamentadoras, que não são lei em sentido estrito (ADI n. 4118/RJ), mas atos administrativos normativos. Por oportuno, colhe-se a seguinte passagem doutrinária "a regulação (art. 174 da CRFB) não se confunde com a regulamentação (art. 84, IV, da CRFB). Enquanto a regulação representa uma função administrativa, processualizada e complexa, que compreende o exercício de função normativa, executiva e judicante, a regulamentação é caracterizada como função política, inerente ao chefe do Executivo, que envolve a edição de atos administrativos normativos (atos regulamentares), complementares à lei".
A delimitação da causa também não deixa de conter viés que envolve a observância da regulação do direito, pois se trata do exame de normas do SAC que incidem sobre a prestação de serviço regulado pelo Poder Público federal; e o serviço de televisão por assinatura, embora tenha regramento próprio previsto na Lei n. 12.485/2011, é serviço de telecomunicações que está sujeito ao Direito Regulatório (Lei n. 9.472/1997, art. 60, § 1º).
Assim, evidencia-se que a relação jurídica controvertida entre o Órgão estadual que fiscaliza a implementação e manutenção adequada do serviço gratuito SAC, por telefone, "lei do call center", e o prestador de serviço regulado pelo Poder Público federal - serviço de televisão por assinatura, que, na sua essência, é serviço de telecomunicações, possui contornos eminentemente públicos, quer sob a perspectiva do cumprimento de atos regulamentares específicos a disciplinar o Serviço de Atendimento ao Consumidor - SAC, quer sob a ótica da regulação do direito a serviço de telecomunicação (Lei n. 9.472/1997).
Em acréscimo, registra-se que a Corte Especial deste Tribunal Superior, na sessão de 16 de junho de 2021, examinou o Conflito de Competência interna n. 178.687, Relator Ministro Raul Araújo, no qual havia também controvérsia a respeito de ofensa à norma do Decreto n. 6.523/2008, diante do suposto descumprimento do dever de informar o número do SAC em cartões de crédito, oportunidade em que se fixou a competência da Primeira Turma , que compõe a Primeira Seção desta Corte, para processar e julgar o feito.
Conclui-se, portanto, que a controvérsia está contida no inciso XIV do § 1º do artigo 9º do Regimento Interno desta Corte Superior.
CC 182.897-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 01/08/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
A competência para julgamento de controvérsia que diz respeito a pretensão de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, que não ostenta índole administrativa, e reconvenção relacionado a devolução de adiantamentos realizados nesse mesmo acordo, entre empresas privadas, é das Turmas de Direito Privado.
Inicialmente, consigna-se que a competência interna, no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça, é fixada em razão da natureza da relação jurídica em litígio.
In casu, a controvérsia posta nos autos (pretensão de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato e reconvenção relacionado a devolução de adiantamentos realizados nesse mesmo acordo) tem origem em contrato celebrado entre companhia de energia elétrica e construtora, pessoa jurídica de direito privado, cujo objeto diz com a elaboração de projeto executivo e construção de unidades habitacionais nas áreas de reassentamento urbano na cidade de Altamira/PA, como compensação às famílias ribeirinhas que seriam afetadas pelo lago da usina de Belo Monte.
Tal pacto, surgiu da necessidade de cumprimento de obrigações assumidas pela companhia de energia elétrica decorrentes de concessão recebida do Poder Público relacionada à construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. Registra-se que a referida "(...) companhia é uma sociedade de propósito específico que tem por objeto social exclusivo a implantação, operação, manutenção e exploração da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (UHE Belo Monte), no Rio Xingu, localizada no Estado do Pará, e das Instalações de Transmissão de Interesse Restrito à Central Geradora (Empreendimento), assim como a condução de todas as demais atividades necessárias à consecução deste objeto" (art. 3º do seu Estatuto social), o que, a teor do que dispõe o art. 5º do Decreto 200/1967, afasta a natureza pública da entidade, ainda que entes públicos detenham parcela do seu capital social.
De outro lado, considera-se que, para a realização do reassentamento urbano, a companhia de energia elétrica, através de procedimento que resolveu chamar de "licitação", promoveu disputa entre empresas interessadas na construção das moradias, porém tal certame não se amolda ao conceito de licitação previsto no art. 37, caput e XXI, da CF/1988, já que não promovido por ente da Administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Tampouco poderia se cogitar da existência de contrato administrativo, na medida em que estabelecido entre empresas privadas, o acordo, tal como firmado, é regido por normas e princípios do direito privado.
Nesse contexto, a causa de pedir e os pedidos formulados na petição inicial evidenciam a natureza privada da relação jurídica estabelecida.
QO no AgInt na SLS 2.507-RJ, Rel. Min. Humberto Martins, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 15/06/2022, DJe 22/06/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Não é cabível a sustentação oral no agravo interno interposto contra decisão do Presidente do Tribunal que defere ou indefere a contracautela em suspensão de liminar de sentença ou suspensão de segurança.
A Lei n. 14.365/2022, entre outras alterações, acrescentou na Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia), em seu art. 7°, o § 2°-B, o qual confere ao advogado a prerrogativa de "realizar a sustentação oral no recurso interposto contra a decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer dos seguintes recursos ou ações", enumerando em seus incisos estas espécies de recursos e ações (apelação, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, embargos de divergência, ação rescisória, mandado de segurança, reclamação, habeas corpus e outras ações de competência originária).
Percebe-se dos destaques acima pontuados que o legislador deixou bem clara a hipótese fática de incidência da norma que garante a prerrogativa de sustentação oral: no processamento de recurso interposto contra decisão monocrática de relator lançada nos recursos ou ações enumeradas.
Ainda que aparentemente a nova alteração se amoldasse perfeitamente à hipótese do julgamento do agravo interno contra esta decisão, a verdade é que não há perfeita subsunção dos requisitos legais destacados. Isso ocorre porque, a despeito de haver decisão monocrática e recurso interposto contra esta, não se identifica na base processual em questão hipótese de recurso, tampouco de ação de competência originária.
A suspensão de segurança ou a suspensão de liminar e de sentença não são recursos. Sobre o assunto, aliás, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que tais instrumentos processuais não podem ser usados como sucedâneo recursal. Muito menos são hipóteses de ação de competência originária. Não existe uma nova lide (pretensão resistida) havida entre as partes. Cuida-se da análise de um efeito (lesão ou não à ordem pública em decisão lançada em lide já existente) da mesma lide que tramita ordinariamente. Ademais, do ponto de vista prático, se ação se tratasse, as partes necessariamente deveriam ser citadas, o que não ocorreu.
A suspensão de liminar e sentença é mero incidente processual utilizado em favor exclusivo do Poder Público, como forma de garantir a prevalência da ordem pública, da economia pública ou da saúde pública sobre interesses privados, quando preenchidos os requisitos legais, se naquela lide houver uma decisão que possa atingir o coletivo na forma preconizada em legislação própria.
Portanto, formalmente, a alteração legislativa em análise, ao conceder a prerrogativa da sustentação oral nos recursos interpostos contra decisões lançadas nos recursos listados na lei ou em ações de competência originária, exclui a extensão da possibilidade para os recursos manejados contra decisão monocrática nos incidentes de suspensão.
Ademais, existe uma incompatibilidade ontológica, que vai além de uma posição puramente formalista, baseada na natureza jurídica dos incidentes de suspensão, ou até mesmo baseada em uma interpretação com viés de política administrativa de organização de julgamentos em segundo grau. Por se tratar de um mero incidente processual em lide já existente, sem reflexo no julgamento da lide originária, a decisão lançada nos incidentes de suspensão não define a sorte da lide.
Deste modo, as decisões nesses incidentes não analisam o acerto da decisão impugnada, conforme entendimento também pacífico na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. Em verdade, os requisitos da suspensão são próprios e não guardam qualquer relação com o mérito da lide. Por isso, na lide originária, a questão seguirá sendo debatida e, eventualmente, poderá ser levada a julgamento no mesmo tribunal que apreciou a contracautela, mas desta vez pelos meios recursais próprios.
Rcl 42.409-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 22/06/2022, DJe 29/06/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Juizados Especiais da Fazenda Pública. Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei - PUIL. Art. 18 da Lei n. 12.153/2009. Divergência entre decisões proferidas por turmas recursais de diferentes estados. Turma recursal. Juízo prévio de admissibilidade. Descabimento. Usurpação de competência.
Não é possível a Turma Recursal nos Juizados Especiais da Fazenda Pública realizar juízo prévio de admissibilidade de Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (PUIL) a ser julgado pelo STJ.
De início, cumpre destacar que a Lei n. 12.153/2009, que trata dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, disciplina um sistema próprio de uniformização jurisprudencial, mediante o denominado pedido de uniformização de interpretação de lei, o qual poderá ser processado e julgado tanto pelo Poder Judiciário local quanto pelo Superior Tribunal de Justiça, a depender da divergência apontada.
Se instaurada entre acórdãos de Turmas Recursais de um mesmo Estado, o pedido será apreciado pela reunião dessas Turmas Recursais, sob a presidência de um desembargador indicado pelo Tribunal de Justiça (art. 18, § 1º); se instaurada entre acórdãos de Turmas Recursais de diferentes Estados ou quando o acórdão recorrido estiver em desacordo com súmula do STJ, a este caberá decidir (art. 18, § 3º).
Esta, na hipótese de o STJ decidir a reclamação, não prevê juízo prévio de admissibilidade pela turma recursal, cabendo-lhe apenas processar o pedido, intimar a parte recorrida para responder ao reclamo e, depois disso, remeter os autos ao STJ.
No caso, o Incidente de Uniformização de Interpretação de Lei não foi admitido por Turma Recursal da Fazenda Pública dos Juizados Especiais Estadual sob o fundamento de que a matéria não era reiterada. Assim, fica evidenciada a usurpação da competência do STJ, ante a imposição de óbice indevido ao trâmite do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei.
AREsp 1.369.724-AL, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 02/08/2022.
DIREITO CIVIL, DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Nas demandas envolvendo valores relacionados ao FUNDEF/FUNDEB, é possível a utilização dos juros moratórios dos precatórios para pagamento dos honorários contratuais, ante a natureza autônoma dos juros em relação à verba principal.
A controvérsia diz respeito à possibilidade do pagamento dos honorários contratuais com a verba dos precatórios já depositados, nas causas judiciais envolvendo verbas do FUNDEF/FUNDEB.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADPF n. 528, vedou o pagamento de honorários advocatícios contratuais com recursos alocados no FUNDEF/FUNDEB, embora tenha ressalvado o pagamento de honorários advocatícios contratuais valendo-se da verba correspondente aos juros de mora incidentes sobre o valor do precatório devido pela União em ações propostas em favor dos Estados e dos Municípios.
Isso porque "a vinculação constitucional em questão não se aplica aos encargos moratórios que podem servir ao pagamento de honorários advocatícios contratuais devidamente ajustados, pois conforme decidido por essa Corte, 'os juros de mora legais têm natureza jurídica autônoma em relação à natureza jurídica da verba em atraso'" (RE n. 855.091 - Repercussão Geral, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 15/03/2021, DJe de 08/04/2021).
Nesse passo, evidencia-se que o STF superou parcialmente o entendimento pacificado no âmbito das duas Turmas que compõem a Primeira Seção, notadamente na possibilidade de utilização dos juros moratórios dos precatórios para pagamento dos honorários contratuais, à vista da natureza autônoma dos juros em relação à verba principal.
AgInt no AREsp 1.834.717-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 10/05/2022, DJe 19/05/2022.
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Honorários advocatícios de sucumbência. Fazenda Pública vencedora. Patrimônio da entidade estatal. Direito autônomo do procurador judicial. Inocorrência.
Os honorários advocatícios de sucumbência, quando vencedora a Fazenda Pública, integram o patrimônio da entidade estatal, não constituindo direito autônomo do procurador judicial.
Na hipótese, o agravante sustentou a violação ao artigo 1.022 do CPC/2015 sob o argumento de que a Corte de origem, ao concluir que os honorários de sucumbência integram o patrimônio da entidade pública, negou vigência ao § 19 do art. 85, do CPC/2015 e ao art. 23, da Lei n. 8.906/1994, tampouco aplicou o julgado do STF ADI n. 6053/DF, em que se reafirmou que a natureza constitucional dos serviços prestados pelos advogados públicos possibilita o recebimento da verba de honorários sucumbenciais.
Contudo, registra-se que o Tribunal a quo decidiu a controvérsia de modo integral e suficiente ao expressamente consignar que a Lei Municipal analisada é claríssima ao dispor que a verba dos honorários advocatícios é devida à Fazenda Municipal e, para que esta integre o patrimônio dos procuradores, seria necessária a existência de expressa destinação legal.
Assim, ao contrário do que afirmou o agravante, a jurisprudência consolidada do STJ é no sentido de que os "honorários advocatícios de sucumbência, quando vencedora a Fazenda Pública, integram o patrimônio da entidade estatal, não constituindo direito autônomo do procurador judicial, o que viabiliza sua compensação" (RCD no REsp 1861943/DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 05/10/2021, DJe 26/10/2021), e ainda prevalece nos recentes julgados desta Corte.
RMS 68.549-DF, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 02/08/2022.
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
É devido o pedido de complementação do crédito de natureza alimentícia, dotado de superpreferência, na forma dos arts. 100, § 2º, da CF/1988 e 102, § 2º, do ADCT, com a adoção dos limites estabelecidos por lei local que majorou o teto para as obrigações de pequeno valor.
Na origem, a recorrente impetrou Mandado de Segurança contra ato do Juiz de Direito da Coordenadoria de Conciliação de Precatórios do Distrito Federal (COORPRE), consubstanciado no indeferimento do pedido de complementação do crédito de natureza alimentícia, dotado de superpreferência, na forma dos arts. 100, § 2º, da CF/1988 e 102, § 2º, do ADCT, com a adoção dos limites estabelecidos por lei local pela Lei Distrital n. 6.618, de 08/06/2020 - que majorou, de dez para vinte salários-mínimos -, o teto para as obrigações de pequeno valor, no âmbito do Distrito Federal.
A impetrante, idosa, recebeu, em 21/05/2020, o adiantamento do crédito alimentício preferencial, previsto no art. 102, § 2º, do ADCT, obedecido o teto de 50 (cinquenta) salários-mínimos, nos termos da Lei Distrital n. 3.624/2005, postulando a complementação de tal valor, obedecido o parâmetro do art. 102, § 2º, do ADCT c/c a Lei Distrital n. 6.618, de 08/06/2020, ou seja, 100 (cem) salários-mínimos, o que lhe foi negado, ao fundamento de que "a preferência constitucional só pode ser concedida em única oportunidade, de forma que o recebimento da importância remanescente deverá obedecer rigorosamente a lista cronológica de credores".
Sobre o tema, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que "não é possível que o mesmo credor possa ser beneficiado, mais de uma vez, em um mesmo precatório, com a antecipação de crédito dotado de 'super preferência', por motivos distintos - em razão da idade e de ser portador de doença grave -, com fundamento no art. 100, § 2°, da Constituição Federal, porquanto tal interpretação contraria o dispositivo constitucional" (STJ, RMS n. 59.661/RO, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 11/03/2019).
No entanto, o pleito era apenas a complementação dos valores anteriormente recebidos - com fundamento no mesmo motivo - ser maior de 60 anos - e nos exatos limites autorizados pelo art. 102, § 2°, do ADCT -, tendo em vista a posterior edição da Lei Distrital n. 6.618, de 08/06/2020, que majorou, de dez para vinte salários mínimos, o teto para as obrigações tidas como de pequeno valor, no âmbito do Distrito Federal.
Nesse contexto, o entendimento da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que é "possível que a credora seja beneficiada novamente com a antecipação de crédito dotado de superpreferência, porquanto se trata apenas de complementação do valor anteriormente recebido, com base no mesmo motivo - idade - e nos exatos limites autorizados pelo art. 102, § 2°, do ADCT, sem extrapolar o valor permitido" (STJ, RMS 61.180/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 11/10/2019).
REsp 1.664.465-PE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 02/08/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
O CPC/2015 não alterou a natureza jurídica do bloqueio de dinheiro via Bacen Jud, permanecendo a natureza acautelatória e a necessidade de comprovação dos requisitos para sua efetivação em momento anterior à citação.
Cinge-se a controvérsia a definir se o art. 854 do CPC/2015 representava evolução na percepção da natureza jurídica do bloqueio de dinheiro.
Dito de outro modo, centra-se a análise se tal instrumento - como medida preparatória à penhora - deixaria de possuir caráter acautelatório e passaria a representar mecanismo destinado a promover maior grau de celeridade e efetividade na prestação jurisdicional executiva. Isso dispensaria a demonstração do preenchimento dos requisitos concernentes ao fumus boni iuris e ao periculum in mora - seja porque, caso a intenção do executado fosse a de realizar o pagamento, após a citação, a efetivação do bloqueio não lhe causaria prejuízo, seja porque a nomeação de bens à penhora, assim como a penhora propriamente dita, deve recair prioritariamente sobre dinheiro (art. 11, I, da Lei 6.830/1980 e art. 835, I, do CPC/2015), exceto se o devedor comprovar, à luz do princípio da menor onerosidade, que a Execução deve prosseguir com a constrição sobre outros bens de menor liquidez.
No entanto, a jurisprudência das Turmas que compõem as Seções de Direito Público e Privado do STJ se firmou no sentido de que o novo Código de Processo Civil (CPC/2015) não alterou a natureza jurídica do bloqueio de dinheiro via Bacen Jud, permanecendo a natureza acautelatória e a necessidade de comprovação dos requisitos para sua efetivação em momento anterior à citação.
Nesse sentido, destaca-se que o Tribunal a quo concluiu pela impossibilidade de se proceder à constrição de ativos do executado antes da sua citação ou, ao menos, uma nova tentativa de realizá-la. O referido entendimento está em consonância com a jurisprudência desta Corte superior, que é sedimentada no sentido de que deve haver a citação do executado antes da determinação da penhora ou arresto de valores em seu nome. Isso porque devem ser respeitados os princípios da ampla defesa e do contraditório e o devido processo legal, bem como ser preservado o caráter acautelatório da medida.
Ademais, salienta-se que "a medida de bloqueio de dinheiro, via BACENJUD, à luz do CPC/2015, não perdeu a natureza acautelatória, sendo necessária, antes da citação do executado, a demonstração dos requisitos que autorizam a sua concessão" (AgInt no AREsp n. 1.467.775/GO, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 13/03/2020)".
REsp 1.811.718-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 02/08/2022, DJe 05/08/2022.
DIREITO CIVIL
Na hipótese de composse, a decisão judicial de reintegração de posse deverá atingir de modo uniforme todas as partes ocupantes do imóvel, configurando-se caso de litisconsórcio passivo necessário.
Cinge-se a controvérsia a definir se há vício na citação a ensejar o reconhecimento de nulidade do feito com a devolução do prazo para apresentação de defesa.
A citação é, em regra, pessoal, não podendo ser realizada em nome de terceira pessoa, salvo hipóteses legalmente previstas, como a de tentativa de ocultação (citação por hora certa), ou, ainda, por meio de edital, quando desconhecido ou incerto o citando.
Na hipótese de composse, a decisão judicial de reintegração de posse deverá atingir de modo uniforme todas as partes ocupantes do imóvel, configurando-se caso de litisconsórcio passivo necessário.
A ausência da citação de litisconsorte passivo necessário enseja a nulidade da sentença.
Na linha da jurisprudência desta Corte, o vício na citação caracteriza-se como vício transrescisório, que pode ser suscitado a qualquer tempo, inclusive após escoado o prazo para o ajuizamento da ação rescisória, mediante simples petição, por meio de ação declaratória de nulidade (querela nullitatis) ou impugnação ao cumprimento de sentença.
Processo em segredo judicial, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por maioria, julgado em 21/06/2022, DJe 30/06/2022.
DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Juízo de retratação. Direito ao esquecimento. Tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 786/STF). Acórdão da Terceira Turma do STJ. Ausência de determinação de exclusão da pesquisa. Determinação da desvinculação do nome da autora, sem qualquer outro termo, com a matéria desabonadora referente à fraude em concurso público. Preservação do conteúdo. Conciliação entre o direito individual à intimidade e à privacidade e o direito coletivo à informação. Juízo de retratação não exercido.
A determinação para que os provedores de busca na internet procedam a desvinculação do nome de determinada pessoa, sem qualquer outro termo empregado, com fato desabonador a seu respeito dos resultados de pesquisa não se confunde com o direito ao esquecimento, objeto da tese de repercussão geral 786/STF.
Trata-se de juízo de retratação, para os fins do art. 1.040, inciso II, do CPC/2015, em decorrência do julgamento do RE 1.010.606/RJ, cuja repercussão geral foi reconhecida e no qual o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese (Tema 786): É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais - especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral - e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível.
No acórdão proferido pela Terceira Turma do STJ, a autora ajuizou ação de obrigação de fazer, pleiteando a "desindexação", nos resultados das buscas mantidas pelas rés, de notícias relacionadas às suspeitas de fraude em concurso público. A autora alegou que a indexação desses conteúdos seria causa de danos à sua dignidade e privacidade e, assim, defendeu a necessária filtragem dos resultados de buscas que utilizem seu nome como parâmetro, a fim de desvinculá-la das mencionadas reportagens.
Da análise do inteiro teor desse decisum, verifica-se que a insurgência era restrita ao apontamento do nome da autora, como critério exclusivo e desvinculado de qualquer outro termo, e a exibição de fato desabonador divulgado há mais de dez anos entre as notícias mais relevantes, sendo que a manutenção desses resultados acabava por retroalimentar o sistema, uma vez que, ao realizar a busca pelo nome da autora e se deparar com a notícia, o cliente acessaria o conteúdo - até movido por curiosidade despertada em razão da exibição do link - reforçando, no sistema automatizado, a confirmação da relevância da página catalogada.
A Terceira Turma, portanto, não permitiu que a autora impedisse, em razão da passagem do tempo, a divulgação dos fatos relacionados à suposta fraude no concurso público, o que seria, na linha do acórdão proferido no recurso extraordinário supracitado, acolher o direito ao esquecimento.
Na verdade, a questão foi decidida sob o prisma dos direitos fundamentais à intimidade e à privacidade, bem como à proteção de dados pessoais, não sendo determinada a exclusão da pesquisa no banco de dados pertencentes às rés, havendo apenas a determinação da desvinculação do nome da autora, sem qualquer outro termo, com a matéria desabonadora referente à fraude no concurso. O conteúdo, portanto, foi preservado.
Em outras palavras, a Terceira Turma do STJ não determinou que os provedores de busca na internet retirassem o resultado acerca da fraude no concurso do índice de pesquisa, mas apenas determinou a sua desindexação, isto é, a desvinculação do nome da autora, sem qualquer outro termo empregado, com o fato relacionado à suposta fraude no concurso público, ocorrido há mais de uma década.
Esse fundamento, aliás, foi consignado expressamente na própria ementa do acórdão proferido por esta Corte Superior, onde constou que "o rompimento do referido vínculo sem a exclusão da notícia compatibiliza também os interesses individual do titular dos dados pessoais e coletivo de acesso à informação, na medida em que viabiliza a localização das notícias àqueles que direcionem sua pesquisa fornecendo argumentos de pesquisa relacionados ao fato noticiado, mas não àqueles que buscam exclusivamente pelos dados pessoais do indivíduo protegido".
No particular, vale destacar que o próprio Ministro Dias Toffoli, Relator do RE 1.010.606/RJ, que deu origem ao Tema 786/STF, afirmou categoricamente que o caso examinado pelo Supremo não tratava de eventual responsabilidade de provedores de internet em relação à indexação ou desindexação de conteúdos.
Em outras palavras, conforme ressaltado pelo Supremo Tribunal Federal, o direito à desindexação - que foi reconhecido por esta Terceira Turma - não se confunde com o direito ao esquecimento, objeto de análise no recurso extraordinário que deu origem à tese fixada no Tema 786/STF, razão pela qual não há que se falar em descumprimento da referida tese por esta Corte Superior.
REsp 1.956.817-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/06/2022, DJe 17/06/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
A propositura da ação revisional pelo devedor interrompe o prazo prescricional para o ajuizamento da ação executiva.
O Superior Tribunal de Justiça possui julgados tanto no sentido de que a propositura da ação revisional pelo devedor interrompe o prazo prescricional para o ajuizamento da ação executiva quanto no sentido diametralmente oposto, embora não tenha havido nenhuma alteração fundamental na legislação que rege a matéria.
No entanto, deve ser ressaltado que nos precedentes que afastam a interrupção do prazo prescricional, não houve propriamente um debate qualificado do tema no âmbito dos respectivos órgãos colegiados, haja vista todos os julgados serem oriundos de decisões monocráticas que foram mantidas após o julgamento dos agravos internos que as seguiram.
Adicionalmente, em todos eles, o fundamento que confere sustentação jurídica ao julgado se encontra lastreado na Súmula n. 380/STJ, cujo enunciado dispõe que "a simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor". Assim, como consequência dessa premissa, o credor poderia buscar a imediata satisfação do seu direito, o que afastaria a interrupção da prescrição.
Entretanto, esse silogismo reclama temperamento.
Como se sabe, a mora é um conceito que guarda relação com o descumprimento de uma obrigação, enquanto a prescrição diz respeito à inércia do credor na busca o seu direito.
Assim, ainda que se reconheça a existência de uma eventual correlação entre os dois institutos jurídicos, não se pode afirmar que o momento em que se verifica o inadimplemento obrigacional coincide, necessariamente, com o termo inicial da prescrição. Em outras palavras: a configuração da mora nem sempre induz à inércia do credor em relação à persecução do seu direito.
Como ilustração dessa afirmativa, pode-se lembrar, por exemplo, que "a jurisprudência do STJ entende que, em caso de responsabilidade civil decorrente de ato ilícito, o prazo prescricional começa a correr a partir da ciência do fato ensejador da reparação" (AgInt no REsp 1.759.188/DF, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe de 6/4/2021), muito embora se saiba que, "nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou" (art. 398 do Código Civil).
Não é a mora, portanto, o marco definitivo da fluência da prescrição. Por outro lado, a quebra da inércia do credor, na esteira da jurisprudência longamente lapidada no decorrer de décadas no âmbito desta Corte, pode ser caracterizada não só pela ação executiva, mas por qualquer outro meio que evidencie a defesa do crédito representado pelo título executivo.
Na jurisprudência do STJ, é antiga a compreensão de que "a citação interrompe a prescrição, dela não se podendo cogitar enquanto a ação pende de julgamento; esse efeito, todavia, só se produz em relação ao que foi objeto do pedido" (AR nº 384/PR, Rel. Ministro Ari Pargendler, Primeira Seção, julgado em 14/5/1997, DJ 1º/9/1997).
Quanto ao ponto, a doutrina ressalta que a prescrição é interrompida não apenas pela provocação judicial por parte do credor. Se o devedor ajuizar ação para questionar o débito, alegando nulidade ou redução do valor pretendido pelo credor, a demanda também terá o condão de interromper a prescrição.
Com efeito, uma vez tornada litigiosa "a coisa", os atos defensivos praticados no âmbito da demanda ajuizada pelo devedor afastam, de forma inexorável, a inércia do credor, não se justificando, nesse cenário, o decurso do prazo prescricional.
Consequentemente, o exercício do direito de ação por qualquer uma das partes interrompe a prescrição relativa à determinada pretensão, exatamente porque o ajuizamento de uma demanda, tanto pelo credor quanto pelo devedor, buscando ou impugnando precisamente o objeto da relação obrigacional, conduz à quebra da inércia que frustra a prescrição.
Além disso, deve ser ainda ponderada a possibilidade de o credor negociar, transigir ou reconhecer, total ou parcialmente, eventual excesso do crédito no âmbito da própria ação movida pelo devedor, o que poderia evitar a necessidade posterior da execução de um título que representa um mesmo objeto. Também não se pode olvidar que o reconhecimento da prescrição se opera em desfavor do titular do crédito.
Assim, a disposição contida no § 1º do art. 794 do CPC/2015 -"a propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução" - não pode ser interpretada no sentido de que a ação executiva seja a única forma de o credor demonstrar uma atitude ativa em relação à pretensão de receber o que lhe é devido, sob pena de impossibilitar uma saída alternativa para a lide, beneficiando-se, injustamente, o devedor.
Por último, deve se ter presente que é igualmente remansosa a compreensão de que o processo não pode ser uma armadilha para as partes, devendo ele ser entendido como um instrumento para dar efetividade ao direito material. Nesse sentido, a exegese que harmoniza o art. 794, § 1º, do CPC/2015 com o art. 202 do Código Civil é a que melhor se adequa a esse propósito, ampliando as possibilidades de o credor reaver o seu crédito, devendo prevalecer, portanto, o pioneiro entendimento no sentido de que a propositura da ação revisional pelo devedor interrompe o prazo prescricional para o ajuizamento da ação executiva.
REsp 1.993.772-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 07/06/2022, DJe 13/06/2022.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Rescisão e revisão contratual. Indenização por danos morais e materiais. Efeito expansivo subjetivo dos recursos. Art. 1.005 do Código de Processo Civil. Aplicabilidade às hipóteses de litisconsórcio unitário e às demais que justifiquem tratamento igualitário das partes.
A regra do art. 1.005 do CPC/2015 não se aplica apenas às hipóteses de litisconsórcio unitário, mas, também, a quaisquer outras hipóteses em que a ausência de tratamento igualitário entre as partes gere uma situação injustificável, insustentável ou aberrante.
O efeito expansivo subjetivo dos recursos decorre da previsão no art. 1.005 do CPC/2015 de que "o recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses".
Dispõe, ainda, o parágrafo único do referido dispositivo que "havendo solidariedade passiva, o recurso interposto por um devedor aproveitará aos outros quando as defesas opostas ao credor lhes forem comuns".
Como é cediço, há litisconsórcio quando duas ou mais pessoas litigam, no mesmo processo, em conjunto, em um dos polos da relação jurídica processual, nas hipóteses do art. 113 do CPC/2015.
A doutrina tradicionalmente classifica o litisconsórcio a partir de quatro critérios (I) posição processual na qual foi formado (ativo, passivo ou misto); (II) momento de sua formação (inicial ou ulterior); (III) sua obrigatoriedade ou não (necessário ou facultativo); (IV) o destino dos litisconsortes no plano material (unitário ou simples).
Especialmente em relação ao litisconsórcio unitário, este se dá quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes (art. 116 do CPC/2015).
Nota-se que, segundo o art. 117 do CPC/2015, apenas no litisconsórcio unitário os atos e as omissões de um litisconsorte não prejudicam os outros, mas podem beneficiá-los.
Não obstante, esta Terceira Turma, ao interpretar o art. 1.005, caput, do CPC/2015, adotou a orientação segundo a qual esse dispositivo "não se aplica apenas às hipóteses de litisconsórcio unitário, mas, também, a quaisquer outras hipóteses em que a ausência de tratamento igualitário entre as partes gere uma situação injustificável, insustentável ou aberrante" (REsp 1829945/TO, Terceira Turma, DJe 04/05/2021), conclusão que decorre da interpretação teleológica da norma.
Esse entendimento foi recentemente reafirmado no julgamento do REsp 1.960.747/RJ (Terceira Turma, DJe 05/05/2022).
A partir dessas premissas, conclui-se que a expansão subjetiva dos efeitos do recurso pode ocorrer em três hipóteses: quando (I) há litisconsórcio unitário (art. 1.005, caput, c/c o art. 117 do CPC/2015); II) há solidariedade passiva (art. 1.005, parágrafo único, do CPC/2015); e III) a ausência de tratamento igualitário entre as partes gerar uma situação injustificável, insustentável ou aberrante (art. 1.005, caput, do CPC/2015).
REsp 1.997.050-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 02/08/2022.
DIREITO CIVIL
Proibição de funcionamento de imóvel comercial locado com acesso autônomo e independente. Cumprimento das normas de restrição sanitária pela Covid-19. Descabimento. Locador que age com excesso aos poderes legais e contratuais. Ato ilícito. Arts. 186, 187 e 188 do Código Civil. Configuração. Excludente de responsabilidade civil. Inocorrência. Indenização. Arts. 927 c/c 402, CC. Obrigação.
Pratica ato ilícito apto à indenização, o locador que proíbe o funcionamento de imóvel comercial locado, cujo acesso é autônomo e independente, sob a justificativa de cumprimento às normas de restrição sanitária pela Covid-19.
A controvérsia consiste em definir se a proibição de acesso a imóvel comercial imposta pelo locador, sob a justificativa de cumprimento às normas de restrição sanitária pela Covid-19, constitui ato ilícito apto à indenização do locatário.
Como cediço, as obrigações impostas aos contratantes nas locações não residenciais estão previstas nos arts. 22 e 23 da Lei n. 8.245/1991.
É possível extrair dos referidos dispositivos, que a responsabilidade pelo uso do imóvel é do locatário, restringindo-se a obrigação do locador à entrega do imóvel ao locatário em conformidade com a destinação do imóvel, garantindo a manutenção da destinação durante a execução do contrato.
A moldura fática apresentada pelas instâncias ordinárias aponta que o restaurante locatário, embora estivesse localizado dentro do Jockey Club, locador, possuía acesso autônomo e independente do clube.
Nesse sentido, a Corte de origem consignou que o contrato "não vinculava o funcionamento do aludido restaurante aos dias e horários em que o clube estivesse aberto, nem aos eventos que nele viessem a ocorrer".
Extrai-se dos autos que era viável assegurar o acesso do público exclusivamente à área destinada ao restaurante, mantendo-se fechadas as demais áreas do clube, incluindo aquelas em que eram realizadas as atividades do turfe, tornando-se irrelevante, em tal medida, a proibição do funcionamento do clube.
Vale destacar que o recorrente não teria nem sequer que implementar medidas para "isolar" o local, o qual já se encontrava cercado e, portanto, separado das demais áreas.
Estabelecidas, portanto, as premissas em torno da atuação indevida do recorrente, revelou-se, de igual maneira, desprovida de razoabilidade ou proporcionalidade, tendo em vista que a conduta do locador acarretou ônus excessivo ao locatário, mediante sacrifício da retomada de suas atividades econômicas, não havendo se falar em "exercício regular de seu direito reconhecido na condição de locador".
No que tange ao argumento de que restrição da pandemia serviria como excludente da responsabilidade civil, o recorrido agiu amparado em diploma normativo adequado ao exercício de suas atividades, não se extraindo dos autos, por outro lado, qualquer situação excepcional de risco concreto à saúde dos frequentadores do Jockey Club que autorizasse a atuação do recorrente fora dos limites que lhe eram previstos.
O ato, portanto, é ilícito, na forma do que preveem os arts. 186, 187 e 188 do Código Civil, não tendo o recorrente agido sob o amparo de qualquer excludente de responsabilidade civil.
Ademais, é bem de ver que a diretriz da boa-fé que rege as relações contratuais foi descumprida pelo recorrente, tendo em vista que o ato praticado se revelou, a um só tempo, desmesurado e impeditivo do alcance da função do contrato, alijando por completo o locatário de exercer os poderes inerentes ao uso e gozo da coisa, conforme o art. 565 do CPC.
Dessa forma, sendo incontroversa a ocorrência de danos ao locatário em decorrência do período em que permaneceu fechado por ato exclusivo do recorrente, deve o recorrente indenizar o recorrido pelos danos sofridos, nos termos do art. 927 c/c 402, todos do Código Civil.
AgRg no REsp 2.004.098-SC, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 02/08/2022.
DIREITO CONSTITUCIONAL
O art. 12 do Código de Ética da Magistratura Nacional (Resolução CNJ n. 60/2008) não impede o livre exercício do direito de manifestação do juiz.
Ao regulamentar a relação entre os membros do Poder Judiciário e a imprensa, o Código de Ética da Magistratura Nacional (Resolução CNJ n. 60/2008) estabelece critérios que assegurem, de um lado, a força normativa dos princípios da liberdade de expressão e da publicidade dos atos emanados do Estado (art. 5º, IV, art. 37, caput, e art. 93, IX, da CF/1988), e, de outro, a prudência, atributo inerente ao exercício da judicatura.
Na hipótese tem-se que a Corte de origem constatou que a magistrada não discorreu, em entrevista à imprensa, diretamente sobre o conteúdo dos autos, motivo pelo qual considerou que a defesa não demonstrou como a magistrada teria incorrido em uma das hipóteses legalmente previstas, que motivasse eventual suspeição para o julgamento da causa.
Nesse sentido, da atenta análise do art. 12 do Código de Ética da Magistratura Nacional, aprovado pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ, em linha com o que estabelece o art. 36, III, da Lei Complementar n. 35/1979, destaque-se que não há impedimento ao livre exercício do direito de manifestação do Juiz.
AgRg no REsp 1.946.824-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 14/06/2022, DJe 17/06/2022.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
A realização da audiência prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 somente se faz necessária se a vítima houver manifestado, de alguma forma, em momento anterior ao recebimento da denúncia, ânimo de desistir da representação.
De início, destaca-se que "a Lei Maria da Penha disciplina procedimento próprio para que a vítima possa eventualmente se retratar de representação já apresentada. Nesse sentido, dispõe o art. 16 da Lei n. 11.340/2006 que, "só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade" (HC n. 371.470/RS, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 25/11/2016).
De fato, o art. 16 da Lei Federal n. 11.340/2006 dispõe que "nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público". Por sua vez, o magistrado de primeiro grau deve designar a audiência prevista no art. 16 da Lei tão somente quando existir algum indício, antes do recebimento da denúncia, da intenção da vítima em se retratar.
Nesse mesmo sentido, o STJ firmou o entendimento de que a realização da audiência prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 somente se faz necessária se a vítima houver manifestado, de alguma forma, em momento anterior ao recebimento da denúncia, ânimo de desistir da representação.
ProAfR no REsp 1.985.189-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 17/05/2022, DJe 30/06/2022. (Tema 1157).
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação dos REsp 1.985.189/SP e 1.985.190/SP ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: definir a possibilidade - ou não - de cancelamento na via administrativa, após regular realização de perícia médica, dos benefícios previdenciários por incapacidade, concedidos judicialmente e após o trânsito em julgado, independentemente de propositura de ação revisional.