EDcl no REsp 1.737.428-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por maioria, julgado em 06/10/2020, DJe 19/11/2020
DIREITO DO CONSUMIDOR
Intermediação pela internet na venda de ingressos de eventos culturais e de entretenimento. Validade. Ausência de informação prévia e adequada do valor da taxa de conveniência. Configuração de prática abusiva e prejudicial à livre concorrência. Analogia com a tese firmada no julgamento do Tema 938/STJ (corretagem imobiliária).
É válida a intermediação, pela internet, da venda de ingressos para eventos culturais e de entretenimento mediante cobrança de "taxa de conveniência", desde que o consumidor seja previamente informado do preço total da aquisição do ingresso, com o destaque do valor da referida taxa.
O serviço de venda de ingressos online, na forma como organizado pela empresa demandada, integra-se à cadeia e fornecimento do serviço de produção de eventos, tratando-se, portanto, de um custo repassado ao consumidor, e não de um serviço independente oferecido ao consumidor, como o são, por exemplo, os serviços de concierge ou de despachante. Semelhante questão já foi enfrentada por esta Corte Superior anteriormente em pelo menos dois precedentes, o relativo à comissão de corretagem (Tema 938/STJ) e o pertinente à comissão do correspondente bancário (Tema 958/STJ).
Assim, sendo a "taxa de conveniência" um repasse de custos de intermediação, torna-se irrelevante perscrutar acerca de efetiva vantagem ao consumidor, pois a controvérsia se desloca para a fase pré-contratual, bastando que o consumidor seja informado prévia e adequadamente acerca dessa transferência de custos.
Com efeito, merece ser repelida com vigor a prática abusiva e desleal de ofertar produto/serviço por um preço artificialmente menor, para, depois de capturar a preferência do consumidor no mercado de consumo, exigir a diferença de preço sob a roupagem de um falso serviço "adicional", aumentando indevidamente o valor a ser desembolsado pelo consumidor.
Observe-se que essa prática
comercial, além de ser abusiva sob a ótica do direito do consumidor, como já exaustivamente demonstrado no precedente sobre a corretagem, é também desleal sob a ótica da livre concorrência, se bem que o princípio constitucional da livre concorrência
também possui um viés de proteção do consumidor.
Em um mercado de concorrência saudável, espera-se que o consumidor seja informado, já na fase pré-contratual, sobre o custo total da compra, inclusive o custo da intermediação, para assim se evitar que o consumidor seja capturado no mercado por uma proposta de preço menor do que o efetivo, em prejuízo dos demais concorrentes que também disputam a preferência do consumidor, nos mais diversos ramos de atividade.
REsp 1.737.428-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, por maioria, julgado em 12/03/2019, DJe 15/03/2019
DIREITO DO CONSUMIDOR
Espetáculos culturais. Aquisição de ingressos na internet. Cobrança de taxa de conveniência. Venda casada indireta. Prática abusiva. Configuração.
É abusiva a venda de ingressos em meio virtual (internet) vinculada a uma única intermediadora e mediante o pagamento de taxa de conveniência.
Salienta-se preliminarmente que a venda casada "às avessas", indireta ou dissimulada consiste em se admitir uma conduta de consumo intimamente relacionada a um produto ou serviço, mas cujo exercício, é restringido à única opção oferecida pelo próprio fornecedor, limitando, assim, a liberdade de escolha do consumidor. A venda pela internet, que alcança interessados em número infinitamente superior do que a venda por meio presencial, privilegia os interesses dos produtores e promotores do espetáculo cultural de terem, no menor prazo possível, vendidos os espaços destinados ao público e realizado o retorno dos investimentos até então empregados. Ademais, a fim de preservar a boa-fé e a liberdade contratual dos consumidores, os produtores e promotores do espetáculo cultural, ao optarem por submeter os ingressos à venda terceirizada em meio virtual (da internet), devem oferecer ao consumidor diversas opções de compra em diversos sítios eletrônicos, caso contrário, a liberdade dos consumidores de escolha da intermediadora da compra é cerceada, de modo a ficar configurada a venda casada, ainda que em sua modalidade indireta ou "às avessas", nos termos do art. 39, I e IX, do CDC. Além disso, é fictícia a liberdade do consumidor em optar pela aquisição virtual ou pela presencial, ante a uma acentuada diferença de benefícios entre essas duas opções: ou o consumidor adquire seu ingresso por meio virtual e se submete à cobrança da taxa, tendo ainda que pagar uma nova taxa para receber o ingresso em seu domicílio; ou, a despeito de residir ou não na cidade em que será realizado o espetáculo cultural, adquire o ingresso de forma presencial, correndo o risco de que todos os ingressos já tenham sido vendidos em meio virtual, enfrentando filas e deslocamentos. Assim, não fosse a restrição da liberdade contratual bastante para macular a validade da cobrança da taxa de conveniência, por violação da boa-fé objetiva, esses fatores adicionais agora enumerados também têm o condão de modificar substancialmente o cálculo da proporcionalidade das prestações envolvidas no contrato, não sendo mais possível vislumbrar o equilíbrio pretendido pelas partes no momento da contratação ou eventual vantagem ao consumidor com o oferecimento conjunto dos serviços. Por fim, o serviço de intermediação apresenta mais uma peculiaridade: a de que não há declaração clara e destacada de que o consumidor está assumindo um débito que é de responsabilidade do incumbente - produtor ou promotor do espetáculo cultural - não se podendo, nesses termos, reconhecer a validade da transferência do encargo (assunção de dívida pelo consumidor). Verifica-se, portanto, da soma desses fatores, o desequilíbrio do "contrato, tornando-o desvantajoso ao consumidor enquanto confere vantagem sem correspectivo (sem "sinalagma", do grego, câmbio) ao fornecedor", o que também acaba por vulnerar o princípio da vedação à lesão enorme, previsto nos arts. 39, V, e 51, IV, do CDC. Desse modo, deve ser reconhecida a abusividade da prática da venda casada imposta ao consumidor em prestação manifestamente desproporcional, devendo ser admitido que a remuneração da intermediadora da venda, mediante a taxa de conveniência, deveria ser de responsabilidade das promotores e produtores de espetáculos culturais, verdadeiros beneficiários do modelo de negócio escolhido.