AgRg no HC 935.027-SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 30/9/2024, DJe 4/10/2024.
EXECUÇÃO PENAL
Não cabe a concessão de indulto ao condenado por crimes patrimoniais que, nos termos do art. 2º, XV, do Decreto Presidencial n. 11.846/2023, deixa de reparar o dano ou não comprova a impossibilidade econômica de fazê-lo.
O indulto natalino é um instrumento de política criminal e carcerária adotada pelo Executivo, com amparo em competência constitucional, que encontra restrições apenas na própria Constituição da República, que veda a concessão de anistia, graça ou indulto aos crimes de tortura, tráfico de drogas, terrorismo e aos classificados como hediondos.
Ademais, "a interpretação extensiva das restrições contidas no decreto concessivo de comutação/indulto de penas consiste, nos termos do art. 84, XII, da Constituição Federal, em invasão à competência exclusiva do Presidente da República, motivo pelo qual, preenchidos os requisitos estabelecidos na norma legal, o benefício deve ser concedido por meio de sentença - a qual possui natureza meramente declaratória -, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade" (AgRg no REsp 1.902.850/GO, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, DJe de 20/4/2023).
No caso, o condenado, reincidente em delitos de furtos qualificados, que resultaram em prejuízo às vítimas, requereu a concessão do indulto previsto no art. 2º, I, do Decreto Presidencial n. 11.843/2023. O Tribunal de origem confirmou o indeferimento do benefício, com base no inciso XV do art. 2º do mencionado decreto, ao considerar que esse dispositivo é regra específica para os condenados exclusivamente por crimes patrimoniais e que não houve a reparação do dano ou a comprovação da absoluta incapacidade de fazê-lo.
Note-se que o inciso I do referido decreto se refere aos crimes praticados sem violência ou grave ameaça, enquanto o inciso XV especificamente se refere aos condenados por crime contra o patrimônio, cometido sem grave ameaça ou violência a pessoa.
Exigíveis, pois, os requisitos objetivos mínimos de cumprimento de pena e de comprovação da reparação do dano ou a impossibilidade econômica de fazê-lo para a concessão do indulto natalino. Desse modo, a ausência de comprovação acarreta a negativa do benefício.
Constituição Federal (CF), art. 84, XII
AgRg no REsp 2.130.764-MG, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 16/9/2024, DJe 18/9/2024.
DIREITO AMBIENTAL, DIREITO PENAL
O delito previsto no art. 54, caput, primeira parte, da Lei n. 9.605/1998 prescinde de prova pericial para constatação de poluição que possa resultar em danos à saúde humana.
O Tribunal estadual desclassificou a conduta do art. 54, caput, da Lei n. 9.605/1998 (poluição sonora) para a prevista no art. 42 do Decreto Lei n. 3.688/1941 (contravenção de perturbação) essencialmente porque não realizada prova técnica para comprovação do dano ou da probabilidade do dano à saúde dos moradores locais, embora constatado que houve elevação sonora acima da fixada em regulamentação específica.
Contudo, referido entendimento não encontra amparo na jurisprudência do STJ, pois o crime do art. 54, caput, da Lei n. 9.605/1998, primeira parte, se trata de crime formal, de perigo abstrato, prescindindo de prova pericial para constatação de poluição que possa resultar em danos à saúde humana diante do desrespeito às regras de emissão sonora.
Nessa linha, nos termos do entendimento desta Corte, "1. A emissão de som, quando em desacordo com os padrões estabelecidos, provocará a degradação da qualidade ambiental. 2. A conduta narrada na denúncia mostra-se plenamente adequada à descrição típica constante no art. 54, caput, e § 2º, I, da Lei n. 9.605/1998, c/c o art. 3º, III, da Lei n. 6.938/1981, pois descreve a emissão pela pessoa jurídica de ruídos acima dos padrões estabelecidos pela NBR 10.151, causando, por conseguinte, prejuízos à saúde humana, consoante preconiza a Resolução do Conama n. 01/1990." (AgRg no REsp 1.442.333/RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 27/6/2016).
Desse modo, no caso, diante do comprovado desrespeito às regras de emissão sonora constatado pelas instâncias ordinárias em decorrência de levantamento de ruídos ambiental, indevida a desclassificação operada pelo Tribunal a quo com fundamento na falta de realização de prova técnica para comprovação do dano ou da probabilidade do dano à saúde dos moradores locais.
Lei n. 9.605/1998, art. 54, caput
Lei n. 3.688/1941, art. 42
Lei n. 6.938/1981, art. 3º, III
REsp 2.133.261-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 8/10/2024, DJe 10/10/2024.
DIREITO CIVIL
O gestor de banco de dados que disponibiliza para terceiros consulentes o acesso aos dados do cadastrado que somente poderiam ser compartilhados entre bancos de dados deve responder objetivamente pelos danos morais causados.
O gestor de banco de dados com a finalidade de proteção do crédito, pode realizar o tratamento de dados pessoais não sensíveis e abrir cadastro com informações de adimplemento de pessoas naturais e jurídicas, sem o consentimento prévio do cadastrado, em observância aos artigos 4º, I, da Lei n. 12.414/2011 e 7º, X, da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD.
Todavia, o gestor de banco de dados regido pela Lei n. 12.414/2011 somente pode disponibilizar a terceiros consulentes (I) o score de crédito (pontuação de crédito), sendo desnecessário o consentimento prévio; e (II) o histórico de crédito, mediante prévia autorização específica do cadastrado (nos moldes do Anexo do Decreto n. 9.936/2019), conforme o art. 4º, IV, a e b da referida lei.
Por outro lado, em observância o inciso III do art. 4º da Lei n. 12.414/2011, as informações cadastrais e de adimplemento armazenadas somente podem ser compartilhadas com outros bancos de dados, que são geridos por instituições devidamente autorizadas para tanto na forma da lei e regulamento.
Portanto, se um terceiro consulente tem interesse em obter as informações cadastrais do cadastrado, ainda que sejam dados pessoais não sensíveis, deve ele obter o prévio e expresso consentimento do titular, com base na autonomia da vontade, pois não há autorização legal para que o gestor de banco de dados disponibilize tais dados aos consulentes.
Em relação à abertura do cadastro pelo gestor de banco de dados, embora não seja exigido o consentimento prévio, é necessária a comunicação ao cadastrado, inclusive quanto aos demais agentes de tratamento, podendo exigir o cancelamento do seu cadastro a qualquer momento, nos termos do art. 4º, I e § 4º, da Lei n. 12.414/2011, além de exercer os demais direitos previstos em lei quanto aos seus dados.
A inobservância dos deveres associados ao tratamento (que inclui a coleta, o armazenamento e a transferência a terceiros) dos dados do titular - dentre os quais se inclui o dever de informar - faz nascer para este a pretensão de indenização pelos danos causados e a de fazer cessar, imediatamente, a ofensa aos direitos da personalidade.
A disponibilização indevida de dados pessoais pelos bancos de dados para terceiros caracteriza dano moral presumido (in re ipsa) ao cadastrado titular dos dados, diante, sobretudo, da forte sensação de insegurança por ele experimentada.
Dessa forma, o gestor de banco de dados que disponibiliza para terceiros consulentes o acesso aos dados do cadastrado que somente poderiam ser compartilhados entre bancos de dados - como as informações cadastrais - deve responder objetivamente pelos danos morais causados ao cadastrado, em observância aos artigos 16 da Lei n. 12.414/2011 e 42 e 43, II, da LGPD.
Lei n. 12.414/2011, art. 4º e art. 16
Lei n. 13.709/2018 (LGPD), art. 7º, X; art. 42 e art. 43, II
REsp 2.080.023-MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 6/11/2024, DJe 11/11/2024 (Tema 1234).
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 6/11/2024, DJe 11/11/2024 (Tema 1234).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO AGRÁRIO
Impenhorabilidade. Pequena propriedade rural. Art. 833, VIII, do CPC. Exploração do imóvel pela família. Ônus da prova. Executado (devedor). Tema 1234.
É ônus do executado provar que a pequena propriedade rural é explorada pela família para fins de reconhecimento de sua impenhorabilidade.
Cinge-se a controvérsia, nos termos da afetação do recurso ao rito dos repetitivos, em "definir sobre qual das partes recai o ônus de provar que a pequena propriedade rural é explorada pela família para fins de reconhecimento de sua impenhorabilidade" (Tema 1234/STJ).
Para reconhecer a impenhorabilidade, nos termos do art. 833, VIII, do CPC, é imperiosa a satisfação de dois requisitos: (i) que o imóvel se qualifique como pequena propriedade rural, nos termos da lei, e (ii) que seja explorado pela família.
Quanto ao primeiro requisito, considerando a lacuna legislativa acerca do conceito de "pequena propriedade rural" para fins de impenhorabilidade, a jurisprudência tem tomado emprestado aquele estabelecido na Lei n. 8.629/1993, a qual regulamenta as normas constitucionais relativas à reforma agrária. No art. 4º, II, alínea a, da referida legislação, atualizada pela Lei n. 13.465/2017, consta que se enquadra como pequena propriedade rural o imóvel rural "de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento".
Essa interpretação se encontra em harmonia com o Tema n. 961/STF, segundo o qual "é impenhorável a pequena propriedade rural familiar constituída de mais de 01 (um) terreno, desde que contínuos e com área total inferior a 04 (quatro) módulos fiscais do município de localização" (DJe 21/12/2020).
A Segunda Seção do STJ decidiu que, para o reconhecimento da impenhorabilidade, o devedor (executado) tem o ônus de comprovar que além de se enquadrar dentro do conceito de pequena, a propriedade rural se destina à exploração familiar (REsp n. 1.913.234/SP, Segunda Seção, DJe 7/3/2023).
Como regra geral, a parte que alega tem o ônus de demonstrar a veracidade desse fato (art. 373 do CPC) e, sob a ótica da aptidão para produzir essa prova, ao menos abstratamente, é mais fácil para o devedor demonstrar a veracidade do fato alegado.
O art. 833, VIII, do CPC é expresso ao condicionar o reconhecimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural à sua exploração familiar.
Nesse sentido, isentar o executado de comprovar o cumprimento desse requisito legal e transferir a prova negativa ao credor (exequente) importaria em desconsiderar o propósito que orientou a criação da norma - de assegurar os meios para a efetiva manutenção da subsistência do executado e de sua família.
Assim, fixa-se a seguinte tese jurídica: "É ônus do executado provar que a pequena propriedade rural é explorada pela família para fins de reconhecimento de sua impenhorabilidade".
Código de Processo Civil (CPC), art. 833, VIII; art. 373
Lei n. 8.629/1993, art. 4º, II, a
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 5/11/2024, DJe 7/11/2024.
DIREITO CIVIL
O simples fato de o neto, concebido por inseminação artificial, coabitar residência com mãe e o avô materno e reconhecê-lo como pai, não é suficiente para afastar a proibição prevista no art. 42, § 1º, do ECA, que veda a adoção por avós.
A Constituição Federal, em seu art. 226, § 4º, reconhece como entidade familiar a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes, denominada família "monoparental", que deve ser prestigiada, mormente quando da escolha por essa modalidade de família por pessoa que opta pela realização de inseminação artificial.
Conquanto a regra do art. 42, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, vede expressamente a adoção dos netos pelos avós, fato é que o referido dispositivo legal tem sofrido flexibilizações no STJ, sempre excepcionais, por razões humanitárias e sociais, bem como para preservar situações de fato consolidadas.
A Quarta Turma do STJ no julgamento do REsp 1.587.477/SC, publicado em 27/8/2020, fixou requisitos para a adoção avoenga: que "(i) o pretenso adotando seja menor de idade; (ii) os avós (pretensos adotantes) exerçam, com exclusividade, as funções de mãe e pai do neto desde o seu nascimento; (iii) a parentalidade socioafetiva tenha sido devidamente atestada por estudo psicossocial; (iv) o adotando reconheça os adotantes como seus genitores e seu pai (ou sua mãe) como irmão; (v) inexista conflito familiar a respeito da adoção; (vi) não se constate perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; (vii) não se funde a pretensão de adoção em motivos ilegítimos, a exemplo da predominância de interesses econômicos; e (viii) a adoção apresente reais vantagens para o adotando".
Dessa forma, nos termos da jurisprudência do STJ, não é suficiente que a criança reconheça o avô como pai para superar o expresso óbice legal - em especial quando os demais requisitos para superação do art. 42, §1º no ECA estão ausentes. Ademais, no caso, se verifica que a mãe exerce plenamente a maternidade, sem qualquer óbice ou incapacidade, tendo inclusive desejado e planejado a gestação por técnica de reprodução assistida por inseminação artificial.
REsp 2.156.059-MS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 5/11/2024.
EXECUÇÃO PENAL
A conclusão do ensino superior antes do início de cumprimento da reprimenda não impede a remição da pena pelo estudo ao reeducando que obtém aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de concessão da remição pela aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) ao apenado que já ostenta diploma de nível superior.
O art. 126 da Lei de Execução Penal determina que o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. Como resultado de uma interpretação analógica in bonam partem da referida norma, segundo jurisprudência desta Corte, é possível hipóteses de abreviação da reprimenda em razão de atividades que não estejam expressas no texto legal.
Nessa linha, a Resolução CNJ n. 391/2021 prevê que faz jus à remição o apenado que, embora não esteja vinculado a atividades regulares de ensino, realiza estudos por conta própria e obtém aprovação nos exames nacionais que certificam a conclusão do ensino fundamental ou médio. Quanto à abrangência dessa hipótese, a Terceira Seção do STJ, no julgamento dos EREsp 1.979.591/SP, decidiu que é possível a remição da pena por aprovação no ENEM ainda que o reeducando já tenha concluído o ensino médio anteriormente ao início do resgate da reprimenda.
De fato, as normas da execução penal, notadamente aquela relacionada à remição pelos estudos, deve ser interpretada de modo mais favorável ao réu, especialmente em razão de inexistir, na regra contida no art. 126 da LEP, restrição à concessão do referido direito àqueles que já tenham concluído o ensino médio ou superior.
É esse caminho interpretativo que o Superior Tribunal de Justiça tem adotado nas controvérsias relacionadas ao tema, porquanto vem considerando devidas benesses executórias que, apesar de não terem expressa previsão legal, prestigiam a ressocialização do recluso, como na espécie.
Ademais, não se trata de se conferir espécie de crédito contra a justiça, porquanto a remição não é concedida pelo simples fato de o apenado já ter formação superior, mas, sim, por ele ter obtido êxito na aprovação do Exame Nacional do Ensino Médio por meio de conhecimentos por ele adquiridos.
REsp 2.152.642-RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 5/11/2024, DJe 11/11/2024.
DIREITO TRIBUTÁRIO
Não é possível a dedução de despesas com ágio interno da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, relacionadas a operações societárias realizadas antes do advento da Lei n. 12.973/2014, nas hipóteses em que constatada a criação de pessoa jurídica, sem correspondência econômica, para servir como transmissora de ágio meramente contábil no contexto de incorporação reversa.
A controvérsia cinge-se em saber se o ordenamento jurídico vigente à época dos fatos, em especial os artigos 7º e 8º da Lei n. 9.532/1997, permitia que organizações societárias criassem pessoas jurídicas apenas com a finalidade de produzir ágio artificial destinado a reduzir as bases tributáveis do IRPJ e da CSLL.
O ordenamento jurídico brasileiro passou a tratar da figura do ágio por meio do Decreto-Lei n. 1.598/1977, podendo ser conceituado como preço adicional ao custo de aquisição de participação societária, representado pela diferença positiva entre o custo de aquisição e o valor contábil do investimento adquirido, justificada pela perspectiva de obtenção de receitas futuras. Em outras palavras, a empresa adquirente aceita pagar pela aquisição valor superior ao contabilizado no patrimônio líquido da empresa adquirida, considerando a expectativa de auferimento de lucros, que necessariamente deve ser justificada mediante demonstração contábil.
Sob as perspectivas contábil e societária, o ágio é passível de amortização na apuração de resultado da empresa investidora, impedindo o reconhecimento de ganhos inexistentes. Ou seja, a rentabilidade da sociedade adquirida não constituirá lucro da sociedade investidora até o montante equivalente ao ágio pago. Uma vez que, sendo neutralizado o ágio, os resultados positivos da empresa investida refletem no aumento do patrimônio da investidora.
Entretanto, sob a perspectiva fiscal, o ágio é tratado de forma distinta, uma vez que a legislação tributária impõe que todo ágio ou deságio contabilmente amortizado deve ter seus efeitos fiscais anulados perante o IRPJ e CSLL, enquanto não houver a alienação ou liquidação do investimento adquirido. Paralelamente a isso, o registro contábil é preservado para futuro aproveitamento quando da alienação, momento em que é autorizada a integração do ágio ao custo de aquisição para apuração do ganho de capital. Exceção à regra ocorre apenas na hipótese em que a empresa investida é incorporada pela investidora, porque não mais subsiste a possibilidade de sua alienação, impossibilitando a recuperação fiscal do ágio em face dos itens patrimoniais da investida se fundirem e se confundirem com os da própria investidora.
A Lei n. 9.532/1997 estabeleceu um caminho natural em que determinada empresa, adquirindo participação societária com ágio, ao incorporar a empresa coligada ou controlada, poderia amortizar esse valor de rentabilidade futura na base de cálculo do IRPJ e da CSLL devidos. Tudo isso com o objetivo específico de afastar da tributação o eventual ganho futuro que, em verdade, somente poderia ser aferido em posterior venda, frustrada pela extinção da empresa adquirida.
No caso específico do ágio interno, ou ágio próprio, ou ágio de si mesmo, uma característica necessária é a inexistência de qualquer relação jurídica com membros que não fazem parte do mesmo grupo societário. É dizer, todas as operações acontecem entre partes vinculadas. Outro ponto indispensável para se caracterizar o ágio de si mesmo é a completa ausência de operação societária envolvendo a efetiva transferência de recursos financeiros.
Finalmente, e este é um evento havido no caso concreto, o ágio interno pode ser gerado por meio de uma chamada "empresa veículo", cuja existência no mundo jurídico somente se justifica para criar a mais valia para o grupo societário. Cuida-se de sociedade completamente desprovida de propósito negocial em absoluto descompasso com o regime do direito societário. Não há "empresa" nos termos definidos pelo Código Civil, porque não há exercício de atividade econômica organizada para a circulação de bens ou serviços, e, exatamente neste ponto, pode-se identificar o abuso de direito caracterizado pelo abuso da personalidade jurídica.
Sobre o ágio interno e sua relação com o abuso de direito, é importante mencionar que este abuso, para que seja considerado antijurídico, demanda, para além da utilização de um instituto para fins aos quais o ordenamento não o destina, que esta utilização afete direito de terceiros, ainda que não haja a intenção de prejudicar por parte daquele que o exerce. A inexistência de direitos absolutos e a limitação destes direitos a partir do momento em que outros direitos ou prerrogativas são atingidos é lugar comum em assertivas gerais e abstratas, mas que encerram dificuldades quando é necessária a aplicação destas premissas nos casos concretos.
Sob essas lentes, não são admissíveis as conclusões de que se admite que a liberdade de auto-organização comporta a construção de estruturas artificiais para a economia de tributos. É evidente que não se está a defender o argumento pueril de que a economia de tributos só pode acontecer de maneira "casual". O contribuinte pode sim organizar seus negócios de maneira a escolher o caminho menos oneroso tributariamente, desde que as estruturas jurídicas utilizadas se compatibilizem com o ordenamento jurídico, exatamente porque a liberdade contratual se limita aos termos em que o constituinte concebeu esta e outras prerrogativas.
O abuso de direito perpetrado com a criação de estruturas artificiais para aproveitamento do ágio e pagamento a menor de tributos agride a juridicidade do ordenamento. Para além do reconhecimento legal como ato ilícito previsto no art. 187 do Código Civil, o abuso de direito no caso encerra violação dos primados da capacidade contributiva, em sua condição de corolário da própria isonomia. Por esse motivo, o abuso de direito materializado na amortização de ágio gerado em operações internas, sem nenhum propósito negocial, desrespeitou o ordenamento jurídico vigente, ensejando a neutralização dos efeitos do ato abusivo pela autoridade fiscal.
AgRg no REsp 2.108.571-SP, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 5/11/2024, DJe 8/11/2024.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Não há falar em ilegalidade na busca pessoal realizada por guardas civis municipais motivada pela atitude suspeita do réu, que, em local conhecido como de traficância, ficou nervoso ao avistar a viatura e escondeu algo na cintura.
Ao julgar o REsp n. 1.977.119/SP, a Sexta Turma desta Corte Superior, conferindo nova interpretação ao disposto no art. 244 do CPP, decidiu que as Guardas Municipais "podem realizar patrulhamento preventivo na cidade, mas sempre vinculados à finalidade específica de tutelar os bens, serviços e instalações municipais, e não de reprimir a criminalidade urbana ordinária, função esta cabível apenas às polícias, tal como ocorre, na maioria das vezes, com o tráfico de drogas".
Foi destacado que "não é das guardas municipais, mas sim das polícias, como regra, a competência para patrulhar supostos pontos de tráfico de drogas, realizar abordagens e revistas em indivíduos suspeitos da prática de tal crime ou ainda investigar denúncias anônimas relacionadas ao tráfico e outros delitos cuja prática não atinja de maneira clara, direta e imediata os bens, serviços e instalações municipais".
Por fim, concluiu-se que "só é possível que as guardas municipais realizem excepcionalmente busca pessoal se houver, além de justa causa para a medida (fundada suspeita de posse de corpo de delito), relação clara, direta e imediata com a necessidade de proteger a integridade dos bens e instalações ou assegurar a adequada execução dos serviços municipais, o que não se confunde com permissão para realizarem atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias militar e civil para combate da criminalidade urbana ordinária" (REsp n. 1.977.119/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 23/8/2022).
Todavia, "conforme jurisprudência consolidada desta Corte Superior, não há falar em ilegalidade na prisão em flagrante realizada por guardas civis municipais. Consoante disposto no art. 301 do CPP, 'qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito'" (AgRg no HC n. 748.019/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 22/8/2022).
No caso, a situação não se assemelhou àquela que ensejou o provimento do REsp n. 1.977.119/SP. Consoante consignado pelo Tribunal de origem, o "local era conhecido como de traficância e a atitude suspeita do réu, ficando nervoso ao avistar a viatura e escondendo algo na cintura, motivaram os guardas a procederem a abordagem, na qual foram encontrados com o réu as drogas". Nesse contexto, a atuação da Guarda Municipal não se mostrou ilegal.
REsp 2.173.858-RN, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 5/11/2024, DJe 11/11/2024.
DIREITO PENAL, DIREITO TRIBUTÁRIO
A nova redação do art. 51 do Código Penal não retirou o caráter penal da multa, de modo que, embora se apliquem as causas suspensivas da prescrição previstas na Lei n. 6.830/1980 e as causas interruptivas disciplinadas no art. 174 do Código Tributário Nacional, o prazo prescricional continua regido pelo art. 114, II, do Código Penal, inclusive quanto ao prazo de prescrição intercorrente.
No caso, trata-se de execução fiscal visando à cobrança de dívida ativa não-tributária referente à multa penal cominada cumulativamente com pena privativa de liberdade.
O Tribunal de origem entendeu que a conversão da pena de multa em dívida de valor, na forma prevista no art. 51 do Código Penal, transmudaria sua natureza jurídica de sanção penal para dívida de caráter extrapenal. Por conseguinte, concluiu que seria aplicável o prazo de prescrição intercorrente estabelecido no art. 40 da Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal - LEF), de modo a declarar extinta a execução fiscal.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.340.553/PR (Tema 566/STJ), sob a sistemática dos recursos repetitivos, em voto-vista da Ministra Assusete Magalhães, deixou assentado que o prazo de duração da prescrição intercorrente depende da natureza da dívida ativa, de modo que, embora a dívida ativa tributária tenha prazo quinquenal, há dívidas não tributárias, que são objeto de execução fiscal, com prazos prescricionais diversos, consoante os seguintes precedentes: REsp 1.117.903/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe de 1/2/2010; REsp 1.373.292/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe de 4/8/2015.
No julgamento do aludido REsp 1.340.553/PR, o Ministro Herman Benjamin, em voto-vista, consignou ainda que o prazo da prescrição intercorrente não será, necessariamente, quinquenal. Para os créditos de natureza não tributária, o prazo da prescrição intercorrente será idêntico ao da prescrição ordinária, estabelecido em legislação específica - ou, na inexistência desta, aquele disposto no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932.
Quanto ao prazo de prescrição aplicável à execução de multa penal, a jurisprudência do STJ orienta-se no sentido de que a nova redação do art. 51 do Código Penal não retirou o caráter penal da multa. Assim, embora se apliquem as causas suspensivas da prescrição previstas na Lei n. 6.830/1980 e as causas interruptivas disciplinadas no art. 174 do Código Tributário Nacional, o prazo prescricional continua regido pelo art. 114, II, do Código Penal.
Código Penal (CP), art. 51 e art. 114, II
Código Tributário Nacional (CTN), art. 174
Lei n. 6.830/1980 (LEF), art. 40
Decreto n. 20.910/1932, art. 1º
ProAfR no REsp 2.160.674-RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 8/10/2024, DJe 6/11/2024 (Tema 1290).
ProAfR no REsp 2.153.347-PR, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 8/10/2024, DJe 6/11/2024 (Tema 1290).
DIREITO TRIBUTÁRIO
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp 2.160.674-RS e REsp 2.153.347-PR ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "a) decidir sobre a legitimidade passiva ad causam (se do INSS ou da Fazenda Nacional) nas ações em que empregadores pretendem reaver valores pagos a empregadas gestantes durante a pandemia de Covid-19; b) definir se é possível enquadrar como salário-maternidade a remuneração de empregadas gestantes que foram afastadas do trabalho presencial durante o período da pandemia de Covid-19, nos termos da Lei n. 14.151/2021, a fim de autorizar restituição ou compensação tributária desta verba com tributos devidos pelo empregador".
ProAfR no REsp 2.163.429-RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 8/10/2024, DJe 6/11/2024 (Tema 1291).
ProAfR no REsp 2.163.998-RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 8/10/2024, DJe 6/11/2024 (Tema 1291).
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp 2.163.429-RS e REsp 2.163.998-RS ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "Definir se há possibilidade de reconhecimento, como especial, da atividade exercida pelo contribuinte individual não cooperado após 29/04/1995, à luz do disposto no art. 22, II, da Lei n. 8.212/1991 e nos arts. 11, V, "h", 14, I, parágrafo único, 57, caput, §§ 3º, 4º, 5º, 6º e 7º, e 58, caput, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/1991".
ProAfR no REsp 2.147.578-SP, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 5/11/2024, DJe 8/11/2024 (Tema 1293).
ProAfR no REsp 2.147.583-SP, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 5/11/2024, DJe 8/11/2024 (Tema 1293).
DIREITO ADMINISTRATIVO
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp 2.147.578-SP e REsp 2.147.583-SP ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "Definir se incide a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de 3 anos".
ProAfR no REsp 2.129.995-AL, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 5/11/2024, DJe 8/11/2024 (Tema 1292).
ProAfR no REsp 2.129.996-AL, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 5/11/2024, DJe 8/11/2024 (Tema 1292).
ProAfR no REsp 2.129.997-AL, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 5/11/2024, DJe 8/11/2024 (Tema 1292).
DIREITO ADMINISTRATIVO
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp 2.129.995-AL, REsp 2.129.996-AL e REsp 2.129.997-AL ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "Possibilidade de extensão do Reconhecimento de Saberes e Competências (RSC), modo especial de cálculo da Retribuição por Titulação (RT), ao servidor aposentado anteriormente à Lei n. 12.772/2012".
A Seção de Informativo de Jurisprudência - SIJUR informa que, após a publicação da edição n. 827, retificou a nota referente ao REsp 2.120.479-SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por maioria, julgado em 27/8/2024.
Para conferir, clique aqui.
RMS 71.079-DF, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 15/10/2024, DJe 17/10/2024.
DIREITO ADMINISTRATIVO
É cabível a penalidade de cassação de aposentadoria por falta grave praticada por membro do Ministério Público ainda em atividade, mesmo que esta seja constatada apenas durante a aposentadoria.
Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade da aplicação da penalidade de cassação de aposentadoria a membro do Ministério Público, em razão de prática de falta grave enquanto em atividade.
O Supremo Tribunal Federal (STF) possui entendimento firmado de que "A impossibilidade de aplicação de sanção administrativa a servidor aposentado, a quem a penalidade de cassação de aposentadoria se mostra como única sanção à disposição da Administração, resultaria em tratamento diverso entre servidores ativos e inativos, para o sancionamento dos mesmos ilícitos, em prejuízo do princípio isonômico e da moralidade administrativa, e representaria indevida restrição ao poder disciplinar da Administração em relação a servidores aposentados que cometeram faltas graves enquanto em atividade, favorecendo a impunidade." (ADPF-AgR 418/DF, relator Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 15/4/2020, DJe 30/4/2020).
Por sua vez, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admite a conversão da pena de demissão em cassação de aposentadoria, uma vez que "entender diversamente seria atribuir à aposentação o indesejável e absurdo caráter de sanatório geral, de perdão irrestrito. Se a lei previu a perda da função pública do agente em atividade, a simples aposentação não é escudo para a perda do vínculo com a Administração" (AgInt no REsp 1.757.796/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 5/9/2019).
Ademais, entende ainda o STJ que "a interpretação restritiva do art. 208, parágrafo único, da Lei Complementar n. 75/1993, defendida pela parte impetrante, resultaria em tratamento privilegiado para o Promotor de Justiça aposentado, pois ausente critério legítimo de distinção com os Promotores de Justiça da ativa. A diferença entre as situações - o momento em que se encontra o servidor público em sua carreira, isto é, se mais ou menos próximo da aposentadoria quando do cometimento da infração disciplinar - é arbitrário e não justifica soluções jurídicas díspares [...]. Representaria, além disso, indevida restrição ao poder disciplinar da Administração em relação a servidores aposentados que cometeram faltas graves enquanto em atividade, favorecendo a impunidade" (RMS 72.062/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 24/10/2023, DJe de 18/12/2023).
Dessa forma, quando a falta grave praticada por membro do Ministério Público, ainda em atividade, somente for constatada durante sua aposentadoria, a penalidade cabível é a cassação da aposentadoria, uma vez que, se o ato ilícito fosse conhecido à época de sua prática e fosse aplicada a pena de demissão, o promotor perderia o cargo e sequer teria direito à aposentadoria.
LC n. 75/1993, art. 208, parágrafo único
AgInt no RMS 50.353-MS, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 16/9/2024, DJe 18/9/2024.
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CONSTITUCIONAL
É ilegal o ato praticado pelos Conselheiros do Tribunal de Contas Estadual que, durante Sessão Plenária Administrativa, sem a participação do Ministério Público de Contas, delibera sobre matérias relativas a atos praticados pelo Procurador-Geral do Ministério Público de Contas de Estado.
Cinge-se a controvérsia sobre a legalidade, ou não, de ato praticado por Conselheiros de Tribunal de Contas Estadual que, durante Sessão Plenária Administrativa, sem a participação do Ministério Público de Contas, teriam deliberado sobre matérias relativas a atos praticados pelo Procurador-Geral do Ministério Público de Contas do Estado.
Conforme consignado pelo Tribunal Pleno do Superior Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 328/SC, os membros do Ministério Público, junto ao Tribunal de Contas, integram carreira autônoma, com peculiaridades próprias.
Assim, não se verifica qualquer irregularidade, em princípio, quanto à regulamentação de questões administrativas próprias, como o encaminhamento e as providências a adotar em relação às informações/documentação que lhe forem submetidas, tal como fez a Resolução editada pelo Procurador de Contas.
O poder de requisitar documentos e informações é essencial para o Ministério Público, qualquer que seja ele, comum ou especial. É indispensável para bem exercer seu múnus de proteção da sociedade, fazendo que prevaleça os seus interesses. Logo, o poder de requisição é ínsito à função ministerial.
No caso, o Tribunal de Contas Estadual, em Sessão Plenária Administrativa, determinou a notificação do Procurador-Geral do Ministério Público de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul para que, no prazo assinalado, promovesse a anulação da Resolução, no prazo de 5 (cinco) dias, por assentar a ilegalidade e inconstitucionalidade de tais atos administrativos.
A Lei Orgânica do Ministério Público de Contas do Estado em questão prevê expressamente a imprescindibilidade da participação do Ministério Público de Contas em todas as Sessões Administrativas realizadas pelo Tribunal Estadual de Contas, que estejam sujeitos a decisão.
Nesse sentido, considerando que a Sessão Plenária Administrativa realizada ocorreu sem qualquer participação do Ministério Público de Contas, é salutar reconhecer a sua nulidade por nítida ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, consagrados constitucionalmente pelo artigo 5º, LV, da Constituição Federal (CF/88).
Dessa forma, na hipótese, percebe-se que a atuação do Tribunal de Contas ofendeu sobremaneira as prerrogativas institucionais do Ministério Público de Contas, subtraindo-lhe direito constitucional, revestindo-se o ato de ilegalidade, corrigível por meio de mandado de segurança.
Constituição Federal (CF), art. 5º, LV
REsp 2.070.288-PR, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/10/2024, DJe 18/10/2024.
DIREITO EMPRESARIAL, RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Os valores devidos ao credor do adiantamento de contrato de câmbio não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial.
Cinge-se a controvérsia em definir se o credor de adiantamento de contrato de câmbio deve aguardar o pagamento dos demais créditos submetidos aos efeitos da recuperação judicial antes de receber os valores a ele devidos.
Nos termos do art. 49, § 4º, da Lei n. 11.101/2005, a importância entregue ao devedor decorrente de adiantamento de contrato de câmbio para exportação não se submete aos efeitos da recuperação judicial.
No adiantamento de contrato de câmbio, o produto da exportação passa a pertencer à instituição financeira, e não mais ao exportador financiado na operação. Portanto, os valores resultantes da exportação realizada por sociedade empresária integram o patrimônio da instituição financeira que realizou a antecipação do crédito, e não da sociedade em recuperação.
Na recuperação judicial, o pressuposto é que o devedor, a partir da concessão de prazos e condições especiais para pagamento, bem como de outros meios de soerguimento da atividade, consiga pagar todos os credores. Assim, não há falar em prioridade de pagamento de determinados credores em detrimento de outros, ressalvada a necessidade de observar o prazo para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho.
A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que o adiantamento de crédito decorrente de contrato de câmbio deve ser objeto de pedido de restituição dirigido ao juízo da recuperação judicial.
Lei n. 11.101/2005, art. 49, § 4º
REsp 2.167.264-PI, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/10/2024, DJe 17/10/2024.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Bem alienado fiduciariamente. Ação de busca e apreensão. Autocomposição. Solução consensual dos conflitos. Audiência prévia de conciliação ou mediação. Procedimento especial do DL n. 911/1969. Não aplicação do art. 334 do CPC. Não obrigatoriedade da audiência de conciliação. Nulidade não configurada.
No procedimento especial da ação de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, regida pelo Decreto-Lei n. 911/1969, não incide a obrigatoriedade da prévia audiência de conciliação prevista no art. 334 do Código de Processo Civil, não resultando sua ausência em nulidade.
O Código de Processo Civil elencou entre as suas normas fundamentais a determinação de que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, a qual deve ser estimulada por todos os sujeitos do processo (art. 3º, §§ 2º e 3º), sendo um dever do juiz promover, a qualquer tempo, a autocomposição (art. 139, V).
No procedimento comum, existe determinação legal para que o juiz realize audiência prévia de conciliação ou mediação (art. 334 do CPC), com exceção apenas em duas hipóteses: I) se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse; ou II) quando não se admitir a autocomposição.
Assim, a audiência prévia de conciliação ou mediação prevista no art. 334 do CPC é obrigatória, mesmo quando apenas uma das partes manifestar desinteresse, sendo dispensada tão somente quando houver desinteresse de ambas as partes.
No procedimento especial da ação de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, regida pelo DL n. 911/1969, não incide a obrigatoriedade da prévia audiência de conciliação prevista no art. 334 do CPC, de modo que a sua ausência não caracteriza nulidade.
O DL n. 911/1969 regulamenta a fase inicial do processo de forma diversa dos artigos 334 e 335, I e II, do CPC - prevendo que a resposta do réu deve ser apresentada no prazo de 15 dias da execução da liminar (art. 3º, § 3º) -, não havendo espaço para a aplicação subsidiária dos referidos dispositivos do procedimento comum.
Código de Processo Civil (CPC), arts. 3º, §§ 2º e 3º; 139, V; 334; e 335, I e II
Decreto-Lei n. 911/1969, art. 3º, § 3º
REsp 2.090.730-RJ, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 8/10/2024, DJe 14/10/2024.
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO TRIBUTÁRIO
Presidente de sociedade por ações de capital fechado, na qual subsidiária de sociedade de economia mista federal detenha participação acionária relevante (embora não majoritária), não exerce "função pública de direção", contida na Lei n. 13.254/2016, que instituiu o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT).
A controvérsia consiste em definir se o conceito de "função pública de direção", contido no preceito legal do art. 11 da Lei n. 13.254/2016, que instituiu o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), abrange o exercício de presidência de sociedade por ações de capital fechado, na qual subsidiária de sociedade de economia mista federal detenha participação acionária relevante, embora não majoritária.
Destaca-se, de início, que o conceito de "função pública" não é inequívoco. Por um lado, tem-se aquilo que se pode chamar de função pública em sentido estrito, o que corresponde ao plexo de atribuições de direção, chefia ou assessoramento que são cometidas por lei a servidores públicos ocupantes de cargo efetivo na administração. Trata-se das "funções de confiança" a que se refere o art. 37, V, da Constituição Federal, e que, na esfera federal, são pormenorizadamente reguladas por dispositivos da Lei n. 8.112/1990, que as denomina também como "função gratificada" (art. 93, § 6º) ou "função comissionada" (artigos 60-D e 127).
Sob outro prisma, tem-se o conceito de função pública em sentido amplo, definido pela doutrina como "qualquer atividade do Estado que vise diretamente à satisfação de uma necessidade ou conveniência pública". Em sentido lato, vê-se que o exercício de função pública não é exclusivo de servidor público (exercente de cargo, emprego ou função em sentido estrito), podendo a função pública ser cometida a indistintos agentes públicos, os quais a doutrina define como "os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente".
Não parece haver dúvidas de que presidente de sociedade anônima, eleito por assembleia de acionistas disciplinada nos termos da Lei n. 6.404/1976, não ocupa cargo efetivo na administração pública direta ou indireta, colocando-se, portanto, completamente à margem do conceito de "função pública" em seu sentido estrito, tal como acima conceituado.
Mais complexo se torna o exame da matéria quando compreendida a expressão "função pública de direção" contida no art. 11 da Lei n. 13.254/2016 em seu sentido amplo, hipótese que demanda, então, investigar-se a natureza jurídica de uma sociedade por ações de capital fechado, formada a partir de parceria estratégica firmada por empresas privadas e por subsidiária de sociedade de economia mista federal que detém participação acionária relevante, embora não majoritária, como, por exemplo, o Banco do Brasil.
O Tribunal de Contas da União, em levantamento realizado com o objetivo de conhecer o processo de trabalho de parcerias estratégicas do Banco do Brasil S/A e suas subsidiárias, reconheceu a "parceria estratégica" como sendo a "associação de longo prazo entre duas ou mais empresas que buscam, sem prejuízo de suas estratégias individuais, complementariedade para incrementar os seus negócios, reduzir custos, compartilhar riscos e benefícios, ampliar sua capilaridade e/ou alavancar capacitações, visando ser mais competitivas no mercado" (TCU, Relatório de Levantamento 018.149/2020-0, Plenário, Acórdão 3.230/2020, Rel. Ministro Bruno Dantas, j. 02/12/2020).
Segundo informação constante no acórdão do Tribunal de Contas da União, no caso de o parceiro público deter 49,99% da participação acionária da companhia, tal fato confere para a sociedade por ações de capital fechado então, o status de "sociedade privada", ou seja, "entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e cuja maioria do capital votante não pertença direta ou indiretamente à União, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município" (Decreto n. 8.945/2016, art. 2º, VI).
A natureza de sociedade privada, afirmada no mencionado decreto regulamentador da Lei n. 13.303/2016 (estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias), dispensa a edição de lei específica para que o parceiro público participe dela, bastando, para tanto, autorização conferida pelo conselho de administração decorrente da constatação de que a participação está em linha com o plano de negócios do ente estatal (Lei n. 13.303/2016, art. 2º, § 3º). Além disso, embora possua "sócio" minoritário público, não se exige da sociedade privada obediência ao regime de aquisição de bens e serviços por licitação, ou mesmo observância de concurso público para a contratação de pessoal, embora a lei imponha ao parceiro público minoritário que adote, no exercício do dever de fiscalização da companhia privada, práticas de governança e controle proporcionais à relevância, à materialidade e aos riscos do negócio (art. 1º, § 7º, caput).
Essas características essenciais da sociedade privada formada a partir de uma parceria estratégica entre empresas privadas e sociedade anônima controlada pelo Estado (parceiro minoritário) conduzem à conclusão de que, respeitado o critério legal previsto no art. 4º do Decreto-Lei n. 200/1967 ("A Administração Federal compreende: I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios. II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a) Autarquias; b) Empresas Públicas; c) Sociedades de Economia Mista. d) fundações públicas"), não há como se considerar a sociedade privada como sendo integrante da administração pública direta ou indireta.
O administrador da sociedade privada, por sua vez, não atua com vistas à satisfação de interesses públicos, mas sim ao atendimento dos interesses da companhia que administra, submetendo-se, com exclusividade, aos controles e responsabilidades previstos na Lei n. 6.404/1976, que rege toda e qualquer sociedade por ações, inclusive aquelas nas quais presente a participação societária minoritária por ente estatal. Dessa forma, ele não pode ser rotulado como agente público, mas sim privado, e não exerce função pública de direção, ainda quando tomada essa figura jurídica por seu sentido mais amplo.
Sendo assim, considerando-se a ratio decidendi da ADI 5.586/DF, os conceitos de função pública e agente público tal como doutrinariamente estabelecidos, bem como o arranjo societário que deu origem à sociedade privada parceira de ente público, conclui-se que o presidente desse tipo de sociedade não exerce "função pública de direção" tal como prevista no art. 11 da Lei n. 13.254/2016. Não incide, por conseguinte, o referido preceito legal a tal sociedade privada, de modo que esta não pode ser privada dos benefícios fiscais e tributários instituídos pelo RERCT.
Constituição Federal (CF), art. 37, V.
Lei n. 13.254/2016, art. 11.
Lei n. 8.112/1990, artigos 60-D, 93, § 6º, e 127.
Lei n. 13.303/2016, art. 1º, § 7º, "caput" e art. 2º, § 3º.
Decreto-Lei n. 200/1967, art. 4º.
Decreto n. 8.945/2016, art. 2º, VI.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 9/10/2024, DJe 11/10/2024.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
O mero fato de a autoridade policial ter obtido informação de que o aparelho celular já havia sido objeto de busca e apreensão declarada nula, em outra investigação policial, não tem o condão de contaminar de nulidade outras decisões judiciais supervenientes que determinem a busca e apreensão do mesmo telefone.
A controvérsia consiste em saber se o mero fato de a autoridade policial ter conhecimento prévio de informações acerca de aparelho celular (marca, modelo e número de série), já objeto de busca e apreensão declarada nula, em outra investigação policial, tem o condão de contaminar de nulidade outras decisões supervenientes que determinem a busca e apreensão do mesmo telefone.
No caso, as ordens de busca e apreensão proferidas por Juízos distintos, além de terem por mote desvendar a suspeita de cometimento de delitos diferentes praticados em épocas diversas, também foram amparadas em fundamentos autônomos que não guardam semelhança uns com os outros.
O mero fato de a autoridade policial ter obtido informação de que o aparelho celular já havia sido objeto de busca e apreensão declarada nula em outra investigação policial não tem o condão de contaminar de nulidade outras decisões judiciais supervenientes que determinem a busca e apreensão do mesmo telefone, até mesmo porque a informação a respeito do nome de marcas e modelos de aparelhos telefônicos não se insere no registro da proteção à intimidade da pessoa, nem na garantia da inviolabilidade dos dados e das comunicações telefônicas (art. 5º, inciso XII, da CF), que é vocacionada a proteger o conteúdo de mensagens, imagens e áudios existentes no aparelho celular.
Ademais, informações sobre a marca e modelo de um aparelho celular não se encontram acobertadas pela garantia constitucional da inviolabilidade dos dados e comunicações telefônicas (art. 5º, XII, CF), uma vez que tais informações poderiam ser obtidas pela autoridade policial sem a necessidade de prévia autorização judicial. Assim sendo, a eventual declaração de nulidade do mandado de busca e apreensão que autorizou o recolhimento do aparelho jamais teria o condão de projetar efeitos sobre informações não protegidas pelo sigilo constitucional.
Constituição Federal (CF), art. 5º, XII
REsp 2.165.124-DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/10/2024, DJe 17/10/2024.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
É possível a suspensão da execução de título extrajudicial até cumprimento integral de transação - realizada antes da citação do executado e na qual as partes concordaram com o sobrestamento condicionado ao referido cumprimento - sem caracterizar perda superveniente do interesse de agir do exequente no prosseguimento da execução.
A lei processual permite às partes a celebração de negócio jurídico processual, que pode envolver modificação de prazos ou mesmo a suspensão do andamento do feito.
A suspensão do trâmite possui limitação temporal a depender do tipo de processo, podendo as partes convencionarem a suspensão do feito - no âmbito do processo de conhecimento - por até seis meses, ou - em processo de execução - até o fim do prazo para cumprimento da obrigação constituída no acordo.
O interesse de agir decorrente da celebração de negócio jurídico processual de suspensão de processo executivo está no incentivo ao cumprimento do acordo pela parte contra a qual a condição de retomada do curso da ação corre, o devedor e executado - além da preservação do crédito exequendo no seu montante original e seus consectários decorrentes do reestabelecimento da mora quanto ao título extrajudicial original.
Equivocou-se o Tribunal de Origem ao entender que a celebração de acordo entre as partes antes da citação do executado não autoriza a suspensão de execução de título extrajudicial e, consequentemente, retira o interesse do exequente no prosseguimento da execução, permitindo a extinção do feito sem julgamento de mérito por ausência do referido pressuposto processual.
A simples notícia de acordo firmado entre as partes, em princípio, não implica em suspensão automática do curso processual, salvo se houver no acordo a celebração de negócio jurídico processual específico do sobrestamento do processo.
AgInt no REsp 2.056.198-PR, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, por maioria, julgado em 9/10/2024, DJe 17/10/2024.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
É inadmissível a interposição de recurso especial contra decisão que, embora fixe tese em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), tem origem em mandado de segurança denegado pelo Tribunal de origem.
Nos termos do art. 987 do CPC/2015, o recurso interposto contra acórdão proferido por Tribunal de origem no julgamento de IRDR deve ser processado de forma qualificada, sendo recebido como representativo de controvérsia.
Entretanto, no caso o recurso origina-se de ação mandamental que foi impetrada diretamente no Tribunal de origem e teve a segurança denegada.
Dessa forma, sob o argumento de inadmissibilidade do recurso especial interposto, deixou-se de submeter a questão controvertida ao rito dos recursos repetitivos. A decisão considerou que, sendo a lide primária um mandado de segurança denegado originalmente por Tribunal de Justiça, a parte impetrante deveria ter interposto o recurso ordinário previsto no art. 105, II, b, da Constituição Federal, recurso este que, por seu status constitucional, prevalece sobre o recurso especial.
Assim sendo, a controvérsia consiste em saber se o acórdão que a um só tempo denega mandado de segurança e julga o IRDR pode ser impugnado por recurso especial.
A despeito da disciplina do art. 987, caput, do CPC/2015, que possibilita o manejo do especial contra acórdão proferido em incidente de resolução de demanda repetitiva, tal dispositivo deve ser interpretado de maneira sistemática com o texto constitucional, de modo a conferir-lhe a máxima aplicação e efetivação, especialmente em função da aplicação do princípio da força normativa da Constituição.
Nesse contexto, tratando-se de recurso originado de ação mandamental impetrada diretamente no Tribunal de origem que teve a segurança denegada, tem-se, nos termos da alínea b do inciso II do art. 105 da Constituição Federal, que tal julgado deve ser atacado por recurso ordinário.
Constituição Federal (CF), art. 105, II, b
Código de Processo Civil (CPC), art. 987, caput
AgRg no RHC 193.928-SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 16/9/2024, DJe 18/9/2024.
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
O animus jocandi, em contexto de show de stand up comedy, exclui o dolo específico de discriminação e afasta a tipicidade da conduta prevista no art. 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
O encerramento prematuro da ação penal, bem como do inquérito policial, é medida excepcional, admitido apenas quando ficar demonstrada, de forma inequívoca e sem necessidade de incursão no acervo probatório, a atipicidade da conduta, a inépcia da denúncia, a absoluta falta de provas da materialidade do crime e de indícios de autoria, ou a existência de causa extintiva da punibilidade.
No caso, o inquérito policial foi instaurado para verificar se o acusado durante um show de comédia, ao contar uma piada sobre cadeirante, incidiu na conduta descrita no art. 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o qual dispõe que é crime "Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência".
Com efeito, o contexto retratado não revela por si só o dolo específico, mas, ao contrário, sua ausência. O fato de se tratar de um show de stand up comedy já denota a presunção do animus jocandi, sendo necessário, portanto, elementos no mínimo sugestionadores do dolo específico de discriminação, para que seja possível instaurar um inquérito, o que não se verifica na hipótese.
"Não há dúvida de que se trata de conduta em que o animus jocandi se fez presente [...]" (QC 2/DF, Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, DJe de 23/8/2023). "[...] a mera intenção de caçoar (animus jocandi), de narrar (animus narrandi), de defender (animus defendendi), de informar ou aconselhar (animus consulendi), de criticar (animus criticandi) ou de corrigir (animus corrigendi) exclui o elemento subjetivo e, por conseguinte, afasta a tipicidade [...]". (HC 234.134/MT, Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe de 16/11/2012).
Lei n. 13.146/2015, art. 88
REsp 2.066.642-MG, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 13/8/2024, DJe 4/10/2024.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Medidas protetivas de urgência. Natureza jurídica. Índole cível, satisfativa e inibitória. Alterações pela Lei n. 14.550/2023 com a inclusão dos §§ 5º e 6º no art. 19 da Lei Maria da Penha. Medidas protetivas não sujeita a prazo determinado. Possibilidade de fixação de prazo. Revogação Automática. Impossibilidade. Necessária oitiva da ofendida. Garantia de proteção contínua da vítima.
A revogação ou modificação das medidas protetivas de urgência demanda comprovação concreta da mudança nas circunstâncias que ensejaram sua concessão, não sendo possível a extinção automática baseada em presunção temporal.
Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de atribuir limite temporal à eficácia das medidas protetivas de urgência concedida em prol da vítima, sob a luz das recentes inovações legislativas.
A autonomia conferida às medidas protetivas de urgência, reforçada pelos §§ 5º e 6º do art. 19 da Lei n. 11.340/2006, sublinha a função inibitória dessas medidas, que visam a impedir a reincidência de atos de violência por meio da imposição de restrições específicas ao agressor. Simultaneamente, a dimensão satisfativa dessas medidas se manifesta na capacidade de proporcionar à vítima uma resposta jurídica eficaz e tempestiva, garantindo a sua segurança e integridade, independentemente da instauração de processos judiciais.
Diferentemente das medidas cautelares no espectro processual penal, as medidas protetivas instituídas pela Lei Maria da Penha não se sujeitam a uma determinação temporal para sua validade. Imperativo é que perdurem enquanto houver o temor de que o direito almejado esteja sob ameaça ou que a conduta de risco visada seja efetivada. Ao preconizar um termo para a duração das medidas protetivas, o julgador inadvertidamente restringe e debilita essa tutela, presumindo, sem a devida sustentação fática, que o contexto de risco findará pelo simples decurso do período estabelecido.
Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, no precedente firmado no REsp 2.036.072/MG, adota a interpretação de que a natureza jurídica das medidas protetivas se afasta da temporalidade fixa. Esta orientação impede que ocorra revogação sem um exame meticuloso quanto à persistência do estado de risco que fundamentou a aplicação das medidas protetivas, evitando assim expor a mulher a possíveis novas agressões.
Adicionalmente, diferentemente das medidas cautelares elencadas no art. 282 do CPP, a Lei n. 11.340/2006 não estipulou um lapso temporal para a vigência dessas medidas, tampouco impôs a obrigação de revisão periódica para sua continuidade. Sua vigência deve se estender enquanto subsistir a situação de perigo, uma vez que as medidas protetivas possuem validade enquanto perdurar a situação de risco e a decisão judicial que as determina submete-se à cláusula rebus sic stantibus, isto é, para sua eventual revogação ou modificação, mister se faz que o Juízo se assegure de que ocorreu a mudança do panorama fático e jurídico. No silêncio da vítima e do agressor, presume-se a continuidade da situação de risco, em alinhamento com o princípio interpretativo firmado no art. 4º da Lei n. 11.340/2006.
Contudo, com o objetivo de prevenir a prorrogação desnecessária das medidas protetivas de urgência, facultado está ao juízo, caso julgue apropriado, fixar um prazo específico, de acordo com as peculiaridades do caso, e revisar periodicamente a necessidade de manutenção das medidas protetivas estabelecidas. Este procedimento deve assegurar, invariavelmente, a oportunidade para a manifestação prévia das partes, antes da eventual cessação das medidas.
Nessa perspectiva, a jurisprudência desta Corte estabelece que a revogação das medidas protetivas de urgência exige a prévia oitiva da ofendida, procedimento essencial para avaliar a efetiva cessação da situação de risco à integridade física, moral, psicológica, sexual e patrimonial da vítima. (AgRg no REsp 1.775.341/SP, Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, DJe de 14/4/2023).
Lei n. 11.340/2006, art. 4º e art. 19, § 5º e § 6º
Código de Processo Penal(CPP), art. 282
AgRg no HC 717.984-SC, Rel. Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador convocado do TJSP), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 2/9/2024, DJe 4/9/2024.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
A fixação da competência da Justiça Federal para o julgamento do crime de racismo mediante divulgação de conteúdo em rede social exige a demonstração da natureza aberta do perfil que realizou a postagem, a fim de possibilitar a verificação da potencialidade de atingimento de pessoas para além do território nacional.
A competência da Justiça Federal para o julgamento do crime de racismo mediante divulgação de conteúdo em rede social depende da verificação da potencialidade de atingimento de pessoas para além do território nacional.
Ressalte-se que o critério utilizado por esta Corte de Justiça não é o da comprovação do efetivo atingimento de pessoas em território estrangeiro, mas sim de sua potencialidade.
Os precedentes do Superior Tribunal de Justiça consideram cumprido tal requisito quando a postagem, além de não se dirigir a pessoa determinada, mas a uma coletividade delas, é divulgada em perfis abertos de rede social, de potencial abrangência internacional - circunstância que não é consectário natural dos perfis fechados, com restrição de público visualizador.
Com efeito, "o perfil aberto no Facebook corresponde a meio de divulgação que permite que qualquer usuário do Facebook, seja no Brasil ou no exterior, tenha acesso ao conteúdo das falas, o que se revela suficiente para o reconhecimento da transnacionalidade do delito e para a fixação da competência da Justiça Federal para a condução do inquérito." (CC n. 204.372, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 25/04/2024).
Assim, para a fixação da competência da Justiça Federal, exige-se a demonstração efetiva da natureza aberta do perfil que realizou a postagem.
AgRg no RtPaut no REsp 2.125.449-SP, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 26/8/2024, DJe 29/8/2024.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
A realização do julgamento de forma virtual, mesmo com a oposição expressa da parte, não é, por si só, causa de nulidade ou cerceamento de defesa.
O pedido de retirada de pauta de julgamento virtual foi indeferido, uma vez que cabe à parte interessada proceder na conformidade do art. 184-B do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, encaminhando sua sustentação oral para o julgamento virtual em até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual.
Ressalte-se que o direito ao exercício da sustentação oral foi garantido e viabilizado na modalidade de julgamento virtual, com início do prazo para encaminhamento da sustentação oral após a publicação da inclusão em pauta de julgamento e término 48 horas antes do início da sessão.
Sobre o tema, note-se que "a jurisprudência desta corte firmou-se no sentido que não há, no ordenamento jurídico vigente, o direito de exigir que o julgamento ocorra por meio de sessão presencial. Portanto, o fato de o julgamento ter sido realizado de forma virtual, mesmo com a oposição expressa e tempestiva da parte, não é, por si só, causa de nulidade ou cerceamento de defesa. Ademais, mesmo nas hipóteses em que cabe sustentação oral, se o seu exercício for garantido e viabilizado na modalidade de julgamento virtual, não haverá qualquer prejuízo ou nulidade, ainda que a parte se oponha a essa forma de julgamento, porquanto o direito de sustentar oralmente as suas razões não significa o de, necessariamente, o fazer de forma presencial." (AgRg no HC 832.679/BA, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 18/4/2024).
Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ), art. 184-B.
A Seção de Informativo de Jurisprudência - SIJUR informa que, após a publicação da edição n. 832, retificou a nota referente ao AgRg no RHC 193.928-SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 16/9/2024, DJe 18/9/2024.
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