O segundo painel do seminário A saúde suplementar na visão do STJ tratou da Judicialização da Saúde Privada. Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, houve um crescimento desse processo após a Segunda Guerra Mundial, com um movimento de efetivação de direitos. “O Brasil sofreu ainda mais impacto por conta da Constituição Federal, que trouxe muitos direitos, mas não contou com a implementação de políticas adequadas para garanti-los”, explicou.
Salomão ressaltou a diferença entre judicialização e ativismo judicial. “A primeira é a maneira de efetivar direitos pela via judicial, no segundo há um comportamento expansivo, uma conduta que desborda da atuação judicial tradicional.” Para ele, esse ativismo cresce no país, pois há uma gama de juízes interpretando uma mesma lei, o que pode gerar, em muitos casos, imprevisibilidade e insegurança jurídica.
O ministro Villas Bôas Cueva destacou que a jurisprudência do STJ sobre saúde suplementar tem aderido à noção de deferência, que seria um subprincípio da separação dos poderes. Para ele, isso “estimula o Poder Judiciário a observar, quase sempre, os padrões técnicos definidos pelas agências encarregadas de regular determinada área de atividade econômica”.
Assim, na sua visão, a contribuição da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é fundamental para o STJ compreender o setor, que é muito complexo. Para ele, “esse diálogo é por vezes tenso, mas é sempre um diálogo e nunca um monólogo”.
Equilíbrio
Presidindo o painel, o ministro Marco Aurélio Bellizze falou sobre o papel das turmas de direito privado do STJ ao lidar com os temas relativos à saúde e a importância do seminário como espaço de diálogo entre diversos atores envolvidos nessas questões. “Hoje, o juiz está presente na sociedade para gerar um equilíbrio, e é por isso que estamos aqui reunidos”, afirmou.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, também compareceu ao painel e ressaltou a importância do seminário para a prestação jurisdicional. “Esse diálogo é extremamente importante para um setor que atinge milhões de pessoas e gera inúmeras demandas judiciais. Essa inter-relação é relevante para que o Poder Judiciário discuta a melhor forma de enfrentar as demandas e trazer melhores soluções para questões que envolvem aquilo que é mais valioso para todos nós, que é a nossa saúde”, disse.
Paradigmas
O diretor de desenvolvimento setorial da ANS, Rodrigo Aguiar, afirmou que as decisões do STJ têm criado paradigmas para a definição de políticas públicas da saúde suplementar. Ele tratou ainda da importância de os contratos seguirem os marcos regulatórios definidos pela agência, a fim de evitar aumentos de gastos e cenários imprevisíveis.
O professor José Carlos Abrahão, da Faculdade de Medicina Souza Marques e da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, falou sobre a integração entre o sistema de saúde público e o privado. Ele ressaltou a importância do seminário do STJ e da criação dos Núcleos de Apoio Técnico, que “permitem ao magistrado, na sua soberana decisão, ter subsídios técnicos para poder tomar a melhor decisão em prol da sociedade”.
Futuro e sustentabilidade
Ao iniciar os debates sobre o “Futuro da Saúde Suplementar: a Sustentabilidade do Sistema”, a presidente do painel, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que as questões de saúde têm prioridade absoluta em seu gabinete. “Nós precisamos ter um olhar muito especial, principalmente nós, julgadores, para que possamos tentar diminuir a dor do próximo.”
O ministro Marco Buzzi tratou dos problemas da saúde pública, entre os quais a falta de verbas, médicos e leitos. Para ele, na saúde suplementar, o quadro também é preocupante, uma vez que os reajustes dos planos têm sido maiores que a inflação, o que deixa o beneficiário em situação delicada.
Marco Buzzi apontou sugestões para enfrentar essa situação, como “adotar um modelo que puna desperdícios, recompense a performance e a eficiência”. Para ele, “deve-se pensar novos produtos para a saúde suplementar que estão dando bons resultados em outros países, como a coparticipação e a franquia”.
O superintendente jurídico da Unimed no Brasil, José Cláudio Ribeiro Oliveira, falou sobre o aumento dos gastos das prestadoras de plano de saúde, em especial fruto do aumento da frequência de consultas pelos beneficiários. Ele ressaltou que o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu a harmonização do interesse dos agentes da relação de consumo, pautado na boa-fé e no equilíbrio dessa relação, devendo haver mais responsabilidade entre os atores envolvidos no sistema de saúde suplementar.
Por fim, a diretora de fiscalização da ANS, Simone Freire, declarou que a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar depende de fatores como a garantia da autonomia técnica da agência e de uma melhor qualidade de serviço e de relacionamento entre os clientes e as prestadoras de planos de saúde.
Porvir delicado
A mesa de encerramento do evento foi presidida pelo ministro Antonio Carlos Ferreira e composta pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino, por Maria Stella Gregori, Mário César Scheffer e Arnaldo Hossepian Junior.
Mário César Scheffer, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), trouxe dados relevantes em relação ao aumento das demandas judiciais envolvendo o tema protocoladas no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que de janeiro a setembro deste ano recebeu mais de 24 mil processos sobre o assunto. “Aqui no STJ, somente no ano de 2018, foram julgados cerca de 9 mil processos referentes ao tema”, exemplificou.
Ele destacou que vivemos em um cenário em que há aumento de demandas judiciais e redução da quantidade de clientes de plano de saúde. “A população está insatisfeita com os serviços prestados atualmente, por isso é importante que o Judiciário e os agentes responsáveis pela regulação do setor estejam atentos a eventuais abusos nesse tipo de contratos”, afirmou o professor.
Maria Stella Gregori, advogada e diretora do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), indicou aspectos que devem estar presentes na saúde suplementar. Para ela, o futuro dessa forma de prestação de serviços de saúde depende da observância de alguns parâmetros, além de uma visão de que “o consumidor da saúde suplementar seja considerado pelo fornecedor um parceiro, um aliado, e jamais ser tratado com indiferença ou como um inimigo”.
Segundo ela, as situações que envolvem o tema devem ser vistas com um olhar mais humano, em que haja um diálogo aberto entre todos os atores envolvidos, com atenção a fatores éticos, de transparência das informações, boa-fé objetiva e legalidade.
“O diálogo é a principal ferramenta para a construção de práticas jurídicas e sociais adequadas, ele é a base de sustentação para o fortalecimento da democracia. Devemos deixar de ser conflituosos para ser mais cordiais uns com os outros. Dessa forma, o futuro da saúde suplementar está nas mãos de cada um de nós”, alertou Maria Stella.
Os encarregados do encerramento do evento foram o ministro Paulo de Tarso Sanseverino e Arnaldo Hossepian Júnior, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Arnaldo destacou que as críticas levantadas pelos palestrantes foram muito construtivas. Já o ministro Sanseverino elogiou o nível dos debates. “Tivemos quase uma audiência pública hoje”, celebrou.