O consumo de tabaco, especialmente na forma de cigarros, ainda é uma questão de saúde pública, econômica e jurídica que traz grandes desafios para o Judiciário. Essa questão é o tema do livro Direito e Saúde: o Caso do Tabaco, lançado na noite dessa terça (6), no Espaço Cultural STJ.
O volume reúne diversos artigos de médicos, juristas, sociólogos e outros especialistas sobre o tema. A obra é organizada por Adalberto de Souza Pasqualotto, Eugênio Facchini e Fernanda Nunes Barbosa.
Pacto de silêncio
Segundo o ministro Herman Benjamim, no caso do tabaco, houve um pacto de silêncio para proteger seus negócios. “As empresas de tabaco já dispunham de dados científicos indicando as consequências nocivas do cigarro e não os divulgaram. Mais ainda, tentaram silenciar cientistas independentes com uma publicidade agressiva, massiva e eficiente”, destacou.
Para o magistrado, trata-se de uma obra de interesse histórico que retrata a evolução da regulamentação jurídica do tabaco. “Isso é particularmente importante, já que essas técnicas de manipulação do público ainda são aplicadas hoje, nos mais diversos setores, inclusive na política”, afirmou Herman Benjamim.
Riscos para o consumidor
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino observou que essas questões também valem para o álcool e diversos alimentos. “O Estado tem o dever de informar os riscos para o consumidor. No caso do cigarro, a imensa maioria da população sabe que é um produto danoso, mas a questão da alimentação ainda é deixada em segundo plano”, alertou. Para ele, deveria haver mais atenção na publicidade de alimentos, especialmente a voltada para crianças.
Também esteve presente no evento o ministro Moura Ribeiro.
Papel do Estado
Uma das organizadoras do livro, a professora e advogada Fernanda Nunes Barbosa observou que a maior parte da jurisprudência indica uma responsabilidade objetiva das indústrias com o consumidor. “No caso das gigantes do tabaco, há uma grande desproporção de forças em relação ao consumidor e o Estado deve regulamentar. Isso é essencial, especialmente no caso de um produto viciante e danoso como o tabaco”, acrescentou.
Ela observou que a obra é multidisciplinar e na primeira parte são tratadas questões médicas e científicas. “Na segunda falamos das decisões internacionais e na terceira enfatizamos as experiências brasileiras”, esclareceu. Um ponto importante que Fernanda Nunes destacou é a de que ela não defende a criminalização do tabaco.“Eu por exemplo acredito que a canabis deveria ser legalizada, mas com uma regulamentação estrita. Na minha visão ela tem um potencial de dano semelhante ao tabaco, mas o estado deve, nos dois casos, fiscalizar e educar o público sobre esse potencial danoso”, explicou.
Marketing agressivo
Outro dos organizadores, o jurista e professor Adalberto de Souza Pasqualotto, informou que lida com o tema há muito tempo e participa de um grupo de pesquisa sobre o direito do consumidor. “O ‘Caso do Tabaco’ traz dois desafios. O primeiro a saúde pública, graças aos óbvios danos causados pelo cigarro. O segundo é o limite da responsabilidade das empresas e os efeitos sociais dos produtos”, observou.
Pasqualotto observou que do ponto de vista jurídico, o vício causado por esse produto diminui o livre arbítrio do consumidor. “A legislação brasileira responsabiliza as empresas por produtos com defeito. As gigantes do cigarro alegam que não há defeito no cigarro e o público já está informado dos danos. No nosso livro observamos que não é bem assim, pois essa indústria usa um marketing agressivo, especialmente voltada para jovens e adolescentes”, alertou.
Descontruindo o glamour
A médica e especialista em dependência da USP Stella Regina Martins é autora de um dos capítulos do livro, e acrescentou que o consumo precoce de drogas, incluindo o tabaco, diminui a capacidade de decisão do usuário. “A nicotina, o principal agente viciante do tabaco, precisa de um longo tempo para instalar a dependência, mas causa uma forte modificação nos neurónios, especialmente no sistema de recompensa e prazer do cérebro”, explicou.
Para a doutora Stella Regina, é importante desconstruir o glamour usado na propaganda tabagista. “Como em muitos casos, a educação é a melhor resposta para combater esse vício”, opinou.