É preciso que o cidadão confie nos métodos alternativos de solução de conflitos, sob pena de preferir uma maneira lenta de resolver a disputa, mas na qual saiba que haverá isenção. A avaliação é do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, ao sustentar que a redução do número de processos judiciais exige ousadia e uma mudança no modo de pensar da sociedade.
O ministro participou na manhã desta terça-feira (13) do painel Elementos de Judicialização de Conflitos de Consumo no Brasil, durante o I Seminário Ombudsman como Forma de Desjudicialização dos Conflitos na Relação de Consumo. Realizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pela FGV Projetos em parceria com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), o seminário pretende construir uma base para a implantação do serviço de ombudsman nos bancos brasileiros.
Viciados
Para o ministro, a universalização da Justiça se deu de forma atabalhoada no Brasil. “Veio o direito, sem a estrutura, sem a contrapartida”, avaliou. Alexandre de Moraes avaliou que, por vaidade, os atores da Justiça “gostam” da confiança que a população lhes deposita. O ministro adverte, porém, que a porta de entrada é gigantesca e aberta. “Por mais mecanismos que se coloquem, não vamos conseguir equacionar a porta de saída se não mudarmos a mentalidade”, pregou.
O ministro da Justiça questionou os efeitos práticos da Reforma do Judiciário. Para ele, foram criados mecanismos para suprir um vício do brasileiro: o processo. “De que adiantaram as súmulas vinculantes? Temos quase 700 repercussões gerais esperando para ser julgadas. Há congestionamento até de repercussão geral. Só em São Paulo temos mais de 200 mil processos esperando decisão. O quer era para acelerar, parou. Somos viciados em processo”, resumiu.
Repensar o sistema
O painel teve a mediação do ministro do STJ Villas Bôas Cueva, coordenador científico do evento. Ele disse que o sistema de Justiça no Brasil é vítima de um uso predatório. Para o ministro, é necessário voltar à ideia de exaurir a fase administrativa antes de ingressar na via judicial. “É preciso que haja uma pretensão resistida – isto é um elemento básico do processo. Temos que repensar nosso sistema de maneira dramática. Temos propostas, mas não temos coragem de implementá-las”, criticou o magistrado.
O conselheiro Gilvandro Araújo, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), analisou a interface do processo administrativo com as demandas judiciais de consumo. Ele avaliou que um dos grandes avanços seria a interação entre os agentes institucionais para a melhor defesa dos consumidores. Conforme o conselheiro, o consumidor pode ajuizar ação autônoma, mas se o fizer após a decisão administrativa, já traz aos autos prova do ilícito, o que lhe garante celeridade.
Negócio
Durante o painel, a professora da Universidade de São Paulo Maria Tereza Sadez alertou para o que chamou de fenômeno da hiperjudicialização. Ela citou pesquisa segundo a qual, depois do poder público, as questões de direito do consumidor são as que mais ocupam o Judiciário.
O advogado e professor Luciano Godoy, da Escola de Direito da FGV, entende que o fenômeno da macrojudicialização no Brasil é fruto de um “negócio”. Segundo Godoy, há uma resistência intrínseca do sistema, a começar pelas faculdades de direito. No Brasil, há mais faculdades de direito do que no resto do mundo. “São cerca de 1.300 contra 1.100 nos demais países do mundo somados”, afirmou.
O seminário segue durante a tarde, quando será elaborada uma proposta de autorregulação do ombudsman para o setor bancário.
O evento está sendo transmitido ao vivo pelo Canal do STJ no YouTube.