Em 3 de dezembro celebra-se o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Segundo dados de 2011 da Organização Mundial da Saúde (OMS), 1 bilhão de pessoas vivem com alguma deficiência em todo o mundo.
O servidor da Seção de Transcrição (ST/SOJ) Elinaldo Câmelo Paiva é uma dessas pessoas. Segundo deficiente visual a integrar o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ele entrou em 2008, e conta um pouco da sua história de vida.
Tudo começou aos poucos
Por volta dos 13 anos de idade, Elinaldo achava difícil enxergar durante a noite, quando jogava futebol e biloca. E percebeu que os amigos não sentiam o mesmo. Foi o início dos problemas na visão. Por cerca de três anos, Elinaldo não contou para ninguém que não conseguia mais enxergar como antes. Ele foi diagnosticado com uma doença degenerativa chamada retinose pigmentar – que ainda não tem cura – e passou a ver apenas alguns poucos vultos.
Desde então, sua trajetória foi marcada pela superação. Para Elinaldo, que tinha a visão normal, o surgimento da deficiência veio cercado de medo e inseguranças em relação ao futuro. “A retinose pigmentar é uma doença degenerativa ainda sem cura. Estão sendo realizadas pesquisas com células-tronco, mas na fase inicial. Geralmente, a pessoa nasce com a visão normal e, na maioria dos casos, a doença surge entre os dez e os 20 anos de idade. Foi o que aconteceu comigo”, lembra.
“Nunca me lamentei”
Inicialmente, o servidor teve dificuldades de enxergar à noite, depois não conseguia mais ler palavras escritas a lápis. Em seguida, não via mais o que estava escrito com caneta. Por fim, não lia nem palavras escritas em negrito, digitadas no computador.
“Enquanto eu perdia a visão, sentia vergonha. Nunca me acostumei a conversar com ninguém sobre o assunto. Então, me isolei e tentei empurrar o problema até onde pude. Eu pensava: ‘o que será de mim, perdendo a visão?’. Fiquei preocupado, porque queria trabalhar e estudar. No entanto, nunca me lamentei, nem pensei em fazer besteira”, garante.
Ainda sem saber como lidar com as mudanças, Elinaldo desistiu dos estudos. Sem concluir o ensino médio, ficou sem estudar ou trabalhar por três anos. Foi quando descobriu o Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais (CEEDV), e sua história começou a mudar. Lá ele conheceu sua esposa – que também tem deficiência visual –, uma professora de música, que, além de piano, ensinou algumas lições de braile; foi nessa escola que ele despertou para a possibilidade de ser aprovado em concursos públicos.
“Essa escola abriu todas as portas da minha vida. Fui para lá quando percebi que minha situação não estava boa. Fui para aprender braile. Na época, também conheci minha esposa, enquanto praticávamos um esporte chamado goalball. Ela estava na equipe feminina e eu, na masculina. Hoje, sou pai de dois filhos”, explica.
Dedicação aos estudos
Quando o primeiro filho do casal nasceu, surgiu o incentivo para que Elinaldo buscasse recursos para estudar para concursos públicos. Naquele momento, ele e sua esposa não trabalhavam e recebiam o benefício de prestação continuada para deficientes, que pagava um salário mínimo para cada um.
“Senti a necessidade de melhorar de vida, e só com os dois benefícios não seria possível. Descobri que a lei ampara os deficientes com uma porcentagem reservada de vagas nos órgãos públicos. Na escola onde eu estudava já existia um grupo de voluntários que davam aulas preparatórias para concursos públicos, e eu ingressei nessa turma”, recorda.
Além da turma preparatória para concursos, Elinaldo esforçou-se para estudar por conta própria, com a ajuda de aulas gravadas em fitas cassetes. “Eu tinha em torno de três ou quatro caixas de sapatos cheias de fitas. Assim, eu escutava as aulas e o conteúdo oferecido por colegas que frequentavam outros cursinhos. Eu estudava de manhã, à tarde e à noite. Muitas vezes, saía com meu filho dormindo e, quando voltava para casa, ele já estava dormindo de novo”, lembra.
STJ
O esforço resultou na aprovação nos concursos para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na Secretaria de Gestão do Distrito Federal e no Superior Tribunal de Justiça. “Passei no TJDFT, mas não cheguei a ser nomeado, porque foi na época em que descobriram uma máfia dos concursos. No TSE, todos os deficientes visuais foram reprovados na perícia médica. Quando fui chamado pela Secretaria de Gestão do DF, pude optar pela área de educação ou saúde. Então, trabalhei na escola onde estudava enquanto era aluno”, afirma.
Ao ser nomeado no STJ, Elinaldo lembra que ficou apreensivo em razão da reprovação na perícia do TSE. “Vim preocupado, mas, assim que cheguei, me elogiaram, me deram os parabéns e fui muito bem-recebido. Os colegas da minha sala também me ajudam muito. Para quem tem deficiência visual, é um pouco complicado vir ao STJ de ônibus, porque tem que ir para a rodoviária, e lá é problemático para quem não enxerga. Mas sou tão abençoado que tenho um amigo que mora na minha rua e também trabalha aqui. Então, venho junto com ele”, detalha.
Com sua história de superação, Elinaldo acredita que o importante para enfrentar os desafios é “ter sabedoria para entender as pessoas que querem seu bem. Às vezes, elas indicam caminhos, você não dá ouvidos, e era por lá que você deveria seguir. Em vez de reclamar e se lamentar, o importante é buscar o melhor para você”, recomenda.