A Constituição Federal de 88 estabelece, no parágrafo 6º do artigo 37, a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público e privado prestadoras de serviços públicos diante dos danos que seus agentes causarem a terceiros. Mudanças na administração pública introduziram a figura da concessionária ou permissionária de serviço público, pessoas jurídicas encarregadas das atividades de competência do Estado. Além disso, a responsabilidade estatal se estende a entidades da administração indireta, como as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as autarquias.
No Brasil, a delegação de serviços foi regulamentada pela Lei 8.987/95, na qual fica expresso que essas empresas prestam o serviço por sua conta e risco, e em caso de danos assumem a responsabilidade objetiva de repará-los. Com base na lei, o Estado responde por eventuais danos causados pelas concessionárias de forma subsidiária.
No STJ, são muitos os processos em tramitação que discutem esses temas, tanto nos colegiados de direito público quanto nos de direito privado. A obrigação de reparar, decorrente da responsabilidade civil, surge em diversas situações, como atropelamentos em rodovias cedidas, acidentes na rede elétrica e até mesmo a falta de peixes em um rio em razão da construção de uma usina hidrelétrica.
Dependendo da composição das demandas, elas podem ser julgadas na Primeira Seção do STJ (Primeira e Segunda Turmas, especializadas em direito público) ou na Segunda Seção (Terceira e Quarta Turmas, especializadas em direito privado).
Competência interna
A definição da competência interna para julgamentos relacionados à delegação de serviços foi tema de discussões no STJ. Em 2002, ao analisar a responsabilidade das sociedades de economia mista nesses casos, a Corte Especial entendeu que é seguido pelo Tribunal até hoje. Prevaleceu entre os magistrados a tese que tais questões devem ser decididas pela Segunda Seção. O argumento foi que a concessão de serviços pelo Estado para uma empresa significa esta assumir integral responsabilidade pelas ações.
“Mesmo exercendo atividades concedida pelo Estado, responde em nome próprio por seus atos, devendo reparar danos ou lesões causadas a terceiros. De efeito, a existência da concessão, por si, não o aprisiona diretamente nas obrigações de direito privado, uma vez que a atividade cedida é desempenhada livremente e sob a responsabilidade da empresa concessionária”, resume a ementa do julgamento do REsp 287.599.
Ao justificar o julgamento da Corte Especial, os ministros citaram que até aquela data (2002) o STJ havia proferido decisões sobre o assunto tanto nas turmas de direito público quanto nas de direito privado, sendo necessário estabelecer a competência interna.
Tal decisão, entretanto, não significa que cada processo envolvendo a responsabilização civil de prestadores de serviço público sejam julgados pelas turmas de direito privado. Além de casos nos quais a empresa prestadora é 100% pública, os recursos podem chegar às turmas de direito público também quando uma concessionária privada sofre processo de falência ou, por qualquer outro motivo, não pode honrar suas obrigações.
Responsabilidade solidária
Em determinados casos, mesmo a concessão integral dos serviços não é suficiente para afastar a responsabilidade solidária do Estado para responder pelos possíveis danos. Ao analisar um caso de danos ambientais decorrentes da poluição de rios no estado de São Paulo, a Segunda Turma do STJ decidiu que o município que firma convênio para serviços de água e esgoto com uma empresa é fiador deste convênio, não podendo excluir sua responsabilidade por eventuais danos causados.
“O município é responsável, solidariamente, com o concessionário de serviço público municipal, com quem firmou convênio para realização do serviço de coleta de esgoto urbano, pela poluição causada no Ribeirão Carrito, ou Ribeirão Taboãozinho”, afirmou na ocasião a ministra Nancy Andrighi, relatora para o acórdão.
Segundo o colegiado, não é possível excluir a responsabilidade do município nesses casos por ele ser fiador da regularidade da prestação dos serviços concedidos. Assim, se houve falha, houve omissão na fiscalização por parte do poder público (REsp 28.222). Esse julgamento é citado como paradigma para estabelecer a possibilidade de responsabilização solidária do Estado, mesmo nos casos em que o serviço foi concedido integralmente.
Responsabilidade subsidiária
A responsabilização do Estado também pode ser subsidiária, e pode surgir quando é comprovado que a concessionária não tem como arcar com a reparação devida. Nesses casos, o poder público assume a obrigação principal de indenizar ou reparar o dano.
Em 2010, a Segunda Turma negou um recurso do poder público porque, na visão dos ministros, não era possível esvaziar a responsabilidade subsidiária do Estado em um caso de falência da empresa concessionária do serviço.
Segundo o ministro Castro Meira, a prescrição em tais situações somente tem início após a configuração da responsabilidade subsidiária. Dessa forma, é inviável contar o prazo de prescrição desde o ajuizamento da demanda contra a concessionária (REsp 1.135.927).
“Há de se reconhecer que o termo a quo do lapso prescricional somente teve início no momento em que se configurou o fato gerador da responsabilidade subsidiária do poder concedente, in casu, a falência da empresa concessionária”, justificou o relator.
Teoria do risco
As empresas que firmam contratos para executar serviços como fornecimento de água ou energia, ou construção e conservação de rodovias, são responsabilizadas pelos possíveis danos na mesma proporção do poder público executando os mesmos serviços. Para o STJ, é aplicada a teoria de risco administrativo do negócio.
O ministro Villas Bôas Cueva resumiu o entendimento do tribunal no julgamento do REsp 1.330.027: “Quanto à ré, concessionária de serviço público, é de se aplicar, em um primeiro momento, as regras da responsabilidade objetiva da pessoa prestadora de serviços públicos, independentemente da demonstração da ocorrência de culpa. Isso porque a recorrida está inserta na Teoria do Risco, pela qual se reconhece a obrigação daquele que causar danos a outrem, em razão dos perigos inerentes a sua atividade ou profissão, de reparar o prejuízo”.
Ao julgar o REsp 1.095.575, a ministra Nancy Andrighi lembrou que, mesmo antes da introdução do Código Civil de 2002, já era reconhecida a responsabilidade objetiva da concessionária de serviços públicos, tendo em vista o risco inerente à atividade exercida.
Inversão da prova
O dever de indenizar pode ser afastado quando há provas de que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da vítima. Entretanto, devido à inversão do ônus da prova, cabe à concessionária de serviço público provar que não deu causa ao acidente.
Ao julgar o REsp 896.568, os ministros da Quarta Turma do STJ mantiveram a indenização de 100 salários mínimos a um homem que ficou incapacitado para o trabalho ao levar choque enquanto consertava a rede elétrica de uma casa.
Os ministros entenderam correta a interpretação do tribunal de origem ao considerar que a reparação era devida, já que não houve provas de que o acidente foi causado apenas por descuido do profissional. No caso, a companhia de energia do estado arcou com a indenização, pois não houve prova de que o defeito que levou à descarga elétrica não ocorreu na rede de transmissão de energia.
Em 2012, a Terceira Turma do STJ mandou retornar à instância de origem um processo para ser feita nova análise da conduta de uma concessionária de serviços públicos, dessa vez aplicando a inversão do ônus da prova.
Os ministros entenderam que, frente à alegação de que obras para a construção de uma hidrelétrica causaram danos ao meio ambiente, cabe à empresa comprovar que sua atividade não provocou tais danos.
No caso, pescadores reclamaram da falta de peixes na região devido às obras para a construção da hidrelétrica. O juízo de origem havia negado o pedido indenizatório por falta de provas. Os ministros entenderam que o julgamento só seria possível após a concessionária comprovar que sua conduta não foi a responsável (REsp 1.330.027).
Extensão da responsabilidade
A responsabilidade civil pode se estender para reparar danos causados a terceiros usuários e não usuários do serviço. Ao analisar um recurso sobre a indenização imposta a uma concessionária de rodovias decorrente de atropelamento, os ministros da Quarta Turma entenderam ser devida a indenização à família da vítima, apesar de esta não se enquadrar no conceito de usuário principal do serviço.
Nessas situações, quando é comprovado que o acidente não ocorreu por culpa exclusiva da vítima, surge a obrigação de indenizar o terceiro usuário. Em um dos processos analisados, os ministros concluíram que a falta de sinalização na rodovia foi fator determinante para o acidente. Dessa forma, o fato de a vítima supostamente ter feito uma travessia perigosa na rodovia não excluiu a obrigação de indenizar.
“O direito de segurança do usuário está inserido no serviço público concedido, havendo presunção de que a concessionária assumiu todas as atividades e responsabilidades inerentes ao seu mister”, afirmou o ministro Luis Felipe Salomão (REsp 1.268.743).
No mesmo julgamento, os ministros destacaram que o entendimento é válido tanto para o concessionário de serviço público quanto para o Estado diretamente.
“É firme o entendimento do STJ no sentido de que as concessionárias de serviços públicos concernentes a rodovias respondem, objetivamente, por qualquer defeito na prestação do serviço, pela manutenção da rodovia em todos os aspectos. Ademais, a jurisprudência do STJ reconhece a responsabilidade do Estado em situações similares, de modo que seria conferir tratamento diferenciado à concessionária o fato de não lhe atribuir responsabilidade no caso em tela”, afirmou o acórdão.
Matéria originalmente puclicada em 10 de novembro de 2017, no portal do STJ.