EMENTA
PROCESSUAL PENAL. PROVAS. AVERIGUAÇÃO DO ÍNDICE DE ALCOOLEMIA EM
CONDUTORES DE VEÍCULOS. VEDAÇÃO À AUTOINCRIMINAÇÃO. DETERMINAÇÃO DE
ELEMENTO OBJETIVO DO TIPO PENAL. EXAME PERICIAL. PROVA QUE SÓ PODE SER
REALIZADA POR MEIOS TÉCNICOS ADEQUADOS. DECRETO REGULAMENTADOR QUE PREVÊ
EXPRESSAMENTE A METODOLOGIA DE APURAÇÃO DO ÍNDICE DE CONCENTRAÇÃO DE
ÁLCOOL NO SANGUE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.
1. O entendimento adotado pelo Excelso Pretório, e encampado pela
doutrina, reconhece que o indivíduo não pode ser compelido a colaborar
com os referidos testes do 'bafômetro' ou do exame de sangue, em
respeito ao princípio segundo o qual ninguém é obrigado a se
autoincriminar (nemo tenetur se detegere). Em todas essas situações
prevaleceu, para o STF, o direito fundamental sobre a necessidade da
persecução estatal.
2. Em nome de adequar-se a lei a outros fins ou propósitos não se pode
cometer o equívoco de ferir os direitos fundamentais do cidadão,
transformando-o em réu, em processo crime, impondo-lhe, desde logo, um
constrangimento ilegal, em decorrência de uma inaceitável exigência não
prevista em lei.
3. O tipo penal do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro é formado,
entre outros, por um elemento objetivo, de natureza exata, que não
permite a aplicação de critérios subjetivos de interpretação, qual seja,
o índice de 6 decigramas de álcool por litro de sangue.
4. O grau de embriaguez é elementar objetiva do tipo, não configurando a
conduta típica o exercício da atividade em qualquer outra concentração
inferior àquela determinada pela lei, emanada do Congresso Nacional.
5. O decreto regulamentador, podendo elencar quaisquer meios de prova
que considerasse hábeis à tipicidade da conduta, tratou especificamente
de 2 (dois) exames por métodos técnicos e científicos que poderiam ser
realizados em aparelhos homologados pelo CONTRAN, quais sejam, o exame
de sangue e o etilômetro.
6. Não se pode perder de vista que numa democracia é vedado ao
judiciário modificar o conteúdo e o sentido emprestados pelo legislador,
ao elaborar a norma jurídica. Aliás, não é demais lembrar que não se
inclui entre as tarefas do juiz, a de legislar.
7. Falece ao aplicador da norma jurídica o poder de fragilizar os
alicerces jurídicos da sociedade, em absoluta desconformidade com o
garantismo penal, que exerce missão essencial no estado democrático. Não
é papel do intérprete-magistrado substituir a função do legislador,
buscando, por meio da jurisdição, dar validade à norma que se mostra de
pouca aplicação em razão da construção legislativa deficiente.
8. Os tribunais devem exercer o controle da legalidade e da
constitucionalidade das leis, deixando ao legislativo a tarefa de
legislar e de adequar as normas jurídicas às exigências da sociedade.
Interpretações elásticas do preceito legal incriminador, efetivadas
pelos juízes, ampliando-lhes o alcance, induvidosamente, violam o
princípio da reserva legal, inscrito no art. 5º, inciso II, da
Constituição de 1988: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei".
[...]
(REsp 1111566 DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Rel. p/
Acórdão Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO
TJ/RJ), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/03/2012, DJe 04/09/2012)