EMENTA
RECURSO ESPECIAL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS.
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. JULGAMENTO DA ADI 5.529/DF PELO STF. PERDA
PARCIAL DO OBJETO. PATENTES MAILBOX. SISTEMA TRANSITÓRIO. PRAZO DE
VIGÊNCIA. REGRA ESPECÍFICA. 20 ANOS CONTADOS DA DATA DO DEPÓSITO. INPI.
DESRESPEITO AO PRAZO LEGAL DE ANÁLISE. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS. AUSÊNCIA
DE PREVISÃO LEGAL. IMPOSIÇÃO DOS ÔNUS DECORRENTES DA DEMORA À SOCIEDADE.
AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE. VIOLAÇÃO DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA.
NÃO OCORRÊNCIA. ACORDO TRIPS. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO.
1- Incidente de resolução de demandas repetitivas instaurado em
22/3/2018. Recurso especial interposto em 27/11/2019 e concluso ao
Gabinete da Relatora em 28/5/2020.
2- Delimitação da tese controvertida: fixação do prazo de vigência e do
respectivo termo inicial das patentes mailbox (medicamentos e químicos)
à luz da legislação de propriedade industrial.
3- Por ocasião do julgamento da ADI 5.529/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a inconstitucionalidade da norma do parágrafo único do art. 40
da Lei de Propriedade Industrial, dispositivo que serviu de fundamento
para a concessão das patentes objeto das ações de nulidade que deram
ensejo à instauração do IRDR pelo Tribunal Regional Federal da 2ª
Região. A modulação dos efeitos dessa decisão não ressalvou as patentes
que tenham sido concedidas com extensão de prazo relacionadas a produtos
e processos farmacêuticos, bem como a equipamentos e/ou materiais de uso
em saúde, de modo que a ambas as situações se aplica o efeito ex tunc, o
que resulta na perda das extensões de prazo concedidas com base no
parágrafo único do art. 40 da LPI, devendo ser respeitados os prazos de
vigência das patentes estabelecidos no caput do art. 40 dessa lei.
4- Assim, em relação às patentes relacionadas a produtos e processos
farmacêuticos, bem como a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde, é
de se reconhecer a perda de objeto do presente recurso.
5- O sistema denominado mailbox consistiu em mecanismo transitório
adotado para salvaguarda de pedidos de patentes relacionadas a produtos
farmacêuticos e produtos agroquímicos, cuja tutela jurídica resultou da
internalização no País, em 1/1/1995, do Acordo TRIPS (Acordo sobre
Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao
Comércio).
6- Tratando-se de patentes excepcionalmente requeridas pelo sistema
mailbox, a Lei de Propriedade Industrial, em suas disposições finais e
transitórias, estabeleceu regra expressa assegurando proteção, a partir
da data da respectiva concessão, limitada ao prazo remanescente previsto
no caput do seu art. 40 (20 anos contados do dia do depósito),
circunstância que afasta, como corolário, a possibilidade de incidência
do prazo excepcional do respectivo parágrafo único (10 anos a partir da
concessão).
7- A norma que prescreve que o prazo de vigência de patente de invenção
não deve ser inferior a 10 anos da data de sua concessão está inserida
em capítulo da LPI que versa sobre regras gerais, aplicáveis ao sistema
ordinário de concessão de patentes, de modo que, à míngua de remição
legal específica, não irradia efeitos sobre matéria a qual foi conferido
tratamento especial pela mesma lei.
8- A LPI não prescreve quaisquer consequências para a eventualidade de a
análise dos pedidos de patente mailbox extrapolar o prazo nela fixado.
9- Conforme decidido pelo STF, a indeterminação do prazo contido no
parágrafo único do art. 40 da LPI gera insegurança jurídica e ofende o
próprio Estado Democrático de Direito.
10- Inexistência, na espécie, de violação à proteção da boa-fé e da
segurança jurídica. A um, porque a concessão da proteção patentária por
período de tempo em descompasso com o texto expresso da LPI não pode ser
considerada fonte de criação de expectativa legítima em seus titulares.
A dois, porque a questão jurídica posta a desate extrapola a mera
relação existente entre a autarquia e as sociedades empresárias
titulares de patentes, sendo certo que os efeitos dos atos
administrativos irradiam-se por todo o tecido social, não se afigurando
razoável impor pesados encargos à coletividade em benefício exclusivo de
interesses econômicos particulares.
11- De se destacar que - ao contrário do que defendido nas razões
recursais - a conclusão ora alcançada não viola o Acordo TRIPS, pois,
conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, o prazo de vigência
adicional a partir da concessão, conferido pelo parágrafo único do art.
40, sequer deriva desse tratado.
12- Ao titular da patente é assegurado, pelo art. 44 da LPI, o direito
de obter indenização por exploração indevida de seu objeto a partir da
data da publicação do pedido (e não apenas a partir do momento em que a
patente é concedida). Dessa forma, apesar da expedição tardia das
cartas-patente pelo INPI, as invenções não estiveram desprovidas de
amparo jurídico durante esse lapso temporal.
13- Para os fins do art. 927 do CPC/15, fixa-se a seguinte tese: O marco
inicial e o prazo de vigência previstos no parágrafo único do art. 40 da
LPI não são aplicáveis às patentes depositadas na forma estipulada pelo
art. 229, parágrafo único, dessa mesma lei (patentes mailbox).
[...]
(REsp 1869959 RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 27/04/2022, DJe 11/05/2022)