EMENTA RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. ART. 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NORMA DE CONTEÚDO HÍBRIDO (PROCESSUAL E PENAL). POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA A PROCESSOS EM CURSO NA DATA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI 13.964/2019, DESDE QUE AINDA NÃO TRANSITADA EM JULGADO A CONDENAÇÃO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DESTA CORTE. [...] 1. Recurso representativo de controvérsia, para atender ao disposto no art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 e na Resolução STJ n. 8/2008. 2. Delimitação da controvérsia: "(im)possibilidade de acordo de não persecução penal posteriormente ao recebimento da denúncia". 3. TESE: 3.1 - O Acordo de Não Persecução Penal constitui um negócio jurídico processual penal instituído por norma que possui natureza processual, no que diz respeito à possibilidade de composição entre as partes com o fim de evitar a instauração da ação penal, e, de outro lado, natureza material em razão da previsão de extinção da punibilidade de quem cumpre os deveres estabelecidos no acordo (art. 28-A, § 13, do Código de Processo Penal - CPP). 3.2 - Diante da natureza híbrida da norma, a ela deve se aplicar o princípio da retroatividade da norma penal benéfica (art. 5º, XL, da CF), pelo que é cabível a celebração de Acordo de Não Persecução Penal em casos de processos em andamento quando da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido feito antes do trânsito em julgado da condenação. 3.3 - Nos processos penais em andamento em 18/09/2024 (data do julgamento do HC n. 185.913/DF pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal), nos quais seria cabível em tese o ANPP, mas ele não chegou a ser oferecido pelo Ministério Público ou não houve justificativa idônea para o seu não oferecimento, o Ministério Público, agindo de ofício, a pedido da defesa ou mediante provocação do magistrado da causa, deverá, na primeira oportunidade em que falar nos autos, manifestar-se motivadamente acerca do cabimento ou não do acordo no caso concreto. 3.4 - Nas investigações ou ações penais iniciadas a partir de 18/09/2024, será admissível a celebração de ANPP antes do recebimento da denúncia, ressalvada a possibilidade de propositura do acordo, no curso da ação penal, se for o caso. [...] (REsp 1890343 SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 23/10/2024, DJe de 28/10/2024) (REsp 1890344 RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 23/10/2024, DJe de 28/10/2024)
EMENTA [...] PROCESSO PENAL E PROCESSO CIVIL. INTIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONTAGEM DOS PRAZOS. INÍCIO. NECESSIDADE DE REMESSA DOS AUTOS À INSTITUIÇÃO. INTIMAÇÃO E CONTAGEM DE PRAZO PARA RECURSO. DISTINÇÕES. PRERROGATIVA PROCESSUAL. NATUREZA DAS FUNÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PECULIARIDADES DO PROCESSO PENAL. REGRA DE TRATAMENTO DISTINTA. RAZOABILIDADE. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 18, II, "h", DA LC N. 75/1993 e 41, IV, DA LEI N. 8.625/1993. [...] 5. A distinção entre intimação do ato e início da contagem do prazo processual permite que se entenda indispensável - para o exercício do contraditório e a efetiva realização da missão constitucional do Ministério Público - que a fluência do prazo para a prática de determinado prazo peremptório somente ocorra a partir do ingresso dos autos na secretaria do órgão destinatário da intimação. [...] 6. Assim, a não coincidência entre a intimação do ato decisório (em audiência ou por certidão cartorial) e o início do prazo para sua eventual impugnação é a única que não sacrifica, por meio reflexo, os direitos daqueles que, no âmbito da jurisdição criminal, dependem da escorreita e eficiente atuação do Ministério Público (a vítima e a sociedade em geral). Em verdade, o controle feito pelo representante do Ministério Público sobre a decisão judicial não é apenas voltado à identificação de um possível prejuízo à acusação, mas também se dirige a certificar se a ordem jurídica e os interesses sociais e individuais indisponíveis - dos quais é constitucionalmente incumbido de defender (art. 127, caput, da CF) - foram observados, i.e., se o ato para o qual foi cientificado não ostenta ilegalidade a sanar, ainda que, eventualmente, o reconhecimento do vício processual interesse, mais proximamente, à defesa. 7. É natural que, nos casos em que haja ato processual decisório proferido em audiência, as partes presentes (defesa e acusação) dele tomem conhecimento. Entretanto, essa ciência do ato não permite ao membro do Ministério Público (e também ao integrante da Defensoria Pública) o exercício pleno do contraditório, seja porque o órgão Ministerial não poderá levar consigo os autos, seja porque não necessariamente será o mesmo membro que esteve presente ao ato a ter atribuição para eventualmente impugná-lo. [...] TESE: O termo inicial da contagem do prazo para impugnar decisão judicial é, para o Ministério Público, a data da entrega dos autos na repartição administrativa do órgão, sendo irrelevante que a intimação pessoal tenha se dado em audiência, em cartório ou por mandado. (REsp 1349935 SE, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/08/2017, DJe 14/09/2017)
EMENTA [...] FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS DE DEFENSOR DATIVO INDICADO PARA ATUAR EM PROCESSO PENAL. SUPERAÇÃO JURISPRUDENCIAL (OVERRULING). NECESSIDADE. VALORES PREVISTOS NA TABELA DA OAB. CRITÉRIOS PARA PRODUÇÃO DAS TABELAS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 22, § 1º E 2º, DO ESTATUTO CONSENTÂNEA COM AS CARACTERÍSTICAS DA ATUAÇÃO DO DEFENSOR DATIVO. INEXISTÊNCIA DE VINCULAÇÃO DA TABELA PRODUZIDA PELAS SECCIONAIS. [...] 1. [...] 2. O entendimento da Terceira Seção do STJ sobre a fixação dos honorários de defensor dativo demanda uma nova compreensão - a exemplo do que já ocorre nas duas outras Seções da Corte -, sobretudo para que se possa imprimir consistência e racionalidade sistêmica ao ordenamento, fincadas na relevante necessidade de definição de critérios mais isonômicos e razoáveis de fixação dos honorários, os quais, fundamentais para dar concretude ao acesso de todos à justiça e para conferir dignidade ao exercício da Advocacia, devem buscar a menor onerosidade possível aos cofres públicos. 3. Se a prestação de serviços públicos em geral depende da transferência de recursos obtidos da sociedade, é impositivo que tal captação se submeta a uma gestão orçamentária específica de gastos, que deverá ser orientada, sobretudo, pelos próprios princípios administrativos limitativos (entre os quais a economicidade e do equilíbrio das contas). 4. Há que se compatibilizar o postulado constitucional de universalização do acesso ao Judiciário, previsto no art. 5º, LXXIV - precipuamente quando o patrocínio do hipossuficiente é feito pela Defensoria Pública (art. 134 da CF) - com as hipóteses em que a própria deficiência estrutural dessa instituição obriga o Estado a socorrer-se de defensores dativos, situação em que ainda há prevalência do interesse público, isto é, do bem comum que se sobrepõe ao individual. 5. A inexistência de critérios para a produção das tabelas fornecidas pelas diversas entidades representativas da OAB das unidades federativas acaba por resultar na fixação de valores díspares pelos mesmos serviços prestados pelo advogado. Além disso, do confronto entre os valores indicados nas tabelas produzidas unilateralmente pela OAB com os subsídios mensais de um Defensor Público do Estado de Santa Catarina, constata-se total descompasso entre a remuneração por um mês de serviços prestados pelo Defensor Público e o que perceberia um advogado dativo, por atuação específica a um ou outro ato processual. 6. É indiscutível, ante a ordem constitucional vigente, que a atuação do defensor dativo é subsidiária à do defensor público. Não obstante, essa não é a realidade de muitos Estados da Federação, nos quais a atuação da advocacia dativa é francamente majoritária, sobretudo pelas inúmeras deficiências estruturais que ainda acometem as Defensorias Públicas. Nesse cenário, a relevância da participação da advocacia é reconhecida não só por constituir função indispensável à administração da justiça, mas também por ser elemento essencial para dar concretude à garantia fundamental de acesso à justiça. Tal situação, ao mesmo tempo que assegura a percepção de honorários pelos profissionais que atuam nessa qualidade, impõe equilíbrio e razoabilidade em sua quantificação. 7. O art. 22 do Estatuto da OAB assegura, seja por determinação em contrato, seja por fixação judicial, a contraprestação econômica indispensável à sobrevivência digna do advogado, hoje considerada pacificamente como verba de natureza alimentar (Súmula Vinculante n. 47 do STF). O caput do referido dispositivo trata, de maneira geral, do direito do advogado à percepção dos honorários. O parágrafo primeiro, por sua vez, cuida da hipótese de defensores dativos, aos quais devem ser fixados os honorários segundo a tabela organizada pela Seccional da OAB. Já o parágrafo segundo abarca as situações em que não há estipulação contratual dos honorários convencionais, de modo que a fixação deve se dar por arbitramento judicial. 8. A condição sui generis da relação estabelecida pelo advogado e o Estado, não só por se tratar de particular em colaboração com o Poder Público, mas também por decorrer de determinação judicial, a fim de possibilitar exercício de uma garantia fundamental da parte, implica a existência, ainda que transitória, de vínculo que o condiciona à prestação de uma atividade em benefício do interesse público. Em outras palavras, a hipótese do parágrafo primeiro abrange os casos em que não é possível celebrar, sem haver previsão legal, um contrato de honorários convencionais com o Poder Público. O parágrafo segundo, por sua vez, compreende justamente os casos em que, a despeito de possível o contrato de honorários convencionais, tal não se dá, por qualquer motivo. 9. O arbitramento judicial é a forma de se mensurarem, ante a ausência de contratação por escrito, os honorários devidos. Apesar da indispensável provocação judicial, não se confundem com os honorários de sucumbência, porquanto não possuem natureza processual e independem do resultado da demanda proposta. Especificamente para essa hipótese é que o parágrafo segundo prevê, diversamente do que ocorre com o parágrafo primeiro, que os valores a serem arbitrados não poderão ser inferiores aos previstos nas tabelas da Seccionais da OAB. Assim, há um tratamento explicitamente distinto para ambos os casos. 10. A utilização da expressão "segundo tabela organizada", prevista no primeiro parágrafo do art. 22 do Estatuto da OAB, deve ser entendida como referencial, visto que não se pode impor à Administração o pagamento de remuneração com base em tabela produzida unilateralmente por entidade representativa de classe de natureza privada, como contraprestação de serviços prestados, fora das hipóteses legais de contratação pública. Já a expressão "não podendo ser inferiores", contida no parágrafo segundo, objetiva resguardar, no arbitramento de honorários, a pretensão do advogado particular que não ajustou o valor devido pela prestação dos serviços advocatícios. 11. A contraprestação por esses serviços deve ser justa e consentânea com o trabalho desenvolvido pelo advogado, sem perder de vista que o próprio Código de Ética e Disciplina da OAB prevê, em seu art. 49, que os honorários profissionais devem ser fixados com moderação, levando em conta os diversos aspectos que orbitam o caso concreto. O referido dispositivo estabelece alguns critérios para conferir maior objetividade à determinação dos honorários, considerando elementos como a complexidade da causa e sua repercussão social, o tempo a ser empregado, o valor da causa, a condição econômica do cliente, a competência e a expertise do profissional em assuntos análogos. A intenção de se observarem esses critérios é a de que os honorários sejam assentados com razoabilidade, sem serem módicos a ponto de aviltarem a nobre função advocatícia, nem tampouco serem exorbitantes de modo a onerarem os cofres públicos e, consequentemente, a sociedade. 12. Na mesma linha se encontram as diretrizes preconizadas pelo Código de Processo Civil (art. 85, §§ 2º e 6º, do CPC), que, ao tratar de forma mais abrangente os honorários, prestigia o direito do advogado de receber a devida remuneração pelos serviços prestados no processo, sempre com apoio nas nuances de cada caso e no trabalho desempenhado pelo profissional. As balizas para o estabelecimento dos honorários podem ser extraídas do parágrafo segundo, o qual estabelece que caberá ao próprio juiz da demanda fixar a verba honorária, em atenção a todos os aspectos que envolveram a demanda. O parágrafo oitavo ainda preconiza que, "nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º". 13. Na linha de precedentes das Seções de Direito Público, a tabela de honorários produzida pela OAB deve servir apenas como referencial, sem nenhum conteúdo vinculativo, sob pena de, em alguns casos, remunerar, com idêntico valor, advogados com diferentes dispêndios de tempo e labor, baseado exclusivamente na tabela indicada pela entidade representativa. 14. [...] 15. [...] 16. Proposta a fixação das seguintes teses: 1ª) As tabelas de honorários elaboradas unilateralmente pelos Conselhos Seccionais da OAB não vinculam o magistrado no momento de arbitrar o valor da remuneração a que faz jus o defensor dativo que atua no processo penal; servem como referência para o estabelecimento de valor que seja justo e que reflita o labor despendido pelo advogado; 2ª) Nas hipóteses em que o juiz da causa considerar desproporcional a quantia indicada na tabela da OAB em relação aos esforços despendidos pelo defensor dativo para os atos processuais praticados, poderá, motivadamente, arbitrar outro valor; 3ª) São, porém, vinculativas, quanto aos valores estabelecidos para os atos praticados por defensor dativo, as tabelas produzidas mediante acordo entre o Poder Público, a Defensoria Pública e a seccional da OAB. 4ª) Dado o disposto no art. 105, parágrafo único, II, da Constituição da República, possui caráter vinculante a Tabela de Honorários da Justiça Federal, assim como tabelas similares instituídas, eventualmente, pelos órgãos competentes das Justiças dos Estados e do Distrito Federal, na forma dos arts 96, I, e 125, § 1º, parte final, da Constituição da República. (REsp 1665033/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 23/10/2019, DJe 04/11/2019) (REsp 1656322/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 23/10/2019, DJe 04/11/2019)
EMENTA RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL PENAL. TEMA 1.114. INVERSÃO DA ORDEM NO INTERROGATÓRIO DO RÉU. ART. 400 DO CPP. NULIDADE QUE SE SUJEITA À PRECLUSÃO TEMPORAL. ART. 571, INCISO II E ART. 572, AMBOS DO CPP E À DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO À DEFESA - ART. 563 DO CPP. [...] I - Em que pese haver entendimento nesta Corte Superior admitindo o interrogatório quando pendente de cumprimento carta precatória expedida para oitiva de testemunhas e da vítima, a jurisprudência majoritária nas Cortes superiores vem evoluindo e se sedimentando no sentido de que há nulidade ocasionada pela inversão da ordem prevista no art. 400 do CPP, no entanto, a alegação está sujeita à preclusão e à demonstração do efetivo prejuízo. II - Os parâmetros em aparente oposição são, portanto, o artigo 222, § 1°, do CPP e o art. 400 do mesmo diploma legal. Ao que se pode enfeixar a controvérsia, coloca-se em ponderação os princípios da celeridade processual e do devido processo legal, especialmente na sua dimensão da ampla defesa. III - A audiência de instrução e julgamento é o principal ato do processo, momento no qual se produzirão as provas, sejam elas testemunhais, periciais ou documentais, ao fim da qual, a decisão será proferida. Por esta razão, o art. 400 determina que a oitiva da vítima, das testemunhas arroladas pela acusação e depois pela defesa, nesta ordem, eventuais esclarecimentos de peritos, acareações, ou reconhecimento de coisas ou pessoas e, por fim, o interrogatório. Tal artigo, introduzido no ordenamento pela Lei n. 11.719, de 2008, significou a consagração e maximização do devido processo legal, notadamente na dimensão da ampla defesa e do contraditório, ao deslocar o interrogatório para o final da instrução probatória. IV - Na moderna concepção do contraditório, segundo a qual, a defesa deve influenciar a decisão judicial, somente se mostra possível a referida influência quando a resposta da defesa se embasar no conhecimento pleno das provas produzidas pela acusação. Somente assim se pode afirmar a observância ao devido processo legal na sua face do contraditório. V - Sob outro enfoque, ao réu incumbe arguir a nulidade na própria audiência ou no primeiro momento oportuno, salvo situação extraordinária em que deverá argumentar a excepcionalidade no primeiro momento em que tiver conhecimento da inversão da ordem em questão. Cabe também à defesa a demonstração do prejuízo concreto sofrido pelo réu, uma vez que se extrai do ordenamento, a regra geral segundo a qual, as nulidades devem ser apontadas tão logo se tome conhecimento delas, ou no momento legalmente previsto, sob pena de preclusão, tal como dispõe o art. 572 e incisos, do CPP. [...] [...] Tese jurídica: O interrogatório do réu é o último ato da instrução criminal. A inversão da ordem prevista no art. 400 do CPP tangencia somente à oitiva das testemunhas e não ao interrogatório. O eventual reconhecimento da nulidade se sujeita à preclusão, na forma do art. 571, I e II, do CPP, e à demonstração do prejuízo para o réu. [...] (REsp 1933759 PR, relator Ministro Messod Azulay Neto, Terceira Seção, julgado em 13/9/2023, DJe de 25/9/2023) (REsp 1946472 PR, relator Ministro Messod Azulay Neto, Terceira Seção, julgado em 13/9/2023, DJe de 25/9/2023)
EMENTA RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. AUDIÊNCIA DO ART. 16 DA LEI 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA). REALIZAÇÃO. NECESSIDADE DE PRÉVIA MANIFESTAÇÃO DO DESEJO DA VÍTIMA DE SE RETRATAR. IMPOSSIBILIDADE DE DESIGNAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO. [...] 2. Delimitação da controvérsia: "Definir se a audiência preliminar prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) é ato processual obrigatório determinado pela lei ou se configura apenas um direito da ofendida, caso manifeste o desejo de se retratar". 3. TESE: "A audiência prevista no art. 16 da Lei 11.340/2006 tem por objetivo confirmar a retratação, não a representação, e não pode ser designada de ofício pelo juiz. Sua realização somente é necessária caso haja manifestação do desejo da vítima de se retratar trazida aos autos antes do recebimento da denúncia". 4. Nos termos do art. 16 da Lei 11.340/2006, "nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público". 5. É imperativo que a vítima, sponte propria, revogue sua declaração anterior e leve tal revogação ao conhecimento do magistrado para que se possa cogitar da necessidade de designação da audiência específica prevista no art. 16 da Lei Maria da Penha. Pode-se mesmo afirmar que a intenção do legislador, ao criar tal audiência, foi a de evitar ou pelo menos minimizar a possibilidade de oferecimento de retratação pela vítima em virtude de ameaças ou pressões externas, garantindo a higidez e autonomia de sua nova manifestação de vontade em relação à persecução penal do agressor. 6. Não há como se interpretar a regra contida no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 como uma audiência destinada à confirmação do interesse da vítima em representar contra seu agressor, pois a letra da lei deixa claro que tal audiência se destina à confirmação da retratação. Como regra geral, o Direito Civil (arts. 107 e 110 do CC) já prevê que, exarada uma manifestação de vontade por indivíduo reputado capaz, consciente, lúcido, livre de erros de concepção, coação ou premente necessidade, tal declaração é válida até que sobrevenha manifestação do mesmo indivíduo em sentido contrário. Transposto o raciocínio para o contexto que circunda a violência doméstica, a realização de novo questionamento sobre a subsistência do interesse da vítima em representar contra seu agressor ganha contornos mais sensíveis e até mesmo agravadores do estado psicológico da vítima, na medida em que coloca em dúvida a veracidade de seu relato inicial, quando não raras vezes ela está inserida em um cenário de dependência emocional e/ou financeira, fazendo com que a ofendida se questione se vale a pena denunciar as agressões sofridas, enfraquecendo o objetivo da Lei Maria da Penha de garantir uma igualdade substantiva às mulheres que sofrem violência doméstica e até mesmo levando-as, desnecessariamente, a reviver os traumas decorrentes dos abusos. 7. De mais a mais, tomar como obrigatória e indispensável a realização da audiência do art. 16 da Lei 11.340/2006, com o único objetivo de confirmar representação já efetuada, implica estabelecer condição de procedibilidade não prevista na lei. Precedentes desta Corte. [...] (REsp 1964293 MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 8/3/2023, DJe de 29/3/2023) (REsp 1977547 MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 8/3/2023, DJe de 29/3/2023)
EMENTA RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. AMEAÇA NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LEI MARIA DA PENHA. APLICAÇÃO ISOLADA DA PENA DE MULTA. IMPOSSIBILIDADE. ART. 17 DA LEI N. 11.340/2006. EXEGESE. INTENÇÃO CLARA DO LEGISLADOR EM MAXIMIZAR A FUNÇÃO DE PREVENÇÃO GERAL DAS PENAS D ECORRENTES DE CRIMES PERPETRADOS NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILITAR CONTRA A MULHER. INTREPRETAÇÃO QUE IMPLICA A COMPREENSÃO DE QUE A VEDAÇÃO ABRANGE TAMBÉM A HIPÓTESE EM QUE A MULTA É PREVISTA COMO PENA AUTÔNOMA NO PRECEITO SECUNDÁRIO DO TIPO PENAL. [...] 1. A vedação constante do art. 17 da Lei n. 11.340/2006 consubstancia vontade clara do legislador de maximizar a função de prevenção geral das penas decorrentes de crimes perpetrados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, de modo a evidenciar à coletividade que a prática de agressão contra a mulher traz sérias consequências ao agente ativo, que vão além da esfera patrimonial, interpretação essa que implica a compreensão de que a proibição também abrange à hipótese em que a multa é prevista como pena autônoma no preceito secundário do tipo penal imputado. 2. [...] Acolhida a seguinte tese: A vedação constante do art. 17 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) obsta a imposição, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de pena de multa isoladamente, ainda que prevista de forma autônoma no preceito secundário do tipo penal imputado. (REsp 2049327 RJ, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 14/6/2023, DJe de 16/6/2023)
EMENTA PETIÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM. RECURSOS REPETITIVOS. TEMA N. 177. CRIME DE LESÕES CORPORAIS COMETIDOS CONTRA A MULHER NO ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR. NATUREZA DA AÇÃO PENAL. REVISÃO DO ENTENDIMENTO DAS TERCEIRA SEÇÃO DO STJ. ADEQUAÇÃO AO JULGAMENTO DA ADI N. 4.424/DF PELO STF E À SÚMULA N. 542 DO STJ. AÇÃO PÚBLICA INCONDICIONADA. 1. Considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, deve ser revisto o entendimento firmado pelo julgamento, sob o rito dos repetitivos, do REsp n. 1.097.042/DF, cuja quaestio iuris, acerca da natureza da ação penal nos crimes de lesão corporal cometidos contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, foi apreciada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em sentido oposto, já incorporado à jurisprudência mais recente deste STJ. 2. Assim, a tese fixada passa a ser a seguinte: a ação penal nos crimes de lesão corporal leve cometidos em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é pública incondicionada. 3. Questão de ordem acolhida a fim de proceder à revisão do entendimento consolidado por ocasião do julgamento do REsp n. 1.097.042/DF - Tema 177. (Pet 11805 DF, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/05/2017, DJe 17/05/2017) EMENTA RECURSO ESPECIAL REPETITIVO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. [...] 1. A ação penal nos crimes de lesão corporal leve cometidos em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é pública condicionada à representação da vítima. 2. O disposto no art. 41 da Lei 11.340/2006, que veda a aplicação da Lei 9.099/95, restringe-se à exclusão do procedimento sumaríssimo e das medidas despenalizadoras. 3. Nos termos do art. 16 da Lei Maria da Penha, a retratação da ofendida somente poderá ser realizada perante o magistrado, o qual terá condições de aferir a real espontaneidade da manifestação apresentada. [...] (REsp 1097042 DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2010, DJe 21/05/2010)
EMENTA [...] VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO MÍNIMA. [...] [...] 4. Entre diversas outras inovações introduzidas no Código de Processo Penal com a reforma de 2008, nomeadamente com a Lei n. 11.719/2008, destaca-se a inclusão do inciso IV ao art. 387, que, consoante pacífica jurisprudência desta Corte Superior, contempla a viabilidade de indenização para as duas espécies de dano - o material e o moral -, desde que tenha havido a dedução de seu pedido na denúncia ou na queixa. 5. Mais robusta ainda há de ser tal compreensão quando se cuida de danos morais experimentados pela mulher vítima de violência doméstica. Em tal situação, emerge a inarredável compreensão de que a fixação, na sentença condenatória, de indenização, a título de danos morais, para a vítima de violência doméstica, independe de indicação de um valor líquido e certo pelo postulante da reparação de danos, podendo o quantum ser fixado minimamente pelo Juiz sentenciante, de acordo com seu prudente arbítrio. 6. No âmbito da reparação dos danos morais - visto que, por óbvio, os danos materiais dependem de comprovação do prejuízo, como sói ocorrer em ações de similar natureza, a Lei Maria da Penha, complementada pela reforma do Código de Processo Penal já mencionada, passou a permitir que o juízo único - o criminal - possa decidir sobre um montante que, relacionado à dor, ao sofrimento, à humilhação da vítima, de difícil mensuração, deriva da própria prática criminosa experimentada. 7. Não se mostra razoável, a esse fim, a exigência de instrução probatória acerca do dano psíquico, do grau de humilhação, da diminuição da autoestima etc., se a própria conduta criminosa empregada pelo agressor já está imbuída de desonra, descrédito e menosprezo à dignidade e ao valor da mulher como pessoa. 8. Também justifica a não exigência de produção de prova dos danos morais sofridos com a violência doméstica a necessidade de melhor concretizar, com o suporte processual já existente, o atendimento integral à mulher em situação de violência doméstica, de sorte a reduzir sua revitimização e as possibilidades de violência institucional, consubstanciadas em sucessivas oitivas e pleitos perante juízos diversos. [...] 10. [...] TESE: Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória. (REsp 1643051 MS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/02/2018, DJe 08/03/2018) EMENTA [...] VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO MÍNIMA. [...] [...] 4. Entre diversas outras inovações introduzidas no Código de Processo Penal com a reforma de 2008, nomeadamente com a Lei n. 11.719/2008, destaca-se a inclusão do inciso IV ao art. 387, que, consoante pacífica jurisprudência desta Corte Superior, contempla a viabilidade de indenização para as duas espécies de dano - o material e o moral -, desde que tenha havido a dedução de seu pedido na denúncia ou na queixa. 5. Mais robusta ainda há de ser tal compreensão quando se cuida de danos morais experimentados pela mulher vítima de violência doméstica. Em tal situação, emerge a inarredável compreensão de que a fixação, na sentença condenatória, de indenização, a título de danos morais, para a vítima de violência doméstica, independe de indicação de um valor líquido e certo pelo postulante da reparação de danos, podendo o quantum ser fixado minimamente pelo Juiz sentenciante, de acordo com seu prudente arbítrio. 6. No âmbito da reparação dos danos morais - visto que, por óbvio, os danos materiais dependem de comprovação do prejuízo, como sói ocorrer em ações de similar natureza, a Lei Maria da Penha, complementada pela reforma do Código de Processo Penal já mencionada, passou a permitir que o juízo único - o criminal - possa decidir sobre um montante que, relacionado à dor, ao sofrimento, à humilhação da vítima, de difícil mensuração, deriva da própria prática criminosa experimentada. 7. Não se mostra razoável, a esse fim, a exigência de instrução probatória acerca do dano psíquico, do grau de humilhação, da diminuição da autoestima etc., se a própria conduta criminosa empregada pelo agressor já está imbuída de desonra, descrédito e menosprezo à dignidade e ao valor da mulher como pessoa. 8. Também justifica a não exigência de produção de prova dos danos morais sofridos com a violência doméstica a necessidade de melhor concretizar, com o suporte processual já existente, o atendimento integral à mulher em situação de violência doméstica, de sorte a reduzir sua revitimização e as possibilidades de violência institucional, consubstanciadas em sucessivas oitivas e pleitos perante juízos diversos. [...] 10. [...] TESE: Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória. (REsp 1675874 MS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/02/2018, DJe 08/03/2018)
EMENTA PROCESSUAL PENAL. PROVAS. AVERIGUAÇÃO DO ÍNDICE DE ALCOOLEMIA EM CONDUTORES DE VEÍCULOS. VEDAÇÃO À AUTOINCRIMINAÇÃO. DETERMINAÇÃO DE ELEMENTO OBJETIVO DO TIPO PENAL. EXAME PERICIAL. PROVA QUE SÓ PODE SER REALIZADA POR MEIOS TÉCNICOS ADEQUADOS. DECRETO REGULAMENTADOR QUE PREVÊ EXPRESSAMENTE A METODOLOGIA DE APURAÇÃO DO ÍNDICE DE CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL NO SANGUE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. 1. O entendimento adotado pelo Excelso Pretório, e encampado pela doutrina, reconhece que o indivíduo não pode ser compelido a colaborar com os referidos testes do 'bafômetro' ou do exame de sangue, em respeito ao princípio segundo o qual ninguém é obrigado a se autoincriminar (nemo tenetur se detegere). Em todas essas situações prevaleceu, para o STF, o direito fundamental sobre a necessidade da persecução estatal. 2. Em nome de adequar-se a lei a outros fins ou propósitos não se pode cometer o equívoco de ferir os direitos fundamentais do cidadão, transformando-o em réu, em processo crime, impondo-lhe, desde logo, um constrangimento ilegal, em decorrência de uma inaceitável exigência não prevista em lei. 3. O tipo penal do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro é formado, entre outros, por um elemento objetivo, de natureza exata, que não permite a aplicação de critérios subjetivos de interpretação, qual seja, o índice de 6 decigramas de álcool por litro de sangue. 4. O grau de embriaguez é elementar objetiva do tipo, não configurando a conduta típica o exercício da atividade em qualquer outra concentração inferior àquela determinada pela lei, emanada do Congresso Nacional. 5. O decreto regulamentador, podendo elencar quaisquer meios de prova que considerasse hábeis à tipicidade da conduta, tratou especificamente de 2 (dois) exames por métodos técnicos e científicos que poderiam ser realizados em aparelhos homologados pelo CONTRAN, quais sejam, o exame de sangue e o etilômetro. 6. Não se pode perder de vista que numa democracia é vedado ao judiciário modificar o conteúdo e o sentido emprestados pelo legislador, ao elaborar a norma jurídica. Aliás, não é demais lembrar que não se inclui entre as tarefas do juiz, a de legislar. 7. Falece ao aplicador da norma jurídica o poder de fragilizar os alicerces jurídicos da sociedade, em absoluta desconformidade com o garantismo penal, que exerce missão essencial no estado democrático. Não é papel do intérprete-magistrado substituir a função do legislador, buscando, por meio da jurisdição, dar validade à norma que se mostra de pouca aplicação em razão da construção legislativa deficiente. 8. Os tribunais devem exercer o controle da legalidade e da constitucionalidade das leis, deixando ao legislativo a tarefa de legislar e de adequar as normas jurídicas às exigências da sociedade. Interpretações elásticas do preceito legal incriminador, efetivadas pelos juízes, ampliando-lhes o alcance, induvidosamente, violam o princípio da reserva legal, inscrito no art. 5º, inciso II, da Constituição de 1988: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". [...] (REsp 1111566 DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Rel. p/ Acórdão Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/03/2012, DJe 04/09/2012)
EMENTA RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. VIOLAÇÃO DO ART. 579, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP. CONTROVÉRSIA ACERCA DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL AOS CASOS EM QUE, EMBORA CABÍVEL A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO, A PARTE IMPUGNA DECISÃO MEDIANTE APELAÇÃO. POSSIBILIDADE. QUESTÃO DECIDIDA NO JULGAMENTO DOS EDCL NO AGRG NOS EARESP N. 1.240.307/MT. ERRO GROSSEIRO. CIRCUNSTÂNCIA INAPTA A CARACTERIZAR, POR SI SÓ, A MÁ-FÉ PRECONIZADA NA NORMA PROCESSUAL (ART. 579 DO CPP). INTELIGÊNCIA DO ART. 80 DO CPC, APLICADO NA FORMA DO ART. 3º DO CPP. 1. No julgamento dos EDcl no AgRg nos EAREsp n. 1.240.307/MT, a Terceira Seção desta Corte, ao acolher o voto do Ministro Joel Ilan Paciornik, estabeleceu as seguintes conclusões: 1) a ausência de má-fé, enquanto pressuposto para aplicação do princípio da fungibilidade, não é sinônimo de erro grosseiro, devendo ser adotado o critério estabelecido em lei sobre o que se considera litigância de má-fé (art. 80 do CPC, c/c o art. 3º do CPP), de modo que é possível rechaçar a incidência do princípio da fungibilidade com base no erro grosseiro na escolha do recurso, desde que verificado o intuito manifestamente protelatório; 2) a tempestividade, considerando o prazo do recurso cabível, bem como o preenchimento dos demais pressupostos de admissibilidade do reclamo adequado, também consubstanciam requisitos para aplicação da fungibilidade, pois o parágrafo único do art. 579 do CPP traz requisito implícito para a aplicação do princípio da fungibilidade, qual seja, a possibilidade de processamento do recurso impróprio de acordo com o rito do recurso cabível, de modo que o princípio da fungibilidade não alcança as hipóteses em que a parte lança mão de recurso inapto para o fim que se almeja ou mesmo direcionado a órgão incompetente para reformar a decisão atacada, tal como no caso de oposição de embargos de declaração ou interposição de agravo interno em face da decisão que inadmite o recurso especial na origem. 2. Em suma, em sede processual penal, caso verificado que o recurso interposto, embora flagrantemente inadequado (erro grosseiro), foi interposto dentro do prazo do recurso cabível e ostenta os requisitos de admissibilidade daquele reclamo, sendo possível processá-lo de acordo com o rito do recurso cabível, é possível receber tal reclamo no lugar daquele que seria o adequado por força do princípio da fungibilidade recursal, desde que não se verifique intuito manifestamente protelatório, condição apta a caracterizar a má-fé (art. 80 do CPC, c/c o art. 3º do CPP) e a obstar a incidência da norma processual em comento (art. 579 do CPP). [...] 4. Recurso especial provido, fixada a seguinte tese: é adequada a aplicação do princípio da fungibilidade recursal aos casos em que, embora cabível recurso em sentido estrito, a parte impugna a decisão mediante apelação ou vice-versa, desde que observados a tempestividade e os demais pressupostos de admissibilidade do recurso cabível, na forma do art. 579, caput e parágrafo único, do Código de Processo Penal. (REsp 2082481 MG, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 11/9/2024, DJe de 13/9/2024)