EMENTA
INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA.
PRETENSÕES QUE ENVOLVAM SEGURADO E SEGURADOR E QUE DERIVEM DA RELAÇÃO JURÍDICA
SECURITÁRIA. PRAZO PRESCRICIONAL ÂNUO.
1. Nos termos da jurisprudência da Segunda Seção e da Corte Especial, o prazo
trienal do artigo 206, § 3º, inciso V, do Código Civil de 2002 adstringe-se às
pretensões de indenização decorrente de responsabilidade civil extracontratual -
inobservância do dever geral de não lesar -, não alcançando as pretensões
reparatórias derivadas do inadimplemento de obrigações contratuais [...].
2. Em relação ao que se deve entender por "inadimplemento contratual", cumpre
salientar, inicialmente, que a visão dinâmica da relação obrigacional - adotada
pelo direito moderno - contempla não só os seus elementos constitutivos, como
também as finalidades visadas pelo vínculo jurídico, compreendendo-se a
obrigação como um processo, ou seja, uma série de atos encadeados conducentes a
um adimplemento plenamente satisfatório do interesse do credor, o que não deve
implicar a tiranização do devedor, mas sim a imposição de uma conduta leal e
cooperativa das partes (COUTO E SILVA, Clóvis V. do. A obrigação como processo.
São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 5).
3. Nessa perspectiva, o conteúdo da obrigação contratual (direitos e obrigações
das partes) transcende as "prestações nucleares" expressamente pactuadas (os
chamados deveres principais ou primários), abrangendo, outrossim, deveres
secundários (ou acessórios) e fiduciários (ou anexos).
4. Sob essa ótica, a violação dos deveres anexos (ou fiduciários) encartados na
avença securitária implica a obrigação de reparar os danos (materiais ou morais)
causados, o que traduz responsabilidade civil contratual, e não
extracontratual, exegese, que, por sinal, é consagrada por esta Corte nos
julgados em que se diferenciam "o dano moral advindo de relação jurídica
contratual" e "o dano moral decorrente de responsabilidade extracontratual" para
fins de definição do termo inicial de juros de mora (citação ou evento danoso).
5. Diante de tais premissas, é óbvio que as pretensões deduzidas na presente
demanda - restabelecimento da apólice que teria sido indevidamente extinta, dano
moral pela negativa de renovação e ressarcimento de prêmios supostamente pagos
a maior - encontram-se intrinsecamente vinculadas ao conteúdo da relação
obrigacional complexa instaurada com o contrato de seguro.
6. Nesse quadro, não sendo hipótese de incidência do prazo prescricional de dez
anos previsto no artigo 205 do Código Civil de 2002, por existir regra
específica atinente ao exercício das pretensões do segurado em face do segurador
(e vice-versa) emanadas da relação jurídica contratual securitária, afigura-se
impositiva a observância da prescrição ânua (artigo 206, § 1º, II, "b", do
referido Codex) tanto no que diz respeito à pretensão de restabelecimento das
condições gerais da apólice extinta quanto em relação ao ressarcimento de
prêmios e à indenização por dano moral em virtude de conduta da seguradora
amparada em cláusula supostamente abusiva.
7. Inaplicabilidade do prazo prescricional quinquenal previsto no artigo 27 do
CDC, que se circunscreve às pretensões de ressarcimento de dano causado por fato
do produto ou do serviço (o chamado "acidente de consumo"), que decorre da
violação de um "dever de qualidade-segurança" imputado ao fornecedor como
reflexo do princípio da proteção da confiança do consumidor (artigo 12).
8. Tese firmada para efeito do artigo 947 do CPC de 2015: "É ânuo o prazo
prescricional para exercício de qualquer pretensão do segurado em face do
segurador - e vice-versa - baseada em suposto inadimplemento de deveres
(principais, secundários ou anexos) derivados do contrato de seguro, ex vi do
disposto no artigo 206, § 1º, II, "b", do Código Civil de 2002 (artigo 178, §
6º, II, do Código Civil de 1916)".
9. Tal proposição não alcança, por óbvio, os seguros-saúde e os planos de saúde
- dada a natureza sui generis desses contratos, em relação aos quais esta Corte
assentou a observância dos prazos prescricionais decenal ou trienal, a depender
da natureza da pretensão - nem o seguro de responsabilidade civil obrigatório (o
seguro DPVAT), cujo prazo trienal decorre de dicção legal específica (artigo
206, § 3º, inciso IX, do Código Civil), já tendo sido reconhecida pela Segunda
Seção a inexistência de relação jurídica contratual entre o proprietário do
veículo e as seguradoras que compõem o correlato consórcio (REsp 1.091.756/MG,
relator Ministro Marco Buzzi, relator para acórdão Ministro Marco Aurélio
Bellizze, Segunda Seção, julgado em 13.12.2017, DJe 5.2.2018).
[...]
(REsp 1303374 ES, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado
em 30/11/2021, DJe de 16/12/2021)