EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TARIFA DE ÁGUA E
ESGOTO. CONDOMÍNIO. MÚLTIPLAS UNIDADES AUTÔNOMAS DE CONSUMO (ECONOMIAS).
HIDRÔMETRO ÚNICO. METODOLOGIA DE CÁLCULO DA TARIFA. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL
CONSOLIDADO PELO STJ NO JULGAMENTO DO RESP 1.166.561/RJ (TEMA 414/STJ).
SUPERAÇÃO. RELEITURA DAS DIRETRIZES E FATORES LEGAIS DE ESTRUTURAÇÃO DA TARIFA
DE ÁGUA E ESGOTO, TAL COMO PREVISTOS NOS ARTS. 29 E 30 DA LEI 11.445/2007.
ANÁLISE CRÍTICA E COMPARATIVA DE TODAS AS METODOLOGIAS DE CÁLCULO DA TARIFA EM
DISPUTA. MÉTODOS DO CONSUMO REAL GLOBAL E DO CONSUMO REAL FRACIONADO (MODELO
HÍBRIDO) QUE NÃO ATENDEM AOS FATORES E DIRETRIZES DE ESTRUTURAÇÃO DA TARIFA.
ADEQUAÇÃO DO MÉTODO DO CONSUMO INDIVIDUAL PRESUMIDO OU FRANQUEADO. INEXISTÊNCIA
DE RAZÕES DE ORDEM JURÍDICA OU ECONÔMICA QUE JUSTIFIQUEM DISPENSAR AS UNIDADES
AUTÔNOMAS DE CONSUMO INSERIDAS EM CONDOMÍNIOS DOTADOS DE UM ÚNICO HIDRÔMETRO DO
PAGAMENTO DA COMPONENTE FIXA DA TARIFA, CORRESPONDENTE A UMA FRANQUIA INDIVIDUAL
DE CONSUMO. FIXAÇÃO DE NOVA TESE VINCULANTE. MODULAÇÃO PARCIAL DE EFEITOS. [...
]
[...]
2. A previsibilidade quanto às receitas futuras decorrentes da execução dos
serviços de saneamento é obtida por meio da estruturação em duas etapas da
contraprestação (tarifa) devida pelos serviços prestados: a primeira, por meio
da outorga de uma franquia de consumo ao usuário (parcela fixa da tarifa
cobrada); e a segunda, por meio da cobrança pelo consumo eventualmente excedente
àquele franqueado, aferido por meio do medidor correspondente (parcela variável
da tarifa).
[...]
5. A análise crítica e comparativa das metodologias de cálculo da tarifa de água
e esgoto de condomínios dotados de um único hidrômetro permite afirmar que os
métodos do consumo real global e do consumo real fracionado (mais conhecido como
"modelo híbrido") não atendem aos fatores e diretrizes de estruturação da
tarifa previstos nos arts. 29 e 30 da Lei 11.445/2007, criando assimetrias no
modelo legal de regulação da prestação dos serviços da área do saneamento básico
que ora colocam o condomínio dotado de um único hidrômetro em uma posição de
injustificável vantagem jurídica e econômica (modelo híbrido), ora o colocam em
uma posição de intolerável desvantagem, elevando às alturas as tarifas a partir
de uma ficção despropositada, que toma o condomínio como se fora um único
usuário dos serviços, os quais, na realidade, são usufruídos de maneira
independente por cada unidade condominial.
6. Descartadas que sejam, então, essas duas formas de cálculo das tarifas para
os condomínios dotados de um único hidrômetro, coloca-se diante do Tribunal um
estado de coisas desafiador, dado que a metodologia remanescente (consumo
individual presumido ou franqueado), que permitiria ao prestador dos serviços de
saneamento básico exigir de cada unidade de consumo (economia) do condomínio
uma "tarifa mínima" a título de franquia de consumo, vem a ser justamente aquela
considerada ilícita nos termos do julgamento que edificou o Tema 414/STJ (REsp
1.166.561/RJ). Não se verifica, entretanto, razão jurídica ou econômica que
justifique manter o entendimento jurisprudencial consolidado quando do
julgamento, em 2010, do REsp 1.166.561/RJ, perpetuando-se um tratamento
anti-isonômico entre unidades de consumo de água e esgoto baseado exclusivamente
na existência ou inexistência de medidor individualizado, tratamento esse que
não atende aos fatores e diretrizes de estruturação tarifária estabelecidos nos
arts. 29 e 30 da Lei 11.445/2007.
7. Teses jurídicas de eficácia vinculante, sintetizadoras da ratio decidendi
deste julgado paradigmático de superação do REsp 1.166.561/RJ e de revisão do
Tema 414/STJ:
"1. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um
único hidrômetro é lícita a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida
pela prestação dos serviços de saneamento por meio da exigência de uma parcela
fixa ("tarifa mínima"), concebida sob a forma de franquia de consumo devida por
cada uma das unidades consumidoras (economias); bem como por meio de uma segunda
parcela, variável e eventual, exigida apenas se o consumo real aferido pelo
medidor único do condomínio exceder a franquia de consumo de todas as unidades
conjuntamente consideradas.
2. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um
único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida
pela prestação dos serviços de saneamento que, utilizando-se apenas do consumo
real global, considere o condomínio como uma única unidade de consumo (uma única
economia).
3. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um
único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida
pela prestação dos serviços de saneamento que, a partir de um hibridismo de
regras e conceitos, dispense cada unidade de consumo do condomínio da tarifa
mínima exigida a título de franquia de consumo."
8. Evolução substancial da jurisprudência que bem se amolda à previsão do art.
927, § 3º, do CPC, de modo a autorizar a parcial modulação de efeitos do
julgamento, a fim de que às prestadoras dos serviços de saneamento básico seja
declarado lícito modificar o método de cálculo da tarifa de água e esgoto nos
casos em que, por conta de ação revisional de tarifa ajuizada por condomínio,
esteja sendo adotado o "modelo híbrido". Entretanto, fica vedado, para fins de
modulação e em nome da segurança jurídica e do interesse social, que sejam
cobrados dos condomínios quaisquer valores pretéritos por eventuais pagamentos a
menor decorrentes da adoção do chamado "modelo híbrido".
9. Nos casos em que a prestadora dos serviços de saneamento básico tenha
calculado a tarifa devida pelos condomínios dotados de medidor único tomando-os
como um único usuário dos serviços (uma economia apenas), mantém-se o dever de
modificar o método de cálculo da tarifa, sem embargo, entretanto, do direito do
condomínio de ser ressarcido pelos valores pagos a maior e autorizando-se que a
restituição do indébito seja feita pelas prestadoras por meio de compensação
entre o montante restituível com parcelas vincendas da própria tarifa de
saneamento devida pelo condomínio, até integral extinção da obrigação,
respeitado o prazo prescricional. Na restituição do indébito, modulam-se os
efeitos do julgamento de modo a afastar a dobra do art. 42, parágrafo único, do
CDC, à compreensão de que a dinâmica da evolução jurisprudencial relativa ao
tema conferiu certa escusabilidade à conduta da prestadora dos serviços.
[...]
(REsp 1937887 RJ, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção,
julgado em 20/6/2024, DJe de 25/6/2024.)
(REsp 1937891 RJ, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção,
julgado em 20/6/2024, DJe de 25/6/2024)
TESE ANTERIOR:
EMENTA
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. FORNECIMENTO DE ÁGUA. TARIFA
MÍNIMA MULTIPLICADA PELO NÚMERO DE UNIDADES AUTÔNOMAS (ECONOMIAS). EXISTÊNCIA DE
ÚNICO HIDRÔMETRO NO CONDOMÍNIO.
1. A cobrança pelo fornecimento de água aos condomínios em que o consumo total
de água é medido por único hidrômetro deve se dar pelo consumo real aferido.
2. O Superior Tribunal de Justiça firmou já entendimento de não ser lícita a
cobrança de tarifa de água no valor do consumo mínimo multiplicado pelo número
de economias existentes no imóvel, quando houver único hidrômetro no local.
3. Recurso especial improvido. Acórdão sujeito ao procedimento do artigo 543-C
do Código de Processo Civil.
(REsp 1166561 RJ, relator Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, julgado
em 25/8/2010, DJe de 5/10/2010)