Ministro RIBEIRO DANTAS (1181)
S3 - TERCEIRA SEÇÃO
20/06/2024
DJe 02/07/2024
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTO SIMPLES. AUTORIA DELITIVA EMBASADA NA CONFISSÃO INFORMAL EXTRAJUDICIAL E EM RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. DESCABIMENTO. INADMISSIBILIDADE DA CONFISSÃO COLHIDA INFORMALMENTE E FORA DE UM ESTABELECIMENTO ESTATAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 5º, III, DA CR/1988 E 157, 199 E 400, § 1º, DO CPP. INVIABILIDADE, ADEMAIS, DE A CONFISSÃO DEMONSTRAR, POR SI SÓ, QUALQUER ELEMENTO DO CRIME. NECESSIDADE DE CORROBORAÇÃO DA HIPÓTESE ACUSATÓRIA POR OUTRAS PROVAS. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 155, 156, 158, 197 E 200 DO CPP. MITIGAÇÃO DO RISCO DE FALSAS CONFISSÕES E CONDENAÇÕES DE INOCENTES. AGRAVO CONHECIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL, A FIM DE ABSOLVER O RÉU.
1. O acusado foi condenado pela prática do crime de furto simples, tendo como únicos elementos de prova (I) a confissão informal, extraída pelos policiais no momento da prisão, e (II) o reconhecimento fotográfico. O bem furtado não foi encontrado em sua posse, e um vídeo de câmera de segurança que registrava o momento do crime não foi juntado ao inquérito ou ao processo por inércia da polícia, perdendo-se ao final.
2. Diversos estudos independentes, nacionais e internacionais, demonstram que a prática da tortura ainda é comum no Brasil e que o tema nem sempre recebe a devida consideração por parte das autoridades estatais.
3. A confissão extrajudicial é colhida no momento de maior risco de ocorrência da tortura-prova, pois o investigado está inteiramente nas mãos da polícia, sem que exista atualmente nenhum mecanismo de controle efetivo para preveni-la. Conclusões corroboradas, novamente, por uma miríade de estudos, inclusive do CNJ, da ONU e da CIDH.
4. Diante do risco de tortura e da inexistência de meios capazes de desestimulá-la, a admissão da confissão extrajudicial exige que esteja garantida - e não apenas presumida - a licitude do seu modo de obtenção. Para tanto, a confissão extrajudicial somente será admissível no processo penal se feita formalmente e de maneira documentada, dentro de um estabelecimento estatal público e oficial.
Inteligência dos arts. 5º, III, da CR/1988; e 157, 199 e 400, § 1º, do CPP.
5. A confissão não implica necessariamente a condenação do réu ou o proferimento de qualquer decisão em seu desfavor. Afinal, como toda prova, a confissão ainda precisa ser valorada pelo juiz, com critérios que avaliem sua força para provar determinado fato.
6. Apesar de contraintuitivo, o fenômenos das falsas confissões é amplamente documentado na literatura internacional e comprovado por levantamentos estatísticos sólidos. Cito, por todos, dados do Innocence Project (de 375 réus inocentados por exame de DNA de 1989 a 2022, 29% tinham confessado os crimes que lhes foram imputados) e do National Registry of Exonerations (no mesmo período, de 3.060 condenações revertidas, 365 tinham réus confessos) dos EUA.
7. Pessoas inocentes confessam falsamente por diversas razões, desde vulnerabilidades etárias, mentais e socioeconômicas ao uso de técnicas de interrogatório sugestivas, enganadoras e pouco confiáveis por parte da polícia. 8. É essencial que o Ministério Público exerça de maneira efetiva o controle externo da atividade policial (art. 129, VII, da CR/1988), fiscalizando com rigor o nível de qualidade das investigações e do trato das fontes de prova.
9. Amparada a condenação do réu unicamente em duas provas inadmissíveis (a confissão extrajudicial informal, não documentada e sem nenhuma garantia da licitude de seu modo de obtenção, bem como no reconhecimento fotográfico viciado), segundo o quadro fático estabelecido no acórdão recorrido, a absolvição é necessária.
10. A polícia violou também o art. 6º, II e III, do CPP quando inexplicavelmente deixou de preservar uma cópia do vídeo da câmera de segurança que registrou o momento do furto, mesmo estando a mídia à sua disposição. Em virtude dessa inércia, quando o Ministério Público tentou obter cópia das filmagens meses depois, o vídeo já havia sido perdido. Injustificável perda da chance probatória.
11. Teses fixadas:
11.1: A confissão extrajudicial somente será admissível no processo judicial se feita formalmente e de maneira documentada, dentro de um estabelecimento estatal público e oficial. Tais garantias não podem ser renunciadas pelo interrogado e, se alguma delas não for cumprida, a prova será inadmissível. A inadmissibilidade permanece mesmo que a acusação tente introduzir a confissão extrajudicial no processo por outros meios de prova (como, por exemplo, o testemunho do policial que a colheu).
11.2: A confissão extrajudicial admissível pode servir apenas como meio de obtenção de provas, indicando à polícia ou ao Ministério Público possíveis fontes de provas na investigação, mas não pode embasar a sentença condenatória.
11.3: A confissão judicial, em princípio, é, obviamente, lícita.
Todavia, para a condenação, apenas será considerada a confissão que encontre algum sustento nas demais provas, tudo à luz do art. 197 do CPP.
12. A aplicação dessas teses fica restrita aos fatos ocorridos a partir do dia seguinte à publicação deste acórdão no DJe. Modulação temporal necessária para preservar a segurança jurídica (art. 927, § 3º, do CPC).
13. Ainda que sejam eventualmente descumpridos seus requisitos de validade ou admissibilidade, qualquer tipo de confissão (judicial ou extrajudicial, retratada ou não) confere ao réu o direito à atenuante respectiva (art. 65, III, "d", do CP) em caso de condenação, mesmo que o juízo sentenciante não utilize a confissão como um dos fundamentos da sentença. Orientação adotada pela Quinta Turma no julgamento do REsp 1.972.098/SC, de minha relatoria, em 14/6/2022, e seguida nos dois colegiados desde então.
14. Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial, a fim de absolver o réu.
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA SEÇÃO, por unanimidade, conhecer do recurso para dar provimento ao recurso especial, a fim de absolver o réu, fixadas as teses quanto à valoração da confissão, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Messod Azulay Neto, Daniela Teixeira, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Antonio Saldanha Palheiro.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Joel Ilan Paciornik.
Apresenta informações extraídas do inteiro teor sobre teses que foram decididas no acórdão e que não constam da ementa.
"[...] a controvérsia devolvida pela defesa a este STJ, como detalharei adiante, prescinde do reexame dos fatos e provas da causa. Basta, aqui, aferir se o caminho probatório traçado pelas instâncias ordinárias seguiu as exigências legais de admissão e valoração da prova, algo que não encontra óbice na Súmula 7/STJ".
(VOTO VISTA) (JOEL ILAN PACIORNIK)
"[...] divirjo da proposta de se condicionar a admissibilidade da confissão extrajudicial à observância de requisitos extralegais, como a gravação audiovisual do interrogatório, bem como da proposição de se reduzir, abstrata e genericamente, a capacidade probatória da confissão judicial, exigindo-se a presença de outras provas que, por si, sustentem o édito condenatório. Por entender que a adoção desse posicionamento representaria um absoluto esvaziamento do valor probatório da confissão e uma afronta aos arts. 6º, V, 197 e 200, todos do CPP, e ao sistema valorativo da persuasão racional, proponho, em substituição, o que segue: (i) a confissão informal, transportada aos autos como meio de prova indireto (testemunho deouvir dizer), tem valor relativo e mitigado;
(ii) a confissão extrajudicial, atendidos os requisitos legais, é admissível e deve ser valorada como elemento informativo; (iii) a confissão judicial é prova e deve ser valorada de acordo com critérios racionais de coerência interna e externa, em conjunto com o exame global do material probatório, podendo, no caso concreto, vir a fundamentar isoladamente uma condenação".
Lista os atos normativos que espelham as teses apreciadas e os fundamentos do acórdão.
LEG:FED DEL:002848 ANO:1940
***** CP-40 CÓDIGO PENAL
ART:00065 INC:00003 LET:D
LEG:FED DEL:003689 ANO:1941
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
ART:00006 INC:00002 ART:00157 ART:00197 ART:00199
ART:00200 ART:00226 ART:00302 ART:00386 INC:00005
ART:00400 PAR:00001
LEG:FED SUM:****** ANO:****
***** SUM(STJ) SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
SUM:000007
LEG:FED CFB:****** ANO:1988
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
ART:00005 INC:00003 ART:00129 INC:00007
LEG:FED LEI:013105 ANO:2015
***** CPC-15 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
ART:00927 PAR:00003
Lista decisões, informativos e repositórios jurisprudenciais que fundamentam o entendimento adotado pelos ministros nos seus votos. Permite a visualização das decisões por meio de links.