Em discurso alusivo ao Dia Internacional da Mulher, a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Laurita Vaz, afirmou que as brasileiras têm experimentado um progresso social inegável nos últimos anos, mas apesar disso “a seara política parece ainda envolta por uma crosta de conservadorismo” que dificulta seu acesso a postos de comando.
As considerações da ministra foram feitas no dia 8 de março desse ano na palestra inaugural do Curso de Extensão Cultural da Mulher, realizado no auditório da Poupex, no Setor Militar Urbano de Brasília. O vice-presidente do tribunal, ministro Humberto Martins, também participou do evento.
Falando a uma plateia formada por servidoras civis e militares das Forças Armadas, esposas e dependentes de militares, a ministra – primeira mulher a presidir o STJ – abordou o tema “Mulheres vencendo barreiras”.
Segundo ela, nas últimas décadas, aconteceu uma verdadeira revolução social que transformou o papel da mulher brasileira e permitiu maior participação delas nos postos de comando dos setores público e privado.
“A mulher, ao longo desses anos, abriu espaços e vem ocupando postos de relevo no Poder Judiciário, justamente o mais conservador dentre os Poderes da República”, frisou a ministra.
Barreira política
Laurita Vaz citou as primeiras mulheres que ocuparam cargos nos tribunais superiores (Cnéa Cimini Moreira de Oliveira, pioneira no Tribunal Superior do Trabalho, em 1990; Eliana Calmon, a primeira ministra do STJ, em 1999, e Ellen Gracie, primeira no Supremo Tribunal Federal, em 2000), mas destacou que, diferentemente do que ocorre na cúpula do Judiciário, na Justiça de primeiro grau é maior a proporção de mulheres, praticamente se equiparando aos homens, porque o ingresso se dá por concurso.
“Quando se trata das instâncias superiores e de cargos providos por indicação, o que se tem é uma diminuta participação feminina. Esses dados não traduzem falta de competência ou merecimento por parte das mulheres, mas, sim, a existência de dificuldades para transitar em espaços políticos historicamente ocupados por homens”, destacou a presidente.
De acordo com ela, quando se chega ao ápice da carreira jurídica, como a disputa pelos cargos mais altos não depende de concurso público, as mulheres podem ser prejudicadas pela falta de abertura política e de reconhecimento dos próprios pares, na maioria homens. “A pior das discriminações é aquela que se faz de modo velado, disfarçado, porque dificulta a crítica direta e objetiva. Reagir a essa força não é tarefa fácil”, afirmou.
“A seara política”, declarou a ministra, “parece ainda envolta por uma crosta de conservadorismo que impede ou, no mínimo, dificulta bastante o acesso das mulheres.”
Ela mencionou, por exemplo, que no Congresso Nacional a participação das mulheres ainda é tímida: são apenas 13 em um total de 81 senadores e 54 entre 513 membros da Câmara dos Deputados.
Derrubando tabus
“Em uma sociedade plural como a nossa, temos de incentivar a participação dos diversos núcleos representativos do extrato social que forma nosso país. E, nesse contexto, é imprescindível contar com a voz feminina, porque traz consigo, ínsito ao gênero, preciosas características que podem contribuir muito com o estabelecimento de diretrizes e políticas públicas para o desenvolvimento do Brasil”, acrescentou a ministra.
Laurita Vaz disse que a trajetória da mulher tem sido de determinação e empenho, vencendo preconceitos e derrubando tabus. “A despeito das barreiras existentes e do longo caminho que ainda há a ser desbravado, temos o que comemorar. É inegável o progresso das mulheres na sociedade brasileira, galgando importantes cargos nos altos escalões do governo federal, nos estados e na iniciativa privada”, afirmou.
Além de mencionar mulheres que hoje ocupam posições de relevo na área jurídica nacional, a presidente do STJ destacou exemplos das próprias Forças Armadas, uma “realidade relativamente recente”:
“Posso citar a capitão Joice Conceição, que foi a primeira mulher a pilotar um Hércules, avião de carga da FAB; a capitão Carla Alexandre Borges, a primeira mulher a assumir o comando de uma aeronave de caça da FAB, também foi a primeira a pilotar o avião presidencial, um Airbus A-319; as terceiros sargentos Elisângela Ferreira Xavier e Lidiana Reinaldo Jiló da Costa, integrantes da área do Serviço de Saúde do Exército Brasileiro, foram as primeiras mulheres a completar o dificílimo curso do Centro de Instrução de Guerra na Selva; a contra-almirante Dalva Maria Carvalho Mendes, a primeira mulher a alçar o almirantado na Marinha do Brasil; e tantas outras pioneiras que abrem as portas para as próximas gerações.”
Ritmo desigual
Segundo a ministra, o progresso das mulheres na sociedade brasileira foi construído durante um longo processo sociológico que não mostra resultados do dia para a noite. Para ela, até a consolidação de uma sociedade igualitária e justa, o tema da igualdade dos gêneros precisa ser lembrado e debatido de forma contínua.
A ministra afirmou, no entanto, que grande parte das conquistas já obtidas pelas mulheres não são realidade para muitas brasileiras, que ainda são vítimas de maus-tratos, violências, opressão e discriminações. “Para elas, o tempo parece correr bem mais devagar”, disse, ao citar que 43% das brasileiras já sofreram algum tipo de violência física ou psíquica.
Laurita Vaz frisou a importância de se continuar lutando pela plenitude da liberdade e pela igualdade de oportunidades: “Essas mulheres desprotegidas, violentadas, vítimas de todas as formas de agressões, sem grau de instrução, sem trabalho digno e sem salário, sem rumo e sem horizontes, necessitam da ajuda das autoridades constituídas, da ajuda da comunidade, da nossa ajuda. Vamos abrir trilhas, buscar as veredas, encontrar soluções.”
Leia a íntegra do discurso.