Um dos maiores desafios do Judiciário é a enorme quantidade de processos que chegam aos tribunais. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também enfrenta essa realidade e só em 2018, foram recebidos 346.337 processos. Para reduzir esse número e, ao mesmo tempo, promover a segurança jurídica e a celeridade nos julgamentos, o STJ faz uso dos recursos repetitivos.
Os recursos repetitivos são descritos no artigo 1.036 do Código de Processo Civil (CPC) e permite a afetação “sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento de idêntica questão de direito”. De acordo com o CPC, após a identificação precisa da questão, será determinada a suspensão de processos pendentes que versem sobre a questão.
No primeiro ano de vigência do Código de Processo Civil de 2015, o Superior Tribunal de Justiça realizou alterações em seu regimento interno, regulamentando diversos procedimentos relacionados aos precedentes qualificados, dando especial destaque ao recurso repetitivo (Emendas Regimentais 24 e 26/2016).
A atuação do STJ com os recursos repetitivos possui impacto direto no recebimento de processos. Para exemplificar, o Núcleo de Gerenciamento de Precedentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo apresentou a informação de que entre agosto de 2008 e março de 2019 289.967 processos deixaram de ser enviados ao Superior Tribunal de Justiça em virtude da aplicação da sistemática dos recursos repetitivos. Esse número corresponde ao quantitativo de processos recebidos pelo STJ durante todo o ano de 2012, por exemplo.
Em razão da importância dos recursos repetitivos, a Presidência da Comissão Gestora de Precedentes, auxiliada pelo NUGEP do STJ, realiza desde maio de 2018 trabalho de identificação de processos com controvérsias jurídicas aptas para afetação ao rito qualificado, auxiliando gabinetes de ministros.
Catalogadas como controvérsias na página Repetitivos e IAC, que são o conjunto de processos com aptidão de serem afetados como repetitivo, o STJ ultrapassou a marca de 100 questões jurídicas, possibilitando a afetação de 41 temas repetitivos até junho de 2019. Entre as controvérsias, há casos com grande potencial de multiplicidade ou com indicação de superação ou distinção de tese firmada em recurso repetitivo, podendo o usuário consultar todas na página “Repetitivos e IAC” (aba Controvérsias).
Descongestionar o Judiciário
No STJ, os recursos repetitivos são gerenciados pelo Núcleo de Gerenciamento de Precedentes (NUGEP) e pela Comissão Gestora dos Precedentes. O presidente da Comissão, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relata existirem mais de 100 milhões de processos em andamento no Brasil e, boa parte deles, são repetitivos. Segundo o ministro esse instrumento visa descongestionar a estrutura do Judiciário, especialmente do STJ.
“A lei dos recursos repetitivos no âmbito do STJ é de 2008. Desde então, o Tribunal tem desenvolvido um trabalho para gerir bem esses recursos. Em quase 11 anos, já foram afetados mais de mil temas e o impacto tem sido impressionante, diminuindo substancialmente o número de processos que chegam aqui”, explicou o ministro. A criação da Comissão Gestora começou em 2014. Na época, já existia um Núcleo de Repercussão Geral e Recursos Repetitivos (NURER) na Presidência do STJ e na Segunda Seção, instalados por iniciativa do ministro Sidnei Beneti.
“Continuei o trabalho do ministro Beneti, mas busquei estendê-lo para todo o Tribunal. Por isso, sugeri para o ministro Francisco Falcão, então presidente, a criação da Comissão Gestora de Precedentes formada por um ministro de Direito Público, um de Direito Privado e um de Direito Penal”, lembrou o ministro Sanseverino.
Interlocução com os tribunais
Na Comissão, a ministra Assusete Magalhães trata dos repetitivos de Direito Público, o ministro Rogerio Schietti Cruz, dos de Direito Penal, e o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que também preside a Comissão, dos de Direito Privado. “O trabalho da Comissão é primeiro fazer o monitoramento de todos os recursos repetitivos em tramitação no Tribunal, para agilizar o julgamento. A nossa meta e a do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é julgar os repetitivos em menos de um ano”, ressaltou o ministro Sanseverino.
Outra frente de atuação da Comissão é a interlocução com os tribunais de segundo grau, ou seja, 32 tribunais, 27 estaduais e cinco tribunais regionais federais, correspondendo a cerca de 80% da jurisdição brasileira. “A interlocução com esses tribunais busca fazer com que todos eles indiquem recursos representativos de controvérsia para serem afetados como repetitivos e também que eles utilizem um instrumento previsto no novo CPC, que é o incidente de resolução de demandas repetitivas”, explicou o ministro.
Previsibilidade
Segundo o ministro Sanseverino, os repetitivos contribuem para a celeridade, a segurança jurídica e a obtenção da justiça. “Com a fixação de uma orientação firme do Tribunal em um precedente qualificado, se tem previsibilidade. E, finalmente, há a questão da Justiça, onde igualdade e isonomia, andam de mãos dadas. Os repetitivos evitam que aconteça tratamento desigual e, consequentemente, o tratamento injusto”, reforçou o ministro Sanseverino.
Além de serem indicados pelo Presidente da Comissão Gestora de Precedentes, os recursos candidatos à afetação, podem ser apontados pelo tribunal de origem e, a partir de setembro , mais uma ferramenta estará disponível para esse importante trabalho, o sistema Athos,batizado em homenagem ao ministro do STJ Athos Gusmão Carneiro. “O sistema e o NUGEP atuam na identificação dos processos, considerando principalmente três aspectos: se a matéria é relevante juridicamente, repetitiva ou com potencial de repetitividade. Uma quarta possibilidade ocorre quando há a distinção e superação de precedentes firmados, que ocorre, por exemplo, quando surge uma lei nova que mudou toda a matéria. O NUGEP faz todo o trabalho administrativo de apoio à Comissão”, explicou a servidora do NUGEP, Cássia Cascão.
Outro benefício proporcionado pelos recursos repetitivos é o favorecimento da conciliação e a uniformização da jurisprudência. “Há uma portaria da Advocacia-Geral da União (AGU) que a autoriza a fazer a conciliação ou a desistir dos processos que tenham sido julgados pelo rito dos recursos repetitivos. Ou seja, ocorre menos judicialização, maior conciliação e tudo porque o STJ possui a missão de uniformizar a jurisprudência”, garantiu Aline Dourado, assessora do NUGEP .
Inteligência artificial
Ainda em relação à Comissão Gestora, Marcelo Marchiori, assessor-chefe do NUGEP, esclarece que há reuniões mensais sobre questões problemáticas. “Graças ao trabalho da Comissão, todos os gabinetes recebem relatórios detalhados sobre os repetitivos. Um dos destaques é que se um recurso é afetado para se tornar repetitivo e deixa sobrestado milhares de processos, então esse repetitivo deve ter um acompanhamento especial aqui no STJ”, Já em relação ao sistema Athos, Marchiori explicou que essa inteligência artificial permite visualizar a quantidade de processos sobre um determinado tema que chega ao STJ. “O NUGEP, de forma administrativa, até poderia indicar para os ministros que muitos processos sobre uma determinada matéria estão chegando, mas não teria a mesma força do presidente da Comissão. Nesses casos, os processos têm um despacho do ministro Sanseverino como presidente da Comissão”, esclareceu Marchiori.
De acordo com o servidor do NUGEP, Júlio Sisson, o trabalho realizado pelo Athos era manual. O sistema, atualmente, trabalha na forma de projeto piloto. “O Athos nos entrega planilhas que fazem a identificação da matéria dos processos no momento da distribuição e os agrupa de acordo com a similaridade entre eles. Claro que existe a necessidade de acurar esse sistema, mas ele já tem trabalhado satisfatoriamente. Acredito que, ao realizar esse trabalho aqui no STJ, nós ganhamos dinamismo. O tribunal de origem, às vezes, não consegue ter a noção do que acontece nos demais”, concluiu Júlio.