O Informativo de Jurisprudência divulga, periodicamente, teses firmadas pelo STJ que são selecionadas pela novidade no âmbito do Tribunal e pela repercussão no meio jurídico.
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REsp 2.145.185-RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/2/2025. (Tema 1286).
REsp 2.145.550-RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/2/2025 (Tema 1286).
DIREITO ADMINISTRATIVO
Para os descontos autorizados antes de 4/8/2022, data da vigência da Medida Provisória n. 1.132/2022, convertida na Lei n. 14.509/2022, não se aplica limite específico para as consignações autorizadas em favor de terceiros, devendo ser observada apenas a regra de que o militar das Forças Armadas não pode receber quantia inferior a trinta por cento da sua remuneração ou proventos, após os descontos, na forma do art. 14, § 3º, da Medida Provisória n. 2.215-10/2001.
A controvérsia consiste em definir se aos empréstimos consignados em folha de pagamento firmados por militares das Forças Armadas aplica-se o art. 14, § 3º, da Medida Provisória n. 2.215-10/2001, ou deve ser feita articulação com outros diplomas normativos, como a Lei n. 10.820/2003 e a Lei n. 14.509/2022.
Para tanto, destaca-se que o limite total de descontos em folha de pagamento dos militares das Forças Armadas é de 70% (setenta por cento) da remuneração ou proventos, na forma do art. 14, § 3º, da Medida Provisória n. 2.215-10/2001. Esse limite corresponde à soma dos descontos obrigatórios e autorizados.
Por seu turno, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que não se aplica a Lei n. 10.820/2003, específica para empregados e beneficiários do RGPS e da assistência social; nem o art. 45, § 2º, da Lei n. 8.112/1991, introduzido pela Medida Provisória 681/2015 (hoje revogado), específico para servidores públicos civis.
Cabe, ainda, esclarecer que, a partir de 4/8/2022, data da vigência da Medida Provisória n. 1.132/2022, convertida na Lei n. 14.509/2022, aplica-se, aos militares das Forças Armadas, um segundo limite para as consignações autorizadas em favor de terceiros, observadas as especificações do art. 2º da Lei n. 14.509/2022.
Esse novo teto de descontos autorizados em favor de terceiros é aplicável ao pessoal das Forças Armadas visto que leis ou regulamentos específicos não definiram outro percentual (art. 3º, I, da Lei n. 14.509/2022). Em consequência, passa a existir duplo limite - 70% (setenta por cento) para a soma dos descontos obrigatórios e autorizados; e 45% (quarenta e cinco por cento) para as consignações autorizadas em favor de terceiros, observadas as especificações do art. 2º da Lei n. 14.509/2022.
Destarte, firma-se a seguinte tese repetitiva: Para os descontos autorizados antes de 4/8/2022, data da vigência da Medida Provisória n. 1.132/2022, convertida na Lei n. 14.509/2022, não se aplica limite específico para as consignações autorizadas em favor de terceiros, devendo ser observada apenas a regra de que o militar das Forças Armadas não pode receber quantia inferior a trinta por cento da sua remuneração ou proventos, após os descontos, na forma do art. 14, § 3º, da Medida Provisória n. 2.215-10/2001
Medida Provisória n. 2.215-10/2001, art. 14, § 3º.
Lei n. 14.509/2022, artigos 2º; e 3º, I.
Lei n. 8.112/1991, art. 45, § 2º.
REsp 2.147.578-SP, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/3/2025. (Tema 1293).
REsp 2.147.583-SP, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/3/2025 (Tema 1293).
DIREITO ADMINISTRATIVO
Aduaneiro. Processo administrativo. Infração à legislação aduaneira. Prescrição intercorrente. Art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999. Incidência da prescrição intercorrente aos processos administrativos de apuração de infrações aduaneiras (natureza não tributária). Tema 1293.
1. Incide a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de 3 anos.
2. A natureza jurídica do crédito correspondente à sanção pela infração à legislação aduaneira é de direito administrativo (não tributário) se a norma infringida visa primordialmente ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação.
3. Não incidirá o art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999 apenas se a obrigação descumprida, conquanto inserida em ambiente aduaneiro, destinava-se direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado.
A controvérsia jurídica repetitiva afetada pela Primeira Seção deste Superior Tribunal de Justiça ao regime dos artigos 1.036 a 1.041 do Código de Processo Civil encontra-se sintetizada na seguinte proposição: "definir se incide a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de 3 anos".
Dito isso, tem-se que é a natureza jurídica da norma de conduta violada o critério legal que deve ser observado para dizer se tal ou qual infração à lei deve ou não obediência aos ditames da Lei n. 9.873/1999, e não o procedimento que tenha sido escolhido pelo legislador para se promover a apuração ou constituição definitiva do crédito correspondente à sanção pela infração praticada.
Noutras palavras, o rito estabelecido para a apuração ou constituição definitiva do crédito correspondente à sanção pelo descumprimento de uma norma aduaneira não é importante para a definição da natureza jurídica da norma descumprida.
Nessa linha de raciocínio, o que se tem é que, segundo a jurisprudência uniforme das Turmas de Direito Público do STJ, é a natureza jurídica do crédito correspondente à sanção pelo descumprimento de obrigação estabelecida no curso do procedimento de despacho aduaneiro o elemento determinante para se definir a incidência da regra do art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999 em benefício do infrator, reconhecendo-se a prescrição da pretensão punitiva se paralisado o procedimento administrativo, sem justa causa, por mais de três anos.
Ora, a natureza jurídica desse tipo de crédito será de direito administrativo se a norma infringida visa primordialmente ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação. Não incidirá o art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999 apenas se a obrigação descumprida, conquanto inserida em ambiente aduaneiro, destinava-se direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado.
Destarte, propõe-se as seguintes teses jurídicas aplicáveis para toda e qualquer infração à legislação aduaneira cuja natureza jurídica tenha que ser investigada pelas instâncias ordinárias: 1. Incide a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de 3 anos; 2. A natureza jurídica do crédito correspondente à sanção pela infração à legislação aduaneira é de direito administrativo (não tributário) se a norma infringida visa primordialmente ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação; e 3. Não incidirá o art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999 apenas se a obrigação descumprida, conquanto inserida em ambiente aduaneiro, destinava-se direta e imediatamente à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes sobre o negócio jurídico realizado.
Código de Processo Civil (CPC), artigos 1.036 a 1.041.
Lei n. 9.873/1999, artigo 1º, § 1º.
REsp 1.942.196-PR, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/3/2025. (Tema 1128).
REsp 1.953.046-PR, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/3/2025 (Tema 1128)
REsp 1.958.567-PR, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/3/2025 (Tema 1128)
DIREITO ADMINISTRATIVO
Improbidade administrativa. Multa civil. Termo inicial da incidência dos juros de mora e da correção monetária. Data do ato ímprobo. Súmulas 48 e 54/STJ. Tema 1128.
Na multa civil prevista na Lei 8.429/1992, a correção monetária e os juros de mora devem incidir a partir da data do ato ímprobo, nos termos das Súmulas 43 e 54/STJ.
Trata-se de controvérsia repetitiva assim delimitada: "definir o termo inicial dos juros e da correção monetária da multa civil prevista na Lei de Improbidade Administrativa, isto é, se devem ser contados a partir do trânsito em julgado, da data do evento danoso - nos termos das Súmulas 43 e 54/STJ -, ou de outro marco processual".
Nos termos do art. 12, I, II e III, da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), a multa civil tem como base de cálculo o proveito econômico obtido, o dano causado ao erário ou o valor da remuneração percebida. Assim, em qualquer dos casos, o critério legal para a fixação da multa civil remete a um fator relacionado à data da efetivação do ato ímprobo.
Ainda que o montante da multa civil somente venha a ser definido ao final da ação, a incidência de correção monetária apenas após a sua fixação ou do trânsito em julgado, resultaria em quantia desvinculada do proveito econômico obtido, do dano causado ao erário ou do valor da remuneração percebida pelo agente, critérios que remetem à data do ato ímprobo.
Desse modo, é o caso de incidência da Súmula 43/STJ: "Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo", sendo lícito concluir que o valor devido a título de multa civil seja corrigido monetariamente desde a data do ato ímprobo.
Além disso, conforme ensinamento doutrinário, haverá responsabilidade extracontratual se o dever jurídico violado não estiver previsto no contrato, mas sim na lei ou na ordem jurídica. Nesse contexto, é possível afirmar que as sanções e o ressarcimento do dano, previstos na Lei 8.429/1992, inserem-se no âmbito da responsabilidade extracontratual por ato ilícito.
Sendo assim, em se tratando de responsabilidade extracontratual, é aplicável o disposto no art. 398 do Código Civil (Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou) e na Súmula 54/STJ (Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual).
Dessa forma, deve ser fixada a seguinte tese jurídica: Na multa civil prevista na Lei 8.429/1992, a correção monetária e os juros de mora devem incidir a partir da data do ato ímprobo, nos termos das Súmulas 43 e 54/STJ.
Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), art. 12, I, II e III
Código Civil (CC), art. 398
REsp 1.955.655-RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/3/2025. (Tema 1148).
REsp 1.956.946-RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/3/2025 (Tema 1148).
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Conta de Desenvolvimento Enérgico - CDE. Parâmetros de cálculo das quotas anuais. Discussão em Juízo. União. ANEEL. Ilegitimidade passiva. Tema 1148.
As demandas em que o consumidor final discute parcela dos objetivos e parâmetros de cálculo das quotas anuais da Conta de Desenvolvimento Energético - CDE devem ser movidas contra a prestadora de serviços de energia elétrica, sendo ilegítimas para a causa a União e a ANEEL, ainda que a causa de pedir seja a legalidade dos regulamentos expedidos pelo Poder Público.
A questão controversa afetada ao rito dos recursos repetitivos é a definição da legitimidade passiva para as demandas em que se discute a legalidade dos regulamentos expedidos pelo Poder Público a respeito dos objetivos e parâmetros de cálculo das quotas anuais da Conta de Desenvolvimento Energético - CDE.
Como relação entre o sujeito e a causa, a legitimidade passiva deve ser aferida com base no direito material em disputa. Neste caso, a controvérsia gira em torno das quotas anuais devidas à Conta de Desenvolvimento Energético - CDE, previstas no art. 13, § 1º, I, da Lei n. 10.438/2002.
O direito material em disputa é sobre o valor do adicional tarifário cobrado do consumidor pela prestadora do serviço de energia elétrica.
Em casos semelhantes, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça definiu que a causa é pertinente apenas ao prestador e ao consumidor do serviço público, de modo que apenas a prestadora do serviço público é legítima para figurar no polo passivo de processos movidos pelo consumidor discutindo o valor da tarifa. No âmbito dos serviços de telefonia, o entendimento foi plasmado na Súmula 506 do STJ: A Anatel não é parte legítima nas demandas entre a concessionária e o usuário de telefonia decorrentes de relação contratual.
A CDE, criada pelo art. 13 da Lei n. 10.438/2002, é um fundo público setorial que "subvenciona alguns agentes ou atividades econômicas do setor elétrico a partir de recursos do Tesouro Nacional e dos consumidores de energia elétrica ".
Dentre as fontes de recursos da CDE, estão as quotas anuais "pagas por todos os agentes que comercializem energia com consumidor final". Trata-se, portanto, de uma dívida das concessionárias, permissionárias ou autorizadas a prestar serviços de distribuição ou de transmissão de energia elétrica ao consumidor final. As quotas anuais são pagas "mediante encargo tarifário" incluído nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão (TUST) ou de distribuição (TUSD).
Ocorre que os custos das quotas anuais não são suportados pelas empresas do ramo de energia. Elas são autorizadas a repassá-los "às tarifas dos consumidores finais, conforme metodologia de cálculo a ser definida pela ANEEL", na forma do art. 10, § 3º, do Decreto n. 9.022/2017.
Portanto, as empresas de transmissão e distribuição são as devedoras das quotas anuais, mas repassam esse encargo ao último elo da cadeia: os consumidores finais.
Além dos fornecedores e dos consumidores, há outros três atores, cuja posição é relevante para a compreensão do direito material envolvido na controvérsia: UNIÃO, ANEEL e CCEE.
O primeiro ator é a UNIÃO, poder concedente e dona do patrimônio da CDE. Apesar de ser a dona da CDE, a UNIÃO tem um papel limitado na sua supervisão, a qual é descentralizada à Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL.
A ANEEL é o segundo ator. Tem atribuição, na forma do Decreto n. 9.022/2017, para aprovar o orçamento da CDE, fixar as quotas anuais, fiscalizar a movimentação e receber a prestação de contas anual, além de estabelecer a destinação de recursos.
O terceiro ator é a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE, uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, cuja criação foi autorizada pela UNIÃO, sob regulação e fiscalização da ANEEL, encarregada da administração da conta.
Identificados os atores, é relevante identificar quem discute (autor da ação) e o que é discutido (causa de pedir). As discussões judiciais que dão origem à presente controvérsia são movidas pelo consumidor final.
A causa de pedir é a ilegalidade de componentes da quota imposta às empresas do setor energético. Indiretamente, o consumidor discute o encargo das distribuidoras e transmissoras, não havendo nenhuma discussão sobre o cálculo do repasse pela fornecedora. A afirmação é de que a quota da empresa deveria ser menor, por isso, o repasse ao consumidor deveria ser mais módico.
O autor é consumidor final e, como tal, tem legitimidade apenas para discutir a própria relação com a empresa de energia. Portanto, a procedência do pedido reduz a tarifa ao usuário final, mas não gera efeitos na quota anual devida pela prestadora do serviço.
Portanto, se "a legitimidade" é a "individualização do interesse" em causa, a "pertinência subjetiva" em face do interesse, é a prestadora do serviço de distribuição ou transmissão de energia elétrica, a qual tem o contrato com o consumidor final, quem tem essa pertinência subjetiva.
Dessa forma, apenas a fornecedora de energia elétrica é legítima para figurar no polo passivo da demanda. Na forma da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, UNIÃO e ANEEL não são legítimas para a causa, e não tem nem sequer a possibilidade de atuarem como assistentes.
REsp 2.124.412-RJ, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/3/2025. (Tema 1297).
REsp 2.132.208-RJ, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, Primeira Seção por unanimidade, julgado em 12/3/2025 (Tema 1297).
REsp 2.085.764-PE, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/3/2025 (Tema 1297).
REsp 2.040.852-PE, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/3/2025 (Tema 1297).
REsp 2.009.309-RN, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/3/2025 (Tema 1297).
REsp 1.966.548-PE, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/3/2025 (Tema 1297).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR
Militares. Quadro de taifeiros da aeronáutica. Proventos e pensões. Promoção na inatividade e percepção simultânea de remuneração correspondente ao grau hierárquico superior. Aplicação cumulativa de normas. Possibilidade. Sobreposição de graus hierárquicos. Inexistência. Reparação histórica. Alegação de decadência. Prejudicada. Tema 1297.
É compatível a aplicação cumulativa da Lei n. 12.158/2009 e do art. 34 da Medida Provisória n. 2.215-10/2001 aos militares oriundos do Quadro de Taifeiros da Aeronáutica na reserva remunerada, reformados ou no serviço ativo, cujo ingresso no referido Quadro se deu até 31/12/1992.
A controvérsia consiste em definir: (i) a possibilidade de aplicação cumulativa da Lei n. 12.158/2009 e do art. 34 da Medida Provisória n. 2.215-10/2001 aos militares oriundos do Quadro de Taifeiros da Aeronáutica na reserva remunerada, reformados ou no serviço ativo, cujo ingresso no referido Quadro se deu até 31/12/1992.
Importa saber, portanto, se a norma que garante o acesso às graduações superiores na inatividade, limitada à de Suboficial, é cumulável com a que assegura o recebimento de remuneração correspondente ao grau hierárquico superior ou melhoria dessa remuneração, caso preenchidos os requisitos para transferência à inatividade até 29/12/2000.
A questão repetitiva trazida a debate cinge-se em definir se é possível de aplicação a Lei n. 12.158, de 28/12/2009, cumulativamente ao disposto no art. 34 da Medida Provisória n. 2.215-10, de 31/8/2001, aos militares oriundos do Quadro de Taifeiros da Aeronáutica na reserva remunerada, reformados ou no serviço ativo, cujo ingresso no referido Quadro se deu até 31/12/1992.
Nesse sentido, entende-se que a aplicação cumulativa da Lei n. 12.158/2009 e do art. 34 da Medida Provisória n. 2.215-10/2001 é compatível, pois tratam de institutos jurídicos distintos, sendo possível o recebimento conjunto pelos militares abrangidos pelos requisitos legais. Isso porque a Lei Federal assegura o acesso às graduações superiores na inatividade, enquanto a Medida Provisória garante a percepção de remuneração correspondente ao grau hierárquico superior.
Esses benefícios legais, portanto, podem ser concedidos a um mesmo militar inativo, por não representarem cumulação de promoções, visto que apenas a lei concede o efetivo acesso à graduação superior, enquanto a MP trata somente da concessão de melhoria na remuneração quando da passagem para a inatividade.
Cumpridos todos requisitos legais, os Taifeiros da Aeronáutica terão direito às promoções previstas na Lei n. 12.158/2009, regulamentada pelo Decreto n. 7.188/10, e ao incremento financeiro disposto no art. 34 da MP n. 2.215-10/2001, por se tratarem de benefícios legais diferentes, os quais só vêm a corrigir a injustiça histórica perpetrada por uma legislação mais que cinquentenária, que somente veio a ser regulamentada entre 2009 e 2010.
Explicados os objetivos diferenciados desses dois comandos normativos - o incremento financeiro de proventos (art. 50, inciso II, Lei n. 6.880/1980 c.c. o art. 34, MP n. 2.215-10/2001) e a efetiva promoção hierárquica na reserva (Lei n. 12.158/2009) -, que, por si só, já justificam sua aplicação concomitante, também é importante destacar que esse último diploma, após decorrido quase meio século, veio tardiamente garantir o direito de promoção aos taifeiros da Aeronáutica, consoante autorizado desde a Lei n. 3.953/1961, que previa a possibilidade de promoção à graduação de suboficial.
Nesse sentido, a situação em exame coaduna a conclusão de que, diante da ausência de vedação legal em relação à cumulação dos benefícios previstos no art. 34 da Medida Provisória n. 2.215-10/2001 e nos arts. 1º e 2º da Lei n. 12.158/2009, não se mostra legítima a redução da remuneração de tais militares, não havendo motivos fáticos, jurídicos e jurisprudenciais que desabonem a concomitância da aplicação dos benefícios de promoção e de incremento financeiro.
Afinal, a interpretação teleológica de todos os dispositivos em conjunto leva à conclusão de que a intenção legislativa era corrigir injustiças e propiciar benefícios financeiros e hierárquicos aos taifeiros da Aeronáutica que foram prejudicados com a mora regulamentar, razão pela qual confirma-se que a cumulatividade dos dispositivos em comento é permitida e que o não reconhecimento de tal possibilidade significaria, novamente, um grande dano aos integrantes desse quadro.
Conclui-se, portanto, ser compatível a aplicação cumulativa da Lei n. 12.158/2009 e do art. 34 da Medida Provisória n. 2.215-10/2001 aos militares oriundos do Quadro de Taifeiros da Aeronáutica na reserva remunerada, reformados ou no serviço ativo, cujo ingresso no referido Quadro se deu até 31/12/1992.
Por fim, a outra questão debatida é se a revisão dos proventos de aposentadoria concedidos aos militares reformados e/ou aos pensionistas militares que foram promovidos ao grau hierárquico superior, em decorrência da Lei n. 12.158/2009, está sujeita ao prazo decadencial quinquenal previsto no art. 54 da Lei n. 9.784/1999.
Todavia, uma vez reconhecido o direito à simultaneidade desses institutos com reflexos funcionais e remuneratórios, resta prejudicada a inquirição sobre eventual decadência da Administração na supressão desse direito.
REsp 1.949.182-SP, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/3/2025. (Tema 1158).
REsp 1.959.212-SP, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/3/2025 (Tema 1158).
REsp 1.982.001-SP, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/3/2025 (Tema 1158).
DIREITO TRIBUTÁRIO
Imposto Territorial Urbano - IPTU. Imóvel objeto de alienação fiduciária. Inclusão do credor fiduciário na demanda. Impossibilidade. Ausência de posse com animus domini. Ausência de responsabilidade tributária solidária. Ilegitimidade passiva. Tema 1158.
O credor fiduciário, antes da consolidação da propriedade e da imissão na posse no imóvel objeto da alienação fiduciária, não pode ser considerado sujeito passivo do IPTU, uma vez que não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no art. 34 do CTN.
A controvérsia tem origem na execução fiscal ajuizada pelo Município de São Paulo com vistas à cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU incidente sobre imóvel alienado fiduciariamente. Requerida a exclusão do credor fiduciário da demanda, o pedido foi rejeitado. Interposto Agravo de Instrumento, o Tribunal de origem deu provimento ao recurso para reconhecer a ilegitimidade passiva da instituição financeira.
Portanto, o tema repetitivo em apreciação foi assim delimitado: definir se há responsabilidade tributária solidária e legitimidade passiva do credor fiduciário na execução fiscal em que se cobra IPTU de imóvel objeto de contrato de alienação fiduciária.
Conforme o art. 34 do Código Tributário Nacional (CTN), é contribuinte do IPTU o proprietário do imóvel, o detentor do seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título.
Especificamente em relação ao possuidor, conforme a interativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a posse deverá ser qualificada pelo animus domini, ou seja, pela intenção de ser o dono do bem. Por conseguinte, a sujeição passiva da relação jurídico-tributária não alcança aquele que detém a posse precária da coisa, como é o caso do cessionário do direito de uso e do locatário do imóvel.
No contrato de alienação fiduciária, o credor detém a propriedade resolúvel do bem, para fins de garantia do financiamento contraído, sem que exista o propósito de ser o dono da coisa (art. 22 da Lei n. 9.514/1997).
Quanto aos tributos que incidem sobre o bem alienado fiduciariamente, dispõe expressamente o art. 27, § 8º, da Lei n. 9.514/1997 que o devedor fiduciante responde pelo pagamento dos impostos, taxas, contribuições condominiais e quaisquer outros encargos que recaiam sobre o imóvel, até a data da imissão na posse pelo credor fiduciário, em razão do inadimplemento contratual.
A ratio do comando normativo que nega a sujeição passiva do credor fiduciário ao recolhimento do imposto predial decorre, justamente, da ausência de posse qualificada pelo animus domini, elemento subjetivo essencial para o reconhecimento da posse passível de tributação.
Embora caiba à lei municipal, frente a múltipla sujeição passiva prevista em abstrato pela norma, indicar a quem caberá o recolhimento do IPTU (Súmula n. 399 do STJ), tal escolha não é livre, devendo o ente político observar o sujeito melhor qualificado para o cumprimento da obrigação. Em caso de desdobramento da posse, como ocorre na alienação fiduciária, não pode a municipalidade, no exercício da competência tributária, eleger, simultaneamente, dois ou mais sujeitos passivos para fins de recolhimento do imposto.
Após a entrada em vigor da Lei n. 14.620, de 13 de julho de 2023, que acrescentou o § 2º ao art. 23 da Lei n. 9.514/1997, ficou expressamente previsto que caberá ao devedor fiduciante a obrigação de arcar com os custos do IPTU incidente sobre o bem.
Assim, deve ser firmada a seguinte tese jurídica: o credor fiduciário, antes da consolidação da propriedade e da imissão na posse no imóvel objeto da alienação fiduciária, não pode ser considerado sujeito passivo do IPTU, uma vez que não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no art. 34 do CTN.
Código Tributário Nacional (CTN), artigo 34.
Lei n. 9.514/1997, artigos 22; 23, § 2º; 27, § 8º.
REsp 2.161.548-BA, Rel. Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador convocado do TJSP), Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 12/3/2025. (Tema 1303).
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Acordo de não persecução penal. Exigência da confissão durante a fase de inquérito. Fundamentação inidônea para a recusa na formulação da proposta correspondente. Natureza negocial do instituto. Ausência de certeza da contrapartida. Garantia de não autoincriminação. Necessidade de escolha informada. Possibilidade de realização do ato perante o ministério público. Tema 1303.
1. A confissão pelo investigado na fase de inquérito policial não constitui exigência do art. 28-A do Código de Processo Penal para o cabimento de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), sendo inválida a negativa de formulação da respectiva proposta baseada em sua ausência.
2. A formalização da confissão para fins do ANPP pode se dar no momento da assinatura do acordo, perante o próprio órgão ministerial, após a ciência, avaliação e aceitação da proposta pelo beneficiado, devidamente assistido por defesa técnica, dado o caráter negocial do instituto.
Cinge-se a controvérsia em definir se a ausência de confissão pelo investigado a respeito do cometimento do crime, durante a fase de inquérito policial, constitui fundamento válido para o Ministério Público não ofertar proposta de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP).
De início, cabe ressaltar que o entendimento atual de ambas as Turmas que compõem a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça (STJ) se consolidou no sentido da impossibilidade do condicionamento da proposta de ANPP à confissão extrajudicial na fase inquisitorial.
A confissão anterior não foi exigida quando da definição do Tema Repetitivo n. 1098 por esta Terceira Seção, entendendo-se cabível a celebração do ANPP "em casos de processos em andamento quando da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento", na mesma linha do decidido pelo Supremo Tribunal Federal no HC n. 185.913/DF.
Ainda, cabe pontuar a premissa fixada na primeira tese do Tema Repetitivo n. 1098: "o Acordo de Não Persecução Penal constitui um negócio jurídico processual" e entabula "possibilidade de composição entre as partes com o fim de evitar a instauração da ação penal".
Resta claro, assim, que o aspecto negocial é elemento chave para a compreensão do instituto do ANPP e, consequentemente, para a interpretação dos contornos de tal inovação legislativa quanto à quaestio enfrentada nesta oportunidade.
Ademais, já se alinhavou na jurisprudência deste Tribunal Superior que "[a] confissão é indispensável à realização do acordo, por ser o que revela o caráter de justiça negocial do ANPP" (AgRg no HC n. 879.014/PR, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 22/04/2024, DJe de 25/04/2024).
Ora, diante de um instituto de características negociais, como é o ANPP, parece distante dos pressupostos basilares subjacentes exigir que uma das partes - a mais vulnerável, no caso - cumpra de antemão com uma das obrigações a serem assumidas, sobretudo sem ao menos saber de antemão se terá ou não sequer a oportunidade de negociar.
Isto porque este STJ adotou a posição no sentido de que "o acordo de não persecução penal não constitui direito subjetivo do investigado, podendo ser proposto pelo Ministério Público conforme as peculiaridades do caso concreto e quando considerado necessário e suficiente para a reprovação e a prevenção da infração penal" (AgRg no REsp n. 1.912.425/PR, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 23/3/2023).
Assim, qualquer projeção anterior à efetiva iniciação das tratativas a respeito do acordo configuraria mera conjectura, não havendo, conforme a jurisprudência desta Corte, se falar em direito subjetivo à celebração do acordo.
Nesse cenário, a exigência de uma prévia renúncia (ainda que retratável, como é da natureza do instituto da confissão) ao direito ao silêncio e à não autoincriminação, sem a certeza da contrapartida, representaria desarrazoada condicionante, não prevista, ademais, na legislação de regência.
Mais ainda, a exigência de confissão prévia significaria, em última análise, um incentivo à sua realização em ambiente inquisitorial, sem a plenitude das garantias do devido processo legal, na maioria das vezes sem assistência por defesa técnica - incompatível com os esforços que tem empreendido esta Terceira Seção pela racionalização do uso da confissão extrajudicial no Processo Penal - v.g., com as teses estabelecidas no AREsp n. 2.123.334/MG (relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 20/6/2024, DJe de 2/7/2024).
Também não se pode perder de vista, diante de tal questão, a garantia convencional de não ser obrigado a depor contra si mesmo ou declarar-se culpado (art. 8.2, "g", da Convenção Americana de Direitos Humanos).
É sabido que os direitos humanos possuem tendência expansiva e reclamam máxima efetividade, com as normas internacionais que os asseguram consubstanciando vetores interpretativos para a legislação ordinária. É essencial, portanto, a compatibilização da possibilidade legal de celebração de um Acordo de Não Persecução Penal com a força normativa exercida pelo art. 8.2, "g", da CADH. Para tanto, não se pode, conforme a letra do Pacto de San José, obrigar a parte a depor contra si mesma ou declarar-se culpada, de modo que a confissão só pode se colocar como uma faculdade para viabilizar o acesso ao ANPP.
Não é cabível exigir que tal opção seja tomada "no escuro", antes mesmo de se saber se haverá ou não proposta - e consequente tratativa - da solução negociada, quais os seus termos, bem como os elementos de que dispõe a acusação para a formulação de eventual denúncia.
Sem a certeza da contrapartida, a faculdade em questão não poderia ser exercida plenamente pela pessoa investigada, mais se aproximando de uma obrigação. É necessário, assim, garantir seu pleno exercício, que deve ser devidamente informado, pois, caso contrário, se converterá num "salto de fé" incompatível com a essencialidade da garantia subjacente, da qual se estará abrindo mão.
Nessa linha, deve a escolha - informada - pela confissão mirando a celebração do ANPP se dar com consciência dos ganhos e perdas de cada via (processual ou negocial), o que implica na ciência do conteúdo da proposta formulada pelo Ministério Público, bem como dos elementos que lastreiam a pretensão acusatória, além da necessária assistência da defesa técnica (sobre esse ponto, já se decidiu que a "[a]usência de orientação e presença da Defesa técnica [contamina] a negativa de acordo" - HC n. 838.005/MS, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do Tjsp), Sexta Turma, julgado em 13/8/2024, DJe de 23/8/2024).
Por outro lado, também não satisfaz os ditames da CADH a interpretação de que a utilização, na fase inquisitorial, desses direitos pela pessoa (não depor contra si mesma nem declarar-se culpada) seria impeditivo para acesso a instrumento processual negocial que lhe pode ensejar situação mais favorável. Isto porque a própria Convenção estabelece em seu artigo 29, "b", que a interpretação de seus dispositivos não pode ocorrer de modo a "limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados-Partes".
Portanto, não atende à garantia do art. 8.2, "g", da Convenção Americana de Direitos Humanos a exigência de confissão pelo investigado a respeito do cometimento do crime, durante a fase de inquérito policial; e não observa seu art. 29, "b", a interpretação de que o uso de tal garantia na fase de inquérito impede o acesso à negociação de eventual ANPP.
Desse modo, no silêncio do art. 28-A do Código de Processo Penal quanto ao momento em que deve se dar a confissão, sua interpretação não pode implicar em (inexistente) exigência de que ela ocorra de antemão a eventual proposta de ANPP, ainda na fase inquisitiva. Assim, nada impede que a confissão seja levada a efeito perante o próprio órgão ministerial, após a formulação da proposta de acordo, sua avaliação (assistida por defesa técnica), eventual negociação e aceitação dos termos do ANPP.
Código de Processo Penal (CPP), art. 28-A.
REsp 2.072.206-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, por maioria, julgado em 13/2/2025, DJEN 12/3/2025.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL
O indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, tendo como resultado a não inclusão do sócio (ou da empresa) no polo passivo da lide, dá ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo.
Cinge-se a controvérsia em definir se é possível a fixação de honorários advocatícios na hipótese de rejeição do pedido formulado em incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Há julgados do Superior Tribunal de Justiça, inclusive já na vigência do CPC/2015, afirmando a impossibilidade de condenação em honorários advocatícios nos incidentes processuais, ressalvadas situações excepcionais.
Com idêntica linha de raciocínio, a Terceira Turma desta Corte debruçou-se sobre o assunto e concluiu, por maioria, que, tratando-se de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, "(...) o descabimento da condenação nos ônus sucumbenciais decorre da ausência de previsão legal excepcional, sendo irrelevante se apurar quem deu causa ou foi sucumbente no julgamento final do incidente." (REsp 1.845.536/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 9/6/2020).
Todavia, no julgamento do REsp 1.925.959/SP, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino propôs ao Órgão Colegiado nova reflexão a respeito da matéria, trazendo relevantes aspectos que levaram o Órgão Julgador a meditar mais profundamente sobre a questão, estando o primeiro deles consubstanciado no fato de que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica foi incluído no capítulo das intervenções de terceiros, a exigir a análise do tema sob esse específico enfoque.
Com efeito, o que se busca com a instauração do incidente é a formação de um litisconsórcio, com ampliação subjetiva da lide, para que no polo passivo da relação jurídica litigiosa passem a figurar terceiros, que assim são considerados até o momento em que são regularmente cientificados da intenção de serem incluídos na lide como responsáveis por dívidas que não contraíram.
Tal pretensão pode ser exercitada na petição inicial, conforme faculdade conferida pelo art. 134, § 2º, do CPC/2015, ou em outras fases do processo, sendo mais comum a hipótese em que o pedido de desconsideração é formulado já na fase de cumprimento de sentença ou na própria execução.
Sob esse prisma, e considerando a efetiva existência de uma pretensão resistida, manifestada contra terceiro(s) que até então não figurava(m) como parte, entende-se que a improcedência do pedido formulado no incidente, tendo como resultado a não inclusão do sócio (ou da empresa) no polo passivo da lide - situação que se equipara à sua exclusão quando indicado desde o princípio para integrar a relação processual -, mesmo que sem a ampliação do objeto litigioso, dará ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo, como vem entendendo a doutrina.
Em suma, com base no princípio hermenêutico segundo o qual onde há a mesma razão, aplica-se o mesmo direito - ubi eadem ratio ibi eadem jus -, entende-se que pode ser aplicada ao caso a mesma orientação adotada para a hipótese de extinção parcial do processo em virtude da exclusão de litisconsorte passivo, que dá ensejo à condenação do autor ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais em favor do advogado do excluído.
Como já havia advertido a eminente Ministra Nancy Andrighi em voto proferido no julgamento do REsp nº 1.845.536/SC, "o incidente de desconsideração da personalidade jurídica tem natureza semelhante à de um procedimento comum e autônomo, capaz de alterar substancialmente o rumo da ação principal, monitória, em fase de cumprimento de sentença, porquanto poderia acarretar a inclusão ou a exclusão da sócia recorrida do alcance dos efeitos da execução forçada promovida em juízo. Nessas circunstâncias, portanto, a despeito de não haver previsão expressa no art. 85, § 1º, do CPC/15, a parte que requer a desconsideração e não obtêm êxito em seu propósito deveria, em tese, arcar com os ônus referentes à sucumbência. Isso porque há, no julgamento ocorrido na vigência do CPC/15, inegável decisão parcial de mérito por meio de decisão interlocutória, porquanto permanece em curso o processo quanto à pessoa jurídica que originariamente ocupa o polo passivo da demanda".
Nesse mesmo julgado, contudo, a eminente Ministra Nancy Andrighi defendeu a aplicação do princípio da causalidade para impedir que a parte exequente fosse responsabilizada pelo pagamento de encargos que se fizeram necessários na busca de seu direito de crédito, ao ressaltar que "mesmo que não estejam presentes os requisitos autorizadores da desconsideração, afrontaria à equidade impor ao credor, que sequer consegue a satisfação de seu crédito, a responsabilidade pelo pagamento de honorários em favor do advogado da parte que, além de não ter encerrado corretamente sua empresa, ainda sairia vitoriosa da lide, fazendo jus à verba honorária em prol de sua defesa.".
Nesse específico ponto, todavia, ao menos no âmbito da Terceira Turma, prevaleceu entendimento em sentido contrário, visto que a desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional, de modo que, sendo invocada fora das hipóteses estritamente previstas em lei, os encargos da sucumbência devem ser imputados a quem se utilizou indevidamente do instituto.
Já em caso de deferimento do pedido de desconsideração (direta ou inversa), com o efetivo redirecionamento da demanda contra o sócio ou a pessoa jurídica, conforme o caso, o eventual sucumbimento destes somente poderá ser aferido ao final, a depender do juízo de procedência ou improcedência da pretensão contra eles direcionada.
Ressalta-se, por fim, que a definição dos critérios de fixação dos honorários advocatícios na hipótese de improcedência do pedido formulado em incidente de desconsideração da personalidade jurídica é matéria que pode exigir maiores esforços no futuro, mas não foi devolvida a esta Corte no presente recurso especial.
Código de Processo Civil (CPC), art. 85, § 1º e art. 134, § 2º.
AgInt no REsp 2.155.160-BA, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 17/2/2025, DJEN 24/2/2025.
DIREITO ADMINISTRATIVO
A pensão especial instituída na vigência da Lei n. 8.059/1990 em favor de mais de um beneficiário não comporta a reversão da cota-parte aos demais por vedação legal expressa.
Trata-se de hipótese na qual um instituidor de pensão faleceu na condição de ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, logrando a sua viúva, bem como os seus filhos, menores à época do óbito, cada qual sua cota-parte da pensão especial.
A parte autora requereu a transferência da cota-parte de pensão especial na qualidade de viúva após o advento da maioridade dos filhos do falecido.
Controverte-se a respeito da interpretação a ser dada ao art. 14 da Lei n. 8.059/1990.
Em análise do tema, a Corte de origem afirmou que a cota-parte destinada aos filhos deveria ser transferida à viúva sob pena de violar o art. 53, III, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e o princípio da igualdade ao diminuir o valor do benefício.
Não obstante, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que a pensão especial instituída na vigência da Lei n. 8.059/1990 em favor de mais de um beneficiário não comporta a reversão da cota-parte aos demais por vedação legal expressa.
REsp 2.144.296-TO, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/2/2025, DJEN 25/2/2025.
DIREITO CIVIL
Há direito de meação de crédito rural decorrente de valor pago a maior em contratação anuída e vencida no curso do casamento sob o regime da comunhão universal de bens, ainda que reconhecido retroativamente, após a separação judicial, para recomposição do patrimônio comum.
A controvérsia consiste em decidir se a ex-esposa ostenta direito à meação de crédito decorrente de expurgos inflacionários reconhecido após a separação judicial, referente à cédula de crédito rural anuída e vencida durante o curso do casamento sob o regime da comunhão universal de bens.
Conforme dispõe o art. 1.667 do Código Civil (CC), o regime da comunhão universal de bens importa na comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas respectivas dívidas passivas. Existe, pois, verdadeira confusão entre o patrimônio adquirido por cada um dos cônjuges, de modo que haverá apenas um único universo de bens de propriedade do casal, com atenção ao princípio da solidariedade.
Desse modo, realizada contratação de cédula de crédito bancário ou financiamento no curso do casamento pelo regime da comunhão universal de bens, ambos os cônjuges respondem pela dívida contraída, na qualidade de coobrigados.
A regra geral do regime de bens comunheiro, portanto, pressupõe o esforço comum do casal para a aquisição do patrimônio e cumprimento das obrigações, mesmo que assumidas por um dos cônjuges. A incomunicabilidade da dívida assumida por um do casal apenas ocorrerá se comprovado que não reverteu em benefício da família (AgRg no AREsp n. 427.980/PR, Quarta Turma, DJe 25/02/2014).
Na eventualidade de ser reconhecido direito de crédito em razão de pagamento a maior de cédula de crédito ou contrato de financiamento anuído e vencido no curso do casamento, ambos os cônjuges unidos pelo regime da comunhão universal farão jus à restituição dos valores, mesmo que firmada a obrigação por um deles, tendo em vista a natureza solidária do regime.
Outrossim, por ocasião da extinção da sociedade conjugal, faz-se necessária a partilha dos bens adquiridos durante a relação. Nesse sentido, o art. 1.576 do CC estabelece que a separação judicial põe termo ao regime de bens
No entanto, verificado direito de crédito retroativamente após a separação judicial, decorrente de contratação realizada no curso do casamento, ambos os ex-cônjuges terão igualmente direito à indenização do valor pago a maior no curso do relacionamento. Isso, pois, uma vez presumido o esforço comum na aquisição do patrimônio e, desse modo, reconhecida a corresponsabilidade pelas obrigações assumidas, ambos terão direito à indenização dos valores pagos à maior, para recomposição do patrimônio comum.
Do contrário, tal fato implicaria enriquecimento sem causa daquele que receberia sozinho os valores cujo fato gerador remonta ao período do casamento, uma vez que a cédula de crédito bancário fora firmada presumindo-se o esforço comum de ambos.
Assim, constatado direito de crédito decorrente de diferença de indexador de correção monetária de cédula de crédito ou financiamento anuído e quitado no curso do matrimônio, ambos os cônjuges farão jus ao recebimento dos valores, mesmo que reconhecido retroativamente, após a separação judicial. Pois, houvesse sido aplicado o índice de correção monetária entendido como correto à época da contratação, haveria a comunicação dos valores por ocasião da separação judicial do casal.
REsp 2.155.065-MG, rel. Ministra Nancy Andrighi, rel. para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 11/3/2025.
DIREITO DO CONSUMIDOR
Fraude perpetrada por terceiro. "Golpe do Motoboy". Compra, de modo parcelado, em loja física. Entrega voluntária do cartão original e de senha pessoal pelo consumidor. Responsabilidade civil de instituição financeira. Ausência. Nexo de causalidade. Inexistência. Defeito na prestação do serviço. Não configuração. Vulnerabilidade. Doença grave. Irrelevância. Culpa exclusiva do consumidor. Configuração.
Exclui-se a responsabilidade da instituição financeira por danos decorrentes de fraude praticada por terceiro, quando a compra, realizada em loja física, foi realizada com a entrega voluntária do cartão original e de senha pessoal pelo correntista, prática comumente conhecida como golpe do motoboy, caracterizando culpa exclusiva do consumidor, ainda que vulnerável em decorrência de doença grave.
Cinge-se a controvérsia em definir se a instituição financeira é responsável por danos decorrentes de fraude praticada por terceiros, quando a operação foi realizada com o cartão original e senha pessoal do correntista, prática comumente conhecida como "golpe do motoboy"; bem como em definir se é possível a mitigação da responsabilidade da consumidora diante do seu estado de vulnerabilidade decorrente de tratamento médico.
De acordo com a narrativa apresentada, a autora forneceu sua senha pessoal durante a ligação com suposto representante de seu banco e, posteriormente, entregou o seu cartão bancário a terceiro que se fez passar por prestador de serviço do banco demandado.
O dano decorrente da prática fraudulenta nomeada como "golpe do motoboy" afigura-se diante da concorrência das seguintes causas: (i) o fornecimento do cartão magnético original e da senha pessoal ao estelionatário por parte do consumidor, bem como (ii) a inobservância do dever de segurança pela instituição financeira em alguma das etapas da prestação do serviço.
Conforme entendimento enunciado na Súmula nº 479/STJ: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". Em tais casos, a responsabilidade da instituição financeira somente poderá ser afastada se comprovada a inexistência de defeito na prestação do serviço bancário ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, a teor do disposto no § 3º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
A responsabilidade da instituição financeira tem origem no defeito em alguma das etapas da prestação do serviço, a exemplo, (i) da guarda dos dados sigilosos do consumidor e (ii) do aprimoramento dos mecanismos de autenticação dos canais de relacionamento com o cliente e de verificação de anomalias nas operações que fujam do padrão do consumidor.
Vale também lembrar, conforme destacado na apreciação do Tema nº 466/STJ, que "(...) a culpa exclusiva de terceiros apta a elidir a responsabilidade objetiva do fornecedor é espécie do gênero fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda relação de causalidade com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço" .
A partir de tais premissas, esta Terceira Turma firmou o entendimento de que, em regra, a responsabilidade da instituição financeira deve ser afastada na hipótese em que as transações contestadas são realizadas com o uso do cartão original, com "chip", e o uso de senha pessoal do correntista, ressalvada a comprovação de que a instituição financeira agiu com negligência, imprudência ou imperícia.
Posteriormente, esta Terceira Turma julgou recurso que versou sobre hipótese semelhante ao "golpe do motoboy". Na ocasião, restou consignado que "(...) a entrega voluntária do cartão magnético e da senha pessoal a terceiro, ainda que não espontaneamente, não torna a instituição financeira responsável quando provada a existência de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros", ou seja, a fraude praticada por terceiro não teria, a princípio, aptidão para afastar a culpa da vítima para o resultado danoso.
Na espécie, a consumidora, após ser convencida de que estava falando com representante do banco demandado, compartilhou seus dados bancários sigilosos, situação que deu ensejo à compra questionada.
A operação fraudulenta consistiu em uma única compra, de modo parcelado, realizada em loja física, com a utilização do cartão da recorrente, após a inserção de sua senha pessoal, dentro dos limites pré-aprovados. Tal contexto afasta a deficiência na prestação do serviço por parte do banco e aponta para a culpa exclusiva da consumidora.
Por fim, a vulnerabilidade da consumidora, que à época do ato fraudulento se encontrava em tratamento médico, não autoriza, isoladamente, a mitigação de sua responsabilidade quanto ao dever de cuidado de seus dados sigilosos e com o cartão de acesso à conta. Tal situação, a toda evidência, é capaz de gerar grave abalo no exercício das atividades cotidianas. Isso não significa, no entanto, que sua capacidade para os atos da vida civil possa ser desconsiderada de modo a mitigar sua responsabilidade pelo compartilhamento de dados bancários sigilosos.
REsp 2.171.089-DF, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 3/12/2024, DJEN 6/12/2024.
DIREITO EMPRESARIAL, RECUPERAÇÃO JUDICIAL
As ações de despejo não devem ficar suspensas com o deferimento do processamento da recuperação judicial da locatária.
Cinge-se a controvérsia em definir se as ações de despejo de locatária em recuperação judicial devem ficar suspensas com o deferimento do processo recuperacional.
A Lei de Recuperação de Empresas e Falência prevê uma fase, instaurada com a decisão de deferimento do processamento da recuperação, na qual o patrimônio do devedor empresário é preservado, ficando suspensas as execuções ajuizadas contra ele e vedadas as medidas constritivas (art. 6º, I, II e III, da LREF), de modo que possa ter um fôlego para apresentar o plano de recuperação judicial, é o chamado stay period.
Na ação de despejo por falta de pagamento, porém, o bem cuja retomada se pretende não pertence ao devedor, de modo que não se insere nas hipóteses de suspensão tratadas no artigo 6º, I, II e III, da Lei nº 11.101/2005.
Tampouco o despejo se encaixa nas exceções previstas no artigo 49, § 3º, da referida lei, que não permite a venda ou retirada do estabelecimento do devedor, no período de suspensão, dos bens de capital essenciais à atividade empresarial pertencentes a credores fiduciários, de arrendamento mercantil e proprietários vendedores.
A situação do locador é diversa da do credor fiduciário e do arrendador. Isso porque o locador não irá se ressarcir com a retomada do bem como ocorre com aqueles, em que o bem funciona como uma espécie de garantia. Também não se confunde com a do promissário vendedor, que, diante da inadimplência do adquirente em recuperação judicial, terá garantido seu direito de propriedade, inclusive na incorporação imobiliária.
Por essas razões que não cabe falar em aplicação por analogia das hipóteses do artigo 49, § 3º, da LREF no caso da locação.
REsp 2.022.841-SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 11/3/2025.
DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR
A empresa de comunicação e o apresentador de programa de televisão não fazem parte, em regra, da cadeia de consumo para fins de responsabilidade pelo fornecimento de produto e/ou serviço anunciados.
Cinge-se a controvérsia em analisar se, em caso de não pagamento da premiação prometida pelo "Bingão da Felicidade", os contratados (emissora de televisão e o apresentador do programa) para a realização da publicidade do concurso respondem solidariamente com a sociedade empresária responsável pela realização do certame pelos danos causados ao consumidor titular da cartela premiada.
Nos termos do art. 942 do CC/2002, quando a ofensa tem mais de um autor, todos respondem solidariamente pela reparação. E nos termos do art. 265 do CC/2002, a solidariedade não se presume, resultando da lei ou do contrato e, em se tratando de situação excepcional, a solidariedade apenas comporta interpretação restritiva. E ainda, a situação não se enquadra em nenhuma das hipóteses de responsabilidade objetiva solidária previstas no art. 932 do CC, o que em tese autorizaria a responsabilização solidária independentemente de culpa.
Assim, não havendo previsão legal ou previsão nos contratos firmados pelas partes sobre a assunção da responsabilidade pela integridade dos produtos anunciado, não há como reconhecer a responsabilidade solidária.
Sob o viés da legislação consumerista, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao tratar da publicidade, impõe deveres ao anunciante, no papel de fornecedor do produto ou serviço, e não aos responsáveis pela elaboração e veiculação das peças publicitárias, conforme se extrai dos artigos 30, 35 e 38 do CDC.
Nesse contexto, a empresa de comunicação, na veiculação de anúncios, atua como mera divulgadora, e, no desempenho dessa atividade, não assume a condição de fornecedora do produto e/ou serviço anunciado, não integrando a cadeia de consumo. Não há, nesses casos, relação de consumo entre a empresa de comunicação que divulga a publicidade e o consumidor que adquire o produto e serviço anunciado, atraído pela publicidade.
Dessa forma, a "propaganda de palco", como ocorreu no caso, não implica a corresponsabilidade da empresa de televisão ou do apresentador do programa televisivo que atuou como garoto-propaganda pelo anúncio divulgado. Isso porque, para além de também não haver qualquer relação de consumo, o fato de atuar como garoto-propaganda, atestando a qualidade e confiabilidade do objeto da publicidade, não o transforma em garantidor do cumprimento das obrigações do fornecedor anunciante.
No caso, não houve qualquer defeito na propaganda em si, não se configurando situação de desídia ou de conivência da empresa jornalística com a veiculação de anúncios manifestamente fraudulentos e potencialmente lesivos aos consumidores, não ficando configurada, portanto, situação excepcional que autorize a responsabilização da empresa de comunicação e demais envolvidos na publicidade.
Assim, não havendo nexo causal entre a conduta da emissora e do apresentador na prestação dos serviços de publicidade para os quais foram contratados e os danos materiais causados em razão do recursa do pagamento do prêmio pela organização do certame, não há que se falar em responsabilidade solidária.
REsp 1.867.409-SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 11/3/2025.
DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR
Na falência, a sub-rogação não confere ao Fundo Garantidor de Créditos - FGC o status de credor subordinado ou subquirografário, mas o de credor quirografário, o qual ocupa a posição de seus antecessores em igualdade de condições.
A administração exercida pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC) durante o regime de administração especial temporária (RAET) difere da administração ordinária exercida pelos controladores e administradores de uma sociedade, não configurando vínculo empregatício ou relação de confiança que justifique a subordinação de seus créditos.
A atuação do FGC está subordinada às diretrizes do Banco Central do Brasil, o que caracteriza sua gestão como "múnus público" voltado à estabilidade do sistema financeiro, distinta da administração comum prevista na Lei de Falências. Trata-se de uma entidade com a finalidade exclusiva de proteger o sistema financeiro e garantir o pagamento de depósitos em instituições financeiras em crise, conforme determinado pela legislação específica.
No contexto falimentar, o conceito de sub-rogação impõe que o FGC assuma a mesma posição jurídica dos credores originários (quirografários), sem alteração na classificação de seus créditos. A natureza desse crédito não é voluntária ou especulativa; ao contrário, é o resultado de uma intervenção obrigatória e institucional para cobrir obrigações que, de outra forma, seriam inadimplidas.
Desse modo, a classificação dos créditos do FGC como subquirografários prejudicaria a posição do fundo no concurso de credores e, portanto, comprometeria sua capacidade de honrar outros compromissos de proteção ao sistema financeiro, distorcendo a lógica da sub-rogação, que visa manter o status do crédito original. Ou seja, se os créditos originários teriam a condição de quirografários, o FGC, ao sucedê-los, herda essa mesma posição, não havendo base para rebaixá-lo na hierarquia concursal.
Logo, a aplicação do art. 351 do Código Civil em contexto falimentar, para classificar créditos do FGC como subquirografários, não encontra suporte legal e distorce princípios do direito falimentar, como o da par conditio creditorum. O direito falimentar exige, por fim, interpretação restritiva para preservar a hierarquia de créditos e a estabilidade do sistema financeiro, fundamentais ao papel institucional do FGC.
Código Civil (CC), art. 351
REsp 2.083.823-DF, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 11/3/2025.
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
É cabível acordo de não persecução penal em ação penal privada, mesmo após o recebimento da denúncia, tendo o Ministério Público legitimidade supletiva para propor a medida quando houver inércia ou recusa infundada do querelante.
A questão em discussão consiste em saber se é cabível o oferecimento de acordo de não persecução penal em ação penal privada após o recebimento da queixa-crime, e se o Ministério Público possui legitimidade para propor o ANPP em substituição ao querelante.
O acordo de não persecução penal foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pelo art. 28-A do CPP, por meio da Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), com o inegável propósito de possibilitar soluções consensuais para crimes de menor gravidade, reduzindo o número de processos penais ao mesmo tempo em que propicia maior celeridade à justiça criminal.
O ANPP veio como forma de mitigação ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública diante da existência de lastro suficiente de autoria e materialidade para oferecimento da denúncia, assim como já acontece na transação penal, instituto cabível para as infrações de menor potencial ofensivo (art. 76 da Lei n. 9.099/1995). Pode-se asseverar, também, a mitigação ao princípio da indisponibilidade, segundo o qual, em linhas gerais, não é dado ao Ministério Público desistir no curso da ação penal, sob a perspectiva de aplicação do ANPP aos processos em curso ao tempo do início da vigência do ANPP no ordenamento jurídico (Lei n. 13.964/2019, em 23/1/2020), consoante decidido no julgamento do Habeas Corpus n. 185.913/DF pelo Supremo Tribunal Federal.
Todavia, o CPP não disciplinou expressamente a possibilidade de celebração do acordo de não persecução penal no âmbito da ação penal privada, o que gerou controvérsia doutrinária e jurisprudencial. A despeito da lacuna normativa, a extensão por analogia do ANPP à ação penal privada deve ser admitida, pelos seguintes fundamentos:
a) O interesse público subjacente à ação penal privada - Ainda que o direito de ação seja atribuído ao ofendido, a persecução penal continua sendo uma manifestação do ius puniendi estatal, sendo inalienável ao particular. O querelante não age em nome de um direito material próprio, mas sim no exercício de um direito de substituição processual.
b) O princípio da isonomia entre réus de ações penais públicas e privadas - Negar o ANPP a crimes de ação penal privada, nos casos em que todos os requisitos legais estão preenchidos, significaria conceder tratamento mais gravoso a acusados que se encontram em situações fáticas idênticas, o que violaria o princípio da igualdade substancial.
c) O caráter restaurativo e desjudicializante da política criminal contemporânea - O ANPP visa a garantir uma justiça penal mais eficiente e menos punitivista, fomentando a reparação do dano e prevenindo o encarceramento desnecessário. Se há espaço para essa abordagem na ação penal pública, com maior razão deve ser admitida na ação penal privada, que, por sua própria natureza, confere ao ofendido um juízo de conveniência sobre a persecução penal.
Dessa forma, a ausência de previsão expressa não pode ser interpretada como proibição, devendo-se reconhecer a aplicação do acordo de não persecução penal na ação penal privada por analogia in bonam partem.
Quanto a legitimidade para a propositura do acordo, ainda que se reconheça a titularidade da ação penal privada pelo ofendido, a doutrina e a jurisprudência têm apontado que esse direito não é absoluto e deve ser exercido dentro dos limites da razoabilidade e proporcionalidade. Ou seja, o querelante não pode recusar arbitrariamente um acordo de não persecução penal, pois a persecução penal não pode ser utilizada como um instrumento de vingança privada. Nesse sentido, o Ministério Público, como custos legis, pode e deve atuar subsidiariamente nos seguintes casos:
a) Recusa injustificada do querelante - Quando o querelante, sem fundamentação razoável, se recusar a ofertar o ANPP, ainda que estejam preenchidos os requisitos legais, o Ministério Público deve intervir para impedir que a persecução penal se torne um instrumento de abuso.
b) Silêncio ou inércia do querelante - Na hipótese de omissão do querelante diante da proposta de ANPP, o Ministério Público pode supletivamente ofertá-la, garantindo que o processo penal atenda a uma finalidade justa e racional.
c) Propostas abusivas e desproporcionais - Caso o querelante imponha exigências irrazoáveis ou desproporcionais para a celebração do acordo, inviabilizando sua efetivação, caberá ao Ministério Público intervir para garantir que os parâmetros legais sejam respeitados.
A função do Ministério Público, nesse contexto, não se confunde com a titularidade da ação penal. Sua atuação ocorre de forma supletiva e excepcional, apenas para garantir que o instituto do ANPP seja aplicado de maneira justa e eficaz.
Note-se que parte da resistência à tese da legitimidade supletiva do Ministério Público decorre do entendimento consolidado deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, em ações penais privadas, a transação penal só pode ser proposta pelo querelante. Contudo, o acordo de não persecução penal possui natureza jurídica distinta da transação penal, o que justifica uma abordagem diferenciada. Assim, a jurisprudência do STJ sobre a transação penal não pode ser aplicado automaticamente ao ANPP, sob pena de se comprometer a coerência do sistema penal.
Quanto ao momento para oferecer o ANPP, por interpretação sistemática ao contido no art. 28-A do CPP e seus parágrafos, especialmente o § 8º e o § 10, tem-se que, em regra, é anterior ao oferecimento da denúncia. Na prática, porém, a certeza do investigado quanto à falta de propositura do ANPP ocorre quando citado para responder à acusação. Assim, precedentes desta Corte admitem que na fase da resposta à acusação, primeiro momento processual para manifestação da defesa do acusado, o agora denunciado possa manifestar-se pelo cabimento do acordo.
Sucede que a definição dos momentos processuais para o acordo de não persecução penal na ação penal privada perpassa a interpretação sistemática do artigo 28-A do Código de Processo Penal com os artigos 105 e 106 do Código Penal e o artigo 51 do CPP, que consagram o princípio da disponibilidade. A ação penal privada rege-se pelo princípio da oportunidade, conferindo ao querelante ampla margem de disponibilidade sobre a persecução penal, podendo, inclusive, renunciar ao direito de queixa, perdoar o querelado ou realizar composição civil em qualquer fase do processo.
Se o querelante pode exercer atos ainda mais abrangentes, como desistir integralmente da persecução penal, segue-se que também pode firmar um acordo de não persecução penal, ato de menor impacto dentro da mesma esfera de atuação, até o trânsito em julgado, pois este representa uma alternativa intermediária que não extingue de plano o direito de punir, mas apenas o condiciona ao cumprimento de determinadas obrigações. Dessa forma, não há justificativa lógica ou principiológica para restringir a possibilidade do querelante formalizar um ANPP em momento posterior ao recebimento da queixa.
Ressalte-se que essa interpretação vale para as iniciativas do querelante, pois a atuação do Ministério Público na ação penal privada é excepcional, limitando-se à fiscalização da ordem jurídica e intervenção supletiva quando houver inércia do autor da queixa-crime.
Nessa conformidade, a legitimidade ministerial para propor o ANPP decorre do artigo 45 do CPP, que lhe confere função de custos legis, mas essa atuação deve ocorrer na primeira oportunidade processual, sob pena de preclusão. Esse entendimento assegura a coerência do sistema acusatório e a primazia do querelante na condução da ação penal privada, sem esvaziar o papel fiscalizador do Ministério Público.
AgRg no REsp 2.167.109-RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 26/2/2025, DJEN 7/3/2025.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
A interpretação de cláusulas de acordo de não persecução penal não enseja recurso especial, conforme a Súmula n. 5 do STJ.
A questão consiste em saber se a interpretação das cláusulas do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), realizada pelo Tribunal de origem, pode ser revista em sede de recurso especial.
No caso, o Tribunal a quo concluiu motivadamente que os armamentos cuja renúncia o Ministério Público almejara não foram abrangidos pelo acordo, e o fez a partir do exame direto das cláusulas do acordo de não persecução penal.
Note-se que a modificação do julgado exigiria que o Superior Tribunal de Justiça substituísse o exame feito pela Corte estadual sobre o teor das cláusulas do acordo, a fim de verificar se elas abrangiam ou não os materiais pretendidos pelo Ministério Público. Essa medida, entretanto, é inviável em sede de recurso especial, nos termos da Súmula n. 5/STJ, segundo a qual "a simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial".
Na mesma linha, "... não se mostra plausível nova análise de cláusulas contratuais previstas no acordo de colaboração premiada por parte desta e. Corte Superior, a qual não pode ser considerada uma terceira instância recursal. Incide, portanto, a Sumula 5 deste col. Superior Tribunal de Justiça..." (AgRg no REsp 1.864.096/PR, Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Quinta Turma, DJe de 2/9/2021).
Ademais, as próprias razões recursais confirmam tal conclusão, porque se pautam na interpretação que um voto vencido no âmbito da Corte local fez sobre as cláusulas do acordo - interpretação esta que o Parquet pretende ver resgatada nesta instância especial. A Súmula n. 5/STJ, entretanto, impede que este Tribunal Superior avalie novamente a redação das cláusulas do ANPP, a fim de aferir quem as interpretou melhor: os votos vencedores ou o vencido, como requer o Ministério Público.
AgRg no AREsp 2.603.711-AL, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 18/2/2025, DJEN 24/2/2025.
DIREITO PENAL
O roubo praticado contra menor de idade no caminho da escola supera a reprovabilidade da conduta e justifica o aumento da pena-base.
As instâncias ordinárias valoraram negativamente a pena-base com fundamento no local onde o roubo foi praticado. No caso, verifica-se que a vítima era menor de idade e estava a caminho da escola, circunstâncias que eram de conhecimento do réu.
Com efeito, é mais reprovável a subtração mediante grave ameaça praticada contra adolescente, por terem seu desenvolvimento físico e psíquico incompleto e, consequentemente, apresentarem menor capacidade de resistência, o que justifica a exasperação da pena-base (culpabilidade).
Nesse sentido, "Mostra-se idônea a valoração negativa das circunstâncias do crime, tendo em vista que foi praticado contra uma vítima adolescente do sexo feminino, o que denota maior reprovabilidade da conduta, dado o menor grau de resistência da vítima" (HC 376.166/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 31/5/2017).
Ademais, o roubo praticado em prejuízo de menores de idade no caminho para a escola é elemento que supera os ínsitos ao delito de roubo, a demonstrar maior gravidade da conduta.
Isso porque, o trajeto para a escola torna previsível que o agente vai encontrar vítimas mais vulneráveis e frustra os esforços do Estado e da sociedade para tornar o ambiente da escola e os arredores mais seguros para os estudantes, o que justifica o sopesamento negativo das circunstâncias do crime.
AgRg no AREsp 2.703.772-DF, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 18/2/2025, DJEN de 24/2/2025.
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
É desnecessária perícia técnica para configurar a qualificadora referente à escalada em furto cujo iter criminis foi testemunhado pelos policiais.
Compreende-se configurada a escalada como qualificadora do furto quando constatado o emprego de qualquer meio anormal para alcançar o bem a ser subtraído. Assim, saltar um muro alto, cavar um túnel por baixo de obstáculos ou subir em uma árvore para subtrair patrimônio alheio bastam para aplicar a forma qualificada do furto.
No caso, apesar de não realizada perícia técnica, o furto de fios de eletricidade e de telefonia por meio de escalada foi comprovado pelo depoimento dos dois policiais que efetuaram a prisão em flagrante da acusada com uma mochila preenchida com res furtivae e com lâminas, enquanto o comparsa estava no alto de um poste.
Nesse ponto, cabe ressaltar que a hipótese é a de flagrante, pois os policiais surpreenderam o corréu no alto de um poste retirando cabos de energia enquanto a acusada o aguardava embaixo, com uma bolsa em que esses bens eram armazenados, perto de um facão utilizado por ambos para fazer os cortes.
Não é o caso de cogitar de investigação sobre a permanência de vestígios do crime, pois os policiais presenciaram o iter criminis e detiveram os agentes durante a subtração.
Trata-se de prova incontestável sobre a materialidade, caracterizada pelo emprego de escalada, o que dispensa a realização de perícia técnica.
AgRg no AREsp 2.795.012-SP, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 11/3/2025.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Em casos envolvendo a prática de homicídio na direção de veículo automotor, havendo elementos indiciários que subsidiem, com razoabilidade, as versões conflitantes acerca da existência de dolo, ainda que eventual, a divergência deve ser solvida pelo Conselho de Sentença, evitando-se a indevida invasão da sua competência constitucional.
É cediço que, no procedimento de competência do Tribunal do Júri, a pronúncia encerra o juízo de admissibilidade da inicial acusatória, dispondo o art. 413 do Código de Processo Penal que o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.
Não é necessário que na decisão fique demonstrada de forma cabal a autoria do delito, o que somente ocorrerá num eventual juízo condenatório, mas apenas que se exponha os indícios mínimos de autoria e materialidade, inclusive aqueles angariados em solo policial.
O Supremo Tribunal Federal firmou nova orientação jurisprudencial de que a primeira fase do procedimento do júri constitui filtro processual com a função de evitar julgamento pelo plenário sem a existência de prova de materialidade e indícios de autoria firmados no bojo do processo, o que tornou ilegal a sentença de pronúncia elaborada com base exclusiva nas provas produzidas no inquérito policial (HC n. 180.144/PI, Relator Ministro Celso de Mello, DJe 22/10/2020).
Recentemente, o Superior Tribunal alinhou-se ao entendimento acima detalhado e passou a entender não ser possível que a pronúncia esteja lastreada tão somente em elementos colhidos na fase inquisitorial.
No caso, o Tribunal de origem entendeu que "a acusação por homicídio doloso, praticado com dolo eventual, tomou por base uma sucessão de fatos, como (i) a velocidade do veículo, no momento da colisão, (ii) o fato de o atropelamento ter ocorrido na faixa de pedestres, (iii) a possível embriaguez do acusado, (iv) a fuga do local dos fatos, (v) a anotação de diversas multas por excesso de velocidade, em momentos anteriores, e (vi) a existência de condenação criminal do acusado, por homicídio culposo, na direção de veículo automotor, em outra oportunidade.".
Portanto, os fundamentos utilizados pelo Tribunal de origem para manter a pronúncia do agravante indicam a existência de indícios sobre o elemento subjetivo do tipo penal, em razão de múltiplos fatos, que não se restringem à suposta ingestão de bebidas alcoólicas pelo réu.
Dessa forma, a menção aos indícios que aludem à suposta ingestão de bebidas alcoólicas pelo réu foi feita como forma de refutar os argumentos lançados pela defesa, que pretendia ver reconhecida, nesta fase, a modalidade culposa.
Com efeito, consoante reiterados pronunciamentos do Superior Tribunal de Justiça, o deslinde da controvérsia sobre o elemento subjetivo do crime, especificamente se o acusado atuou com dolo eventual ou culpa consciente, fica reservado ao Tribunal do Júri, juiz natural da causa, no qual a defesa poderá exercer amplamente a tese contrária à imputação penal.
Assim, havendo elementos indiciários que subsidiem, com razoabilidade, as versões conflitantes acerca da existência de dolo, ainda que eventual, a divergência deve ser solvida pelo Conselho de Sentença, evitando-se a indevida invasão da sua competência constitucional.
Código de Processo Penal (CPP), art. 413.
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