EMENTA INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA - IAC NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE AUTORIZAÇÃO SANITÁRIA. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES, CULTIVO E COMERCIALIZAÇÃO DE CÂNHAMO INDUSTRIAL (HEMP), VARIEDADE DA PLANTA CANNABIS SATIVA L. COM ALTA CONCENTRAÇÃO DE CBD (CANABIDIOL) E BAIXO TEOR DE THC (TETRAHIDROCANABINOL). FINALIDADES MEDICINAIS E INDUSTRIAIS FARMACÊUTICAS. COMPROVADOS BENEFÍCIOS NO TRATAMENTO DE DIVERSOS QUADROS CLÍNICOS. DISTINÇÕES ENTRE AS VARIEDADES DA PLANTA. TEOR DE THC DO CÂNHAMO INFERIOR A 0,3%. PERCENTUAL INCAPAZ DE PRODUZIR EFEITOS PSICOTRÓPICOS. DISCIPLINA DA MATÉRIA EM CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. ARTS. 1º, PARÁGRAFO ÚNICO, E 2º, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 11.343/2006 (LEI DE DROGAS). CONCEITO DE DROGAS. ALCANCE NORMATIVO. PLANO REGULAMENTAR. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA - ANVISA. PROSCRIÇÃO DA PLANTA DO GÊNERO CANNABIS, INDEPENDENTEMENTE DO PERCENTUAL DE THC. PORTARIA SVS/MS N. 344/1998 E RDC N. 327/2019. INTERPRETAÇÃO REGULATÓRIA EM DESACORDO COM A TELEOLOGIA DA LEI. PREJUÍZO AO EXERCÍCIO PLENO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. POSSIBILIDADE DE CULTIVO DE HEMP PARA FINS EXCLUSIVAMENTE MEDICINAIS E INDUSTRIAIS FARMACÊUTICOS. I - O cânhamo industrial (Hemp) e "maconha" são variedades genéticas distintas da Cannabis sativa L. II - Ambas contêm THC (Tetrahidrocanabinol), componente psicotrópico da Cannabis, responsável pelos efeitos eufóricos ou alterados da percepção, e CBD (Canabidiol), substância presente na planta e incapaz de gerar efeitos psicoativos, utilizada para fins farmacêuticos e medicinais. III - Diferentemente da maconha, o cânhamo industrial não possui concentração de THC capaz de causar efeitos psicotrópicos (inferior a 0,3%), vale dizer, é inservível para produzir drogas, mas possui alto teor de CBD. IV - Pesquisas e estudos nacionais e internacionais indicam o potencial terapêutico ou comprovam a eficácia de derivados da Cannabis na atenuação de sintomas de inúmeras doenças e transtornos humanos, motivando diversos Estados da Federação a aprovarem leis autorizando a distribuição de medicamentos à base de substratos da planta nas respectivas redes públicas de saúde, notadamente em função do elevado custo desses produtos, decorrente, em boa medida, da necessidade de importação dos insumos para sua produção. V - Os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, ao incorporar as Convenções internacionais sobre a matéria de 1961, 1971 e 1988, não apontam nenhum impedimento para o cultivo controlado de cânhamo industrial em território nacional. VI - A Cannabis e suas partes têm a importação, o cultivo e o comércio proibidos no País, independentemente do nível de THC, porquanto a ANVISA não considera as distinções taxonômicas da planta. VII - A partir de interpretação balizada por redução teleológica do alcance normativo dos arts. 1º, parágrafo único, e 2º, caput e parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006, a importação de sementes, o cultivo e a comercialização de plantas de cânhamo industrial no País - desde que respeitado percentual menor que 0,3% de THC - não são alcançados pela vedação estabelecida pelos apontados dispositivos legais, razão pela qual as restrições e proibições constantes da Portaria SVS/MS n. 344/1998 e na RDC n. 327/2019 não se aplicam a tais atividades quando se tratar dessa variedade de Cannabis. VIII - Há inércia regulamentar do Poder Público nacional sobre o cultivo e comercialização da Cannabis no País, o que impacta negativamente o acesso a tratamento qualificado de saúde para inúmeros pacientes. IX - O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça firmaram entendimento segundo o qual o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar a adoção, pela Administração Pública, de medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes e da reserva do possível, sendo viável, ainda, a fixação de diretrizes a serem observadas pelo Poder Público para o cumprimento da decisão judicial [...]. X - Acórdão submetido ao rito do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixando-se, a teor do disposto nos arts. 947, § 3º, do CPC/2015, e 104-A, III, do RISTJ, as seguintes teses: (I) Nos termos dos arts. 1º, parágrafo único, e 2º, caput, da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), não pode ser considerado proscrito o cânhamo industrial (Hemp), variedade da Cannabis com teor de Tetrahidrocanabinol (THC) inferior a 0,3%, porquanto inapto à produção de drogas, assim entendidas substâncias psicotrópicas capazes de causar dependência; (II) De acordo com a Convenção Única sobre Entorpecentes (Decreto n. 54.216/1964) e a Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), compete ao Estado brasileiro estabelecer a política pública atinente ao manejo e ao controle de todas as variedades da Cannabis, inclusive o cânhamo industrial (Hemp), não havendo, atualmente, previsão legal e regulamentar que autorize seu emprego para fins industriais distintos dos medicinais e/ou farmacêuticos, circunstância que impede a atuação do Poder Judiciário; (III) À vista da disciplina normativa para os usos médicos e/ou farmacêuticos da Cannabis, as normas expedidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA (Portaria SVS/MS n. 344/1998 e RDC n. 327/2019) proibindo a importação de sementes e o manejo doméstico da planta devem ser interpretadas de acordo com as disposições da Lei n. 11.343/2006, não alcançando, em consequência, a variedade descrita no item I (cânhamo industrial - Hemp), cujo teor de THC é inferior a 0,3%; (IV) É lícita a concessão de autorização sanitária para plantio, cultivo, industrialização e comercialização do cânhamo industrial (Hemp) por pessoas jurídicas, para fins exclusivamente medicinais e/ou farmacêuticos atrelados à proteção do direito à saúde, observada a regulamentação a ser editada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA e pela União, no âmbito de suas respectivas atribuições, no prazo de 06 (seis) meses, contados da publicação deste acórdão; e (V) Incumbe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA e à União, no exercício da discricionariedade administrativa, avaliar a adoção de diretrizes destinadas a obstar o desvio ou a destinação indevida das sementes e das plantas (e.g. rastreabilidade genética, restrição do cultivo a determinadas áreas, eventual necessidade de plantio indoor ou limitação quantitativa de produção nacional), bem como para garantir a idoneidade das pessoas jurídicas habilitadas a exercerem tais atividades (e.g. cadastramento prévio, regularidade fiscal/trabalhista, ausência de anotações criminais dos responsáveis técnicos/administrativos e demais empregados), sem prejuízo de outras medidas para preservar a segurança na respectiva cadeia produtiva e/ou comercial. [...] (REsp 2024250 PR, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 13/11/2024, DJe de 19/11/2024)