CC 105201
Ministro FELIX FISCHER
06/08/2009
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 105.201 - MG (2009/0090324-6)
DECISÃO
Inicialmente cumpre destacar que conforme decido recentemente por esta Corte, a conduta em tese praticada, subsume-se perfeitamente ao disposto no art. 7º, inciso I, da Lei nº 11.340/2006, que assim dispõe:
"Art. 7º. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal".
Além disso, a violência cometida por ex-companheiro é considerada para fins de aplicação da Lei Maria da Penha, por se enquadrar na previsão contida no art. 5º, inciso III, da referida norma que preceitua que configura violência doméstica contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial em qualquer relação íntima de afeto na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Nesse sentido o seguinte precedentes desta Corte:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER (LEI 11.340/06). AGRESSÃO DE EX-COMPANHEIRO APARENTEMENTE VINCULADA À RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO DO AGRESSOR COM A VÍTIMA. LESÃO CORPORAL, INJÚRIA E AMEAÇA. JUIZADO ESPECIAL E VARA CRIMINAL. PREVISÃO EXPRESSA DE AFASTAMENTO DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS (LEI 9.099/95). ARTS. 33 E 41 DA LEI 11.340/06. PARECER DO MPF PELA COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. CONFLITO CONHECIDO, PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DA VARA CRIMINAL E EXECUÇÃO PENAL DE SÃO SEBASTIÃO DO PARAÍSO/MG, O SUSCITADO.
1. A Lei 11.340/06 buscou proteger não só a vítima que coabita com o agressor, mas também aquela que, no passado, já tenha convivido no mesmo domicílio, contanto que haja nexo entre a agressão e a relação íntima de afeto que já existiu entre os dois.
2. A conduta atribuída ao ex-companheiro da vítima amolda-se, em tese, ao disposto no art. 7o., inciso I da Lei 11.340/06, que visa a coibir a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou a saúde corporal da mulher, a violência psicológica e a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
3. Ao cuidar da competência, o art. 41 da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) estabelece que, aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais). O art. 33 da citada Lei, por sua vez, dispõe que enquanto não estiverem estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as Varas Criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes de violência doméstica.
4. Afastou-se, assim, em razão da necessidade de uma resposta mais eficaz e eficiente para os delitos dessa natureza, a conceituação de crimes de menor potencial ofensivo, punindo-se mais severamente aquele que agride a mulher no âmbito doméstico ou familiar.
5. A definição ou a conceituação de crimes de menor potencial ofensivo é da competência do legislador ordinário, que, por isso, pode excluir alguns tipos penais que em tese se amoldariam ao procedimento da Lei 9.099/95, em razão do quantum da pena imposta, como é o caso de alguns delitos que se enquadram na Lei 11.340/06, por entender que a real ofensividade e o bem jurídico tutelado reclamam punição mais severa.
6. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal e Execução Penal de São Sebastião do Paraíso/MG, o suscitado, em conformidade com o parecer ministerial.
(CC 102.832/MG, 3ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho. DJe de 22/04/2009) Na mesma linha a decisão monocrática: CC 98.282/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, DJ de 03/06/2009.
No mais, a discussão travada nos presentes autos já foi anteriormente apreciada por esta Corte.
Com efeito, em outras oportunidades restou decidido que para fins de fixação de competência não se aplica a Lei nº 9.099/95 às infrações penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher independentemente da pena abstratamente cominada, tudo isso nos exatos termos do art. 41 da Lei nº 11.340/2006. Nesse sentido colho os seguintes precedentes:
"PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL LEVE PRATICADA COM VIOLÊNCIA FAMILIAR CONTRA A MULHER. INAPLICABILIDADE DA LEI 9.099/95 E, COM ISSO, DE SEU ART. 88, QUE DISPÕE SER CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO O REFERIDO CRIME. AUSÊNCIA DE NULIDADE NA NÃO-DESIGNAÇÃO DA AUDIÊNCIA PREVISTA NO ART. 16 DA LEI MARIA DA PENHA, CUJO ÚNICO PROPÓSITO É A RETRATAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO. PARECER MINISTERIAL PELA CONCESSÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA.
1. Esta Corte, interpretando o art. 41 da Lei 11.340/06, que dispõe não serem aplicáveis aos crimes nela previstos a Lei dos Juizados Especiais, já resolveu que a averiguação da lesão corporal de natureza leve praticada com violência doméstica e familiar contra a mulher independe de representação. Para esse delito, a Ação Penal é incondicionada (REsp. 1.050.276/DF, Rel. Min. JANE SILVA, DJU 24.11.08).
2. Se está na Lei 9.099/90, que regula os Juizados Especiais, a previsão de que dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais e lesões culposas (art. 88) e a Lei Maria da Penha afasta a incidência desse diploma despenalizante, inviável a pretensão de aplicação daquela regra aos crimes cometidos sob a égide desta Lei.
3. Ante a inexistência da representação como condição de procedibilidade da ação penal em que se apura lesão corporal de natureza leve, não há como cogitar qualquer nulidade decorrente da não realização da audiência prevista no art. 16 da Lei 11.340/06, cujo único propósito é a retratação.
4. Ordem denegada, em que pese o parecer ministerial em contrário."
(HC 91.540/MS, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 13/04/2009) "PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL SIMPLES OU CULPOSA PRATICADA CONTRA MULHER NO ÂMBITO DOMÉSTICO. PROTEÇÃO DA FAMÍLIA. PROIBIÇÃO DE APLICAÇÃO DA LEI 9.099/1995. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. RECURSO PROVIDO PARA CASSAR O ACÓRDÃO E RESTABELECER A SENTENÇA.
1. A família é a base da sociedade e tem a especial proteção do Estado; a assistência à família será feita na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. (Inteligência do artigo 226 da Constituição da República).
2. As famílias que se erigem em meio à violência não possuem condições de ser base de apoio e desenvolvimento para os seus membros, os filhos daí advindos dificilmente terão condições de conviver sadiamente em sociedade, daí a preocupação do Estado em proteger especialmente essa instituição, criando mecanismos, como a Lei Maria da Penha, para tal desiderato.
3. Somente o procedimento da Lei 9.099/1995 exige representação da vítima no crime de lesão corporal leve e culposa para a propositura da ação penal.
4. Não se aplica aos crimes praticados contra a mulher, no âmbito doméstico e familiar, a Lei 9.099/1995. (Artigo 41 da Lei 11.340/2006).
5. A lesão corporal praticada contra a mulher no âmbito doméstico é qualificada por força do artigo 129, § 9º do Código Penal e se disciplina segundo as diretrizes desse Estatuto Legal, sendo a ação penal pública incondicionada.
6. A nova redação do parágrafo 9º do artigo 129 do Código Penal, feita pelo artigo 44 da Lei 11.340/2006, impondo pena máxima de três anos a lesão corporal qualificada, praticada no âmbito familiar, proíbe a utilização do procedimento dos Juizados Especiais, afastando por mais um motivo, a exigência de representação da vítima 7. RECURSO PROVIDO PARA CASSAR O ACÓRDÃO E RESTABELECER A DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA."
(REsp 1.000.222/DF, 6ª Turma, Relª. Minª. Jane Silva - Desembargadora Convocada do TJ/MG -, DJe de 24/11/2008) Além disso, colho as seguintes decisões monocráticas proferidas pelo Exmo. Sr. Min. Og Fernandes: CC 102.514/MG, DJe de 01/04/2009; CC 103.335/MG DJe de 24/03/2009; CC 102.625/MG DJe de 24/03/2009; CC 102.511/MG DJe de 24/03/2009 e CC 102.506/MG DJe de 24/03/2009.
No mesmo sentido, inclusive é o parecer da douta Subprocuradoria-Geral da República, do qual destaco o seguinte excerto:
""A controvérsia sub examen resume-se em saber qual é o Juízo competente para processar e julgar ação referente à violência doméstica praticada contra a mulher, no âmbito doméstico e familiar.
Esse colendo Superior tribunal de Justiça - em casos análogos - entendeu pela não-aplicabilidade da Lei dos Juizados especiais aos crimes cometidos com violência doméstica, independentemente da pena prevista.
(...)
Nesse contexto, denota-se que o artigo 41 da Lei nº 11.340/06 - ao tyratar do procedimento aplicável aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher - afastou a aplicação da Lei nº 9.099/95, devendo, assim, a respectiva ação penal ser processada e julgada pela Vara Criminal do Juízo de Direito."
Ante o exposto, conheço do conflito e dou por competente o Juízo suscitado (JUÍZO DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DE SÃO SEBASTIÃO DO PARAÍSO - MG), nos termos do art. 120, parágrafo único, do Código de Processo Civil c/c art. 3º do Código de Processo Penal.
P. e I.
Brasília (DF), 03 de agosto de 2009.
MINISTRO FELIX FISCHER Relator